Queila F. Madeira
ANIMAÇÃO DIGITAL DOS DESENHOS HUMORÍSTICOS DE JUAREZ MACHADO: UMA
ABORDAGEM TRANSMIDIÁTICA E INCLUSIVA
201
ANIMAÇÃO DIGITAL DOS DESENHOS HUMORÍSTICOS DE JUAREZ
MACHADO: UMA ABORDAGEM TRANSMIDIÁTICA E INCLUSIVA
ANIMACIÓN DIGITAL DE LAS CARICATURAS HUMORÍSTICAS DE JUÁREZ
MACHADO: UN ENFOQUE TRANSMEDIA E INCLUSIVO
DIGITAL ANIMATION OF JUÁREZ MACHADO'S HUMOROUS CARICATURES:
A TRANSMEDIA AND INCLUSIVE APPROACH
Queila F. Madeira
1
PPGARTES-UNESPAR
madeiraqueila@gmail.com
Resumo
Este estudo apresenta o desenvolvimento de uma animação digital baseada nos desenhos
humorísticos nonsense de Juarez Machado, com o objetivo de preservar e disseminar seu
patrimônio artístico-cultural. Utilizando uma adaptação do método projetual de Munari (2008)
e técnicas híbridas de animação tradicional e cut-out, a pesquisa explorou a intermidialidade
entre desenho e animação, promovendo acessibilidade estética por meio de audiodescrição,
legendas, Libras e materiais táteis. Os resultados demonstram que a animação homenageia esse
legado, ao mesmo tempo em que promove reflexões contemporâneas sobre inclusão,
diversidade e tecnologia.
Palavras-chave:
animação digital, humor nonsense, Juarez Machado, acessibilidade estética,
transmidialidade.
Resumen
Este estudio presenta el desarrollo de una animación digital a partir de los dibujos humorísticos
sin sentido de Juárez Machado, con el objetivo de preservar y difundir su patrimonio artístico-
cultural. Utilizando una adaptación del método de diseño de Munari (2008) y técnicas híbridas
de animación tradicional y cut-out, la investigación exploró la intermedialidad entre el dibujo
y la animación, promoviendo la accesibilidad estética a través de la audiodescripción, los
subtítulos, las libras y los materiales táctiles. Los resultados demuestran que la animación honra
este legado, al tiempo que promueve reflexiones contemporáneas sobre la inclusión, la
diversidad y la tecnología.
1
Designer. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Artes (UNESPAR). Brasil
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Palabras clave:
animación digital, humor sin sentido, Juárez Machado, accesibilidad estética,
transmedialidad.
Abstract
This study presents the development of a digital animation based on the nonsensical humorous
drawings of Juárez Machado, aiming to preserve and disseminate his artistic and cultural legacy.
Using an adaptation of Munari’s (2008) design method and hybrid techniques combining
traditional and cut-out animation, the research explored the intermediality between drawing and
animation, promoting aesthetic accessibility through audio description, subtitles, Brazilian Sign
Language (Libras), and tactile materials. The results demonstrate that the animation pays tribute
to this legacy while also encouraging contemporary reflections on inclusion, diversity, and
technology.
Keywords:
digital animation, nonsense humor, Juárez Machado, aesthetic accessibility,
transmediality.
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Introdução
Juarez Machado, renomado artista multimídia nascido em Joinville, Santa Catarina, Brasil,
consolidou uma vasta trajetória artística ao longo de sua carreira. Na década de 1960, formou-
se em pintura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (antiga EMBAP), período que
marcou o início de sua ascensão no cenário artístico. Suas contribuições foram reconhecidas
por meio de diversos prêmios nacionais e internacionais, evidenciando sua relevância no campo
das artes.
