Sabrina Costa Braga, Murilo Gonçalves e Vinícius Bivar
AS DITADURAS NA AMÉRICA LATINA: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E MEMÓRIA
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Apresentação do dossiê
“As ditaduras na América Latina: história, historiografia e memória”
Os estudos sobre regimes ditatoriais na América Latina durante o século XX abarcam uma
variedade considerável de reflexões que procuram pensar as especificidades nacionais, bem
como os seus impactos regionais e globais, utilizando abordagens comparativas ou
transnacionais, que nos permitem identificar semelhanças tanto em relação aos regimes
ditatoriais estabelecidos quanto às políticas de memória implementadas em processos de
redemocratização. Mesmo décadas após a queda das ditaduras latino-americanas, a
consolidação democrática ainda se revela como um desafio em praticamente todos os países,
o que reitera o tema como atual e necessário, apesar dos numerosos estudos realizados. A
necessidade de continuar a explorar esse contexto histórico torna-se inegável face ao avanço
recente e à escala global de uma extrema direita que recorre frequentemente às ideias e à
memória destas ditaduras. Portanto, tratar da história e da memória da contemporaneidade
latino-americana é essencial para pensarmos os caminhos de construção (ou reconstrução)
dessas democracias, bem como seus limites e impasses. Nesse sentido, este dossiê reuniu
trabalhos advindos de investigações que buscaram apresentar diferentes problemas e
abordagens a um complexo período da história latino-americana.
No artigo de autoria do professor Roberto Abdala Jr., intitulado O Brasil da ditadura,
televisão e a invenção da telenovela, a emergência e consolidação da televisão como meio de
comunicação mais importante à época da ditadura civil-militar no Brasil é tratada em termos
de uma transformação cultural. O foco da análise é o papel da televisão nesse momento
histórico, bem como o fenômeno sociocultural das telenovelas no Brasil.
No artigo A multidirecionalidade da memória do Holocausto e da ditadura militar brasileira
em K. Relato de uma busca, Sabrina Costa Braga e Murilo Gonçalves focam na relação entre
a memória do trauma do Holocausto e a memória do trauma da ditadura militar brasileira a
partir da ficção produzida no Brasil acerca da ditadura, mais precisamente a partir da obra K.
Relato de uma busca de Bernardo Kucinski.
Vinícius Bivar contribui com este dossiê com o artigo La diplomacia alemana y las
violaciones de derechos humanos en el Chile de Pinochet: historia y memoria, no qual ele
analisa as ações diplomáticas e as políticas de memória implementadas na República Federal
da Alemanha (RFA) e na posterior Alemanha unificada a respeito da Colonia Dignidad no
Chile. O artigo parte do projeto de memória institucional lançado pelo Ministério de Relações
Exteriores da Alemanha em 2016 visando revisitar o tratamento dado pela diplomacia alemã
ao caso da Colonia Dignidad. Entre as contribuições do projeto estão os relatórios sobre as
violações dos direitos humanos na Colonia durante a ditadura de Pinochet, bem como a
criação de um arquivo com testemunhos.
Sabrina Costa Braga, Murilo Gonçalves e Vinícius Bivar
AS DITADURAS NA AMÉRICA LATINA: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E MEMÓRIA
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Em Apuntes sobre conflictos políticos e intervención estatal en la UNE durante la Dictadura
Militar (1964-1985) Gabriel Teles trata dos conflitos políticos e da repressão militar enquanto
respostas às mobilizações estudantis durante a ditadura militar no Brasil. Para isso, o autor
destaca os impactos do regime autoritário na União Nacional dos Estudantes em diferentes
estágios da experiência repressiva.
El concepto de exilio interno: un acercamiento a su valor heurístico para el analisis de las
prácticas de los agentes en argentina entre 1974 y 1986, de autoria de Ariel I. Slavutsky, é o
artigo que fecha este dossiê com uma contribuição muito interessante acerca da noção de
exílio interno, considerando que o exílio, em seu significado comum, foi utilizado como
ferramenta de violência institucional durante a ditadura militar na Argentina. O exílio interno
teria sido realizado por aqueles que não tiveram a possibilidade de se exilar de fato e
precisaram reproduzir suas vidas dentro dos limites territoriais da Argentina em condições de
perseguição.
A diversidade dos temas e das abordagens dos artigos deste dossiê ilustram o quanto o campo
dos estudos sobre as ditaduras na América Latina foi e é capaz de fomentar em muito o debate
acadêmico, seja entre pesquisadores latino-americanos, seja em suas referências e relações a
outros territórios e nacionalidades. Desejamos a todos uma boa leitura!
Sabrina Costa Braga
Murilo Gonçalves
Vinícius Bivar