Em 2014, Machado fundou o Instituto Internacional Juarez Machado (IIJM) em sua cidade natal,
na antiga casa da família (Figura 01), a instituição sem fins lucrativos, é a extensão da vida e
obra do artista, oferecendoinúmeras atividades e espaço para exposições, cursos, oficinas e os
mais diversos eventos, além de expor obras de toda a carreira de Juarez Machado, busca
desenvolver e disseminar a arte, promover ações de democratização e acesso às fontes de
cultura. (IIJM, 2017, web.)
Figura 01 - Instituto Internacional Juarez Machado.
Fonte: Arquivo IIJM (2017)
Durante esse período, a autora deste estudo atuou como mediadora cultural no instituto, o que
lhe proporcionou interações frequentes com o artista. Nessas ocasiões, Machado compartilhava
suas experiências, estabelecendo uma relação próxima com os colaboradores do espaço.
Um momento particularmente relevante ocorreu durante a montagem da exposição "Juarez
Machado na Hora do Recreio" (2015). Em uma conversa informal, a autora, então estudante
de Design de Animação Digital, expressou seu interesse em animar os desenhos do artista. Em
resposta, Juarez Machado revelou seu sonho de transformar suas criações nonsense em
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animações. Esse anseio encontra respaldo nas palavras de Spengler (2009): A ideia original
foi concebida para receber o formato de desenho animado, mas, como na época, no Brasil,
ainda não existiam produtoras habilitadas para este tipo de trabalho, Juarez publicou em
formato de livro. A ausência de infraestrutura técnica à época impediu a realização desse
projeto, que permaneceu latente até o contexto deste estudo.
O objetivo desta pesquisa é transmidiar as tirinhas de Juarez Machado para o formato de
animação, preservando a essência nonsense que caracteriza suas obras. Além disso, o estudo
propõe a incorporação de recursos de acessibilidade estética, visando atender a um público
diverso e promover sua inclusão. Essa abordagem alinha-se às premissas contemporâneas de
democratização do acesso à arte, contribuindo para uma prática artística ética e sustentável.
Juarez Machado e o humor
nonsense
O humor nonsense, conforme designado pelo próprio artista, pode ser interpretado como uma
alusão aos movimentos artísticos surrealistas e dadaístas, que influenciaram significativamente
sua produção de livros de imagens, bem como centenas de ilustrações e tirinhas. Estas obras
foram publicadas em periódicos de relevância, tais como O Jornal do Brasil, O Cruzeiro,
Manchete e O Pasquim, no Rio de Janeiro, durante a década de 1970 (Diário Catarinense, 1989,
p. 1).
Figura 01 Tirinha Nonsense de Juarez Machado
Fonte: Machado (1984).
Nas palavras de Millôr Fernandes (1969 apud. Machado, 1994: 6):
“Prevenido, precisando progredir, pintor perito, pintou portas, portões,
praias, pessoas, para poder, pecuniariamente, projetar presentes
painéis pictóricos. Com uma arte que vai do graciosamente dramático
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até o violentamente agressivo, ele não é como certos protestários que
ladram, mas não mordem. Juarez às vezes ladra e às vezes morde. Aos
domingos não ladra nem morde - sai com a mulher. Agora como todos
nós, ruge apenas através da focinheira. Sonoro quando canta, Juarez
produz um desenho profundamente diabético - desculpem, dialético.
Seu conteúdo extravasa sempre seu continente, mas para quem entende
não dói nada. Líquido, adquire a forma do vaso que o contém”.
Além de produzir cenários para a Rede Globo, Fazia cenografia dos grandes musicais, dos
programas de humor e depois para o Fantástico. No meio disso, acabei fazendo mímica.
(Revista Continente, 2017, web.)
Juarez, inspirado nos desenhos que produzia para os revistas e jornais, foi pioneiro do
desenho de humor na televisão brasileira, teve um quadro de enorme sucesso nos primeiros
anos do Fantástico: vinhetas animadas nas quais ele atuava como mímico ou, na sua própria
definição, um desenhista do gesto ao som de um tema composto pelo maestro Júlio
Medaglia. (Memória Globo, 2017, web.)
O programa começou a ser exibido em 1973 e ganhou bastante popularidade. O país vivia um
período de grande tensão sob o regime da ditadura militar, na qual os artistas tinham que tomar
o máximo de cuidado para não serem censurados ou até mesmo perseguidos, porém o humor
de Juarez passou despercebido aos olhos da censura:
“Com seu humor refinado, ele mostrava nos gestos precisos as mazelas
de um país que vivia sem liberdade de expressar seu pensamento ou
denunciar as atrocidades que ocorriam em nome da soberania
nacional. Sabedor de que as palavras permitem múltiplas, e, às vezes,
equivocadas interpretações, Juarez falava com as mãos, sempre
pisando em ovos ou recorrendo a alguma bicicleta para lhe tirar de
cena”.
IENSEN, 2007: 6-7
Na Figura 02, Juarez atuava no seu programa de humor, cujo cenário ele mesmo pintava:
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Figura 02: Juarez no Fantástico
Fonte: Memória Globo (2017, web.)
Conforme trecho retirado de uma entrevista não publicada, realizada pela autora em 2017, no
Instituto Internacional Juarez Machado, foi perguntado ao artista sobre o que ele considerava
mais marcante no seu desenho de humor:
“Eu vou te dar uma dica simplória, bem simplória que inclusive vai
facilitar muito o seu trabalho, você animar você vai ter que desenhar
575 vezes para a moça levantar a mão. Então você vai fazer como os
poloneses faziam, (…) corta e faça os que poloneses faziam que eu
adorava, detesto o desenho animado do Walt Disney, porque é muito
perfeito, muito bonito, é muito limpo. (…) Contar uma história
completa em 3 quadrinhos. Você esquece o antes e vopega aquele
caminho, para ficar mais pura possível a leitura do espectador. Se
complicar ele se perde, o espectador vai se perder. (…) E se for
animação, use dessa maneira que os poloneses usavam e que eu sempre
amei. O Walt Disney é um horror, eu detesto Walt Disney, (…) tudo se
mexia, aí isso atrapalha o seu olhar porque você não sabe o que olhar.
(…) Preto e branco não coisa melhor, colocou cor, se fu… porque
cor engana, olha o quadro preto e branco, como eu gosto”.
Acervo do IIJM, 2017.
O artista sugere que a animação a ser adaptada seja feita por meio de recortes articulados (cutout)
e o uso de 3 quadros-chave para contar uma história, essencialmente em preto e branco.
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Acessibilidade Estética
Compreende-se que, no contexto histórico em que o nonsense foi produzido, as discussões
acerca da diversidade não possuíam a mesma relevância e urgência que caracterizam o debate
contemporâneo. Em respeito à integridade da obra original, é reconhecido que não é viável
realizar alterações com o intuito de adequá-la a essas novas perspectivas. Contudo,
considerando que esta animação poderá integrar uma série de produções audiovisuais com
desdobramentos em editais, museus e instituições educacionais, torna-se imprescindível
abordar as questões de acessibilidade. Tais questões são intrínsecas às premissas de uma arte e
design não alienados, pautados por princípios éticos e sustentáveis, que promovem a inclusão
e a democratização do acesso à cultura.
A acessibilidade estética refere-se à adaptação de obras artísticas para torná-las inclusivas sem
comprometer sua integridade (Franco & Santiago, 2018). É fundamental considerar a
acessibilidade estética desde o início do processo de criação, envolvendo pessoas com
deficiências e especialistas. A integração desses recursos complementam e aprimoram a
experiência sensorial, garantindo uma experiência mais significativa e inclusiva para todos.
Recursos como audiodescrição, legendas, Libras e materiais táteis são fundamentais para
garantir que pessoas com deficiência visual ou auditiva possam vivenciar conteúdos
audiovisuais (Motta, 2016).
De acordo com Franco & Santiago (2018) a acessibilidade é um direito humano fundamental,
alinhado aos marcos legais como a
Lei Brasileira de Inclusão
(LBI) (Lei nº 13.146/2015) e a
Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007). A
Instrução
Normativa 116/2014 da ANCINE
, estabelece critérios de acessibilidade para projetos
audiovisuais financiados com recursos públicos. A portaria nº 310/2006, que regula recursos de
acessibilidade na radiodifusão e a
NBR 15290 da ABNT
, que define padrões para legendas
descritivas, audiodescrição e Libras em televisão.
As autoras apontam que, apesar do avanço legislativo, um descompasso entre as
políticas públicas e sua aplicação prática no mercado audiovisual, com muitas produções ainda
não seguindo as normas. Os desafios na implementaçãosão a falta de capacitação profissional
,
onde uma carência de formação específica para audiodescritores, intérpretes de Libras e
legendadores, que compromete a qualidade dos recursos. Os produtores muitas vezes veem a
acessibilidade como um custo adicional, em vez de um componente essencial do processo
criativo. A acessibilidade é frequentemente tratada como uma adaptação pós-produção, em vez
de ser integrada desde o roteiro e a filmagem, o que limita sua eficácia. As autoras defendem
uma abordagem do AccessibleFilmmaking, onde a acessibilidade é considerada desde as etapas
iniciais da produção.
A acessibilidade audiovisual é apresentada como um conjunto de práticas que garantem o pleno
acesso de pessoas com deficiência a conteúdos de mídia, promovendo a inclusão social e
cultural. As autoras destacam que a acessibilidade vai além das adaptações técnicas, sendo uma
questão de equidade e cidadania.As três principais ferramentas são:
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Audiodescrição (AD):
Um recurso específico para pessoas com deficiência visual,
que consiste em uma narração que descreve elementos visuais do conteúdo audiovisual,
como ações, cenários, expressões visuais e figurinos. De acordo com Motta (2016), o
processo de criação da AD inclui a elaboração de um roteiro descritivo e sua narração
sincronizada com o conteúdo audiovisual. As orientações devem ser objetivas,
evitando a subjetividade, e focando em elementos visuais essenciais como cenários,
ações, expressões visuais e figuras que complementam o áudio original, mantendo
clareza e concisão. Além disso, a AD beneficia não apenas pessoas cegas, mas também
idosos, indivíduos com dislexia e outros públicos com dificuldades no processamento
de informações visuais.
Legenda para Surdos e Ensurdecidos (LSE):
Diferente da legenda convencional, a
LSE inclui especificamente sons (como ruídos ambientais ou trilhas sonoras) diálogos
e parâmetros técnicos, como segmentação de texto e velocidade de leitura, com base
em pesquisas de recepção com o público surdo.
Língua Brasileira de Sinais (Libras):
A janela de Libras é destacada como uma
modalidade de tradução audiovisual acessível, voltada para surdos que têm a Libras
como primeira língua.
A acessibilidade audiovisual não apenas permite o acesso a bens culturais, mas também
promove a inclusão social, facilitando barreiras comunicacionais. As autoras enfatizam a
necessidade de conscientização da sociedade e do mercado sobre a importância da inclusão,
sobre o papel da tecnologia no avanço da acessibilidade, como o uso de softwares de legenda
automática e inteligência artificial para melhoria de processos. No entanto, alertam que a
tecnologia deve ser usada com cuidado, sempre priorizando a qualidade e a participação de
profissionais capacitados. Eles também defendem a ampliação de políticas públicas e incentivos
fiscais para tornar a acessibilidade uma prática padrão no audiovisual brasileiro.
Transmidialidade
Segundo Rajewski (2020) o conceito de intermidialidade pode ser encontrado nas discussões
filosóficas e estéticas do século XIX, mas é na contemporaneidade que ganha maior relevância,
especialmente com o advento da era digital. A partir das décadas finais do século XX, a
proliferação de novas tecnologias e plataformas de comunicação ampliou as possibilidades de
fusão e hibridização entre as mídias. Exemplos mais comuns incluem a integração de literatura
e cinema, como em adaptações de romances para filmes, ou a convergência entre videogames
e narrativas, onde jogadores interagem com histórias complexas em ambientes virtuais.
Enquanto a intermidialidade inclui amplamente todos os tipos de relações entre diferentes tipos
de mídias, a transmidialidade inclui relações intermidiáticas mais estreitas. Rajewski (2012),
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estabelece três categorias de práticas intermidiáticas:
transposição, combinação de mídias e
referências midiáticas
:
“(1) Transposição intermidiática: “Intermidialidade no sentido mais restrito de transposição
midiática (por exemplo, adaptações cinematográficas e romantizações). [...]
(2) Combinação de mídias: “Intermidialidade no sentido mais restrito
de combinação de mídias, que abrange fenômenos como ópera, filme,
teatro, performance, manuscritos com iluminuras, instalações em
computador ou de arte sonora, quadrinhos etc. [...] A qualidade
intermidiática dessa categoria é determinada pela constelação
midiática que constitui determinado produto de mídia. [...]
(3) Referências intermidiáticas: "intermidialidade no sentido, por
exemplo, de referência, em um texto literário, a um filme, através da
evocação ou da imitação de certas técnicas cinematográficas [...]. As
referências intermidiáticas devem, então, ser compreendidas como
estratégias de constituição de sentido que contribuem para a
significação total do produto”
RAJEWSKY, 2012: 24-25.
A transposição de mídia diz respeito à “transformação de um determinado produto de mídia
(um texto, um filme, etc.) ou de seu substrato em outra mídia” (RAJEWSKY, 2012: 24). De
acordo com Elleström (2017: 184) Se o conteúdo de uma mídia é midiado uma segunda vez
(ou terceira ou quarta) por outro meio técnico, eu chamo a esse processo de transmidiação”.
O termo geral para a transmidiação de produtos de mídia é adaptação. A adaptação é, uma
espécie de transmidiação: uma mídia representa de novo, mas de forma diferente, algumas
características que foram representadas por outro tipo de mídia”. (ELLESTRÖM, 2017:
204)
A adaptação diz respeito à transferência de características de um tipo de mídia para outra, é o
que torna a adaptação parte dos estudos de transmidialidade e de uma área ainda mais ampla da
intermidialidade. A maioria das questões teóricas e práticas discutidas sob o título de
adaptação está, portanto, subordinada às questões da pesquisa em intermidialidade.
(ELLESTRÖM, 2017: 206)
A base transmidial das características mais elementares das mídias, consiste nas 04 (quatro)
modalidades: material, sensorial, espaçotemporal e semiótica.
“Um produto de mídia específico deve ser percebido através de pelo
menos um modo material (como, por exemplo, um objeto sólido ou não
sólido), pelo menos um modo sensorial (como, por exemplo, visual ou
auditivo, ou ambos), pelo menos um modo espaçotemporal (espacial ou
temporal, ou ambos), e pelo menos um modo semiótico (principalmente
icônico, indicial ou simbólico). Embora estejam longe de cobrir todos
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os recursos das mídias, essas quatro modalidades formam uma base
sobre a qual todas as mídias são construídas”.
ELLESTRÖM, 2017: 222.
De acordo com Elleström a dicotomia entre semelhanças e diferenças materiais, sensoriais,
espaçotemporais e semióticas entre a dia fonte e a mídia destino que permitem novas criações.
Assim, forma e conteúdo são potencialmente transferidos quando narrativas são transformadas
de um tipo de mídia para outra.
Em Uma Teoria da Adaptação (2006),Hutcheon voltada para o cinema, conceitua aquilo que
chama de “modos de engajamento’, ou seja, as três maneiras através das quais a obra se
relaciona com o fruidor: contar, mostrar, interagir.
“Assim, o modo contar’ abarca todas as linguagens artísticas
narrativas, preponderantemente verbais, sob a égide da literatura; o
modo ‘mostrar’ abrange as manifestações imagéticas, principalmente
visuais, como a pintura ou o cinema; e o modo ‘interagir’ engloba os
procedimentos artísticos que demandam uma participação ativa do
fruidor, como as instalações de arte contemporânea, o teatro
participativo, e, no horizonte ampliado dos estudos culturais, até os
videogames e parques temáticos. Em nenhum desses modos o fruidor é
passivo, mas neste último sua atuação ativa é mais marcante”.
HUTCHEON, 2006.
Hutcheon ainda aponta que adaptação é um fenômeno eminentemente transcultural, sem a
possibilidade de uma releitura neutra por parte do fruidor: O contexto pode modificar o sentido,
não importa onde ou quando”. (HUTCHEON, 2006: 147).
De acordo com os conhecimentos de Elleström (2017), o desenho de Juarez Machado como
mídia fonte e a animação desenvolvida como mídia destino, as características se assemelham e
se diferem nas modalidades sensorial, espaçotemporal e semiótica. No entanto, na mídia destino
são acrescidas a música, trilha sonora, audiodescrição, legenda, libras e a técnica de animação
híbrida 2D tradicional e cutout.
Aplicando os conhecimentos de Hutcheon (2006), mídia fonte e mídia destino, diferem-se na
categoria “contar” de engajamento pois se referem a narrativas diferentes, a mídia destino é
formada por uma junção de várias mídias fontes (tirinhas). Na categoria “mostrar” se diferem
pois se trata de mídias diferentes, uma desenho e a outra, animação. Na categoria interagir, a
mídia destino traz ainda uma perspectiva contemporânea nas reflexões do artista nos anos 1970.
A adaptação, no âmbito dos estudos sobre intermidialidade, refere-se ao processo de
transmidialidade, pelo qual elementos de uma mídia fonte são transferidos para uma mídia
destino. Esse processo envolve a adaptação criativa do conteúdo original, considerando as
especificidades e possibilidades de cada mídia, bem como suas semelhanças e diferenças. Tal
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prática evidencia a transformação contínua e a interação das linguagens artísticas, contribuindo
para o enriquecimento do cenário cultural e promovendo reflexão e debate acerca das múltiplas
formas de expressão.
Metodologia
Este estudo adotou uma abordagem qualitativa, combinando uma adaptação do método
projetual de Munari (2008) com pesquisa exploratória, entrevista com o artista e técnicas
híbridas de animação. O método de Munari foi adaptado para o contexto deste projeto, como
mostra a Figura 03.
Figura 03 - Adaptação do Método Munari (2008)
Fonte: Munari (2008: 66) adaptado pela autora.
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Técnicas de Animação
Nos anos 1930, os animadores da Walt Disney Animation Studios desenvolveram um conjunto
de regras para ajudar a sua equipe a produzir animações de modo mais eficiente. Logo, os 12
princípios da animação tornaram-se uma ferramenta essencial para animadores, designers e
artistas gráficos de todo o mundo. De acordo com Williams (2006), autor de “The
Animator’sSurvival Kit”, conhecida como a “bíblia” da animação, animar não se resume em
apenas criar a ilusão de movimento, mas cada personagem possui uma forma única de se
expressar e isso envolve os princípios da animação, que são as características-chave de como
os objetos se movem na vida real, com o objetivo de dar vida e emoção aos personagens
animados.
Segundo o estúdio de motion design MonkeyBusiness (2025, web.) a animação 2D tradicional
trata-se de um método onde se desenha, todos os frames que criam a sensação de movimento
ao olho humano. Assim, para cada segundo de animação são ilustradas 24 cenas. É um método
super trabalhoso e demorado, mas que entrega movimentos mais fluídos.
Por sua vez, a animação cutout ou animação de recortes, é um método que utiliza personagens,
objetos, elementos 2D em cenas recortadas ou com efeito de recorte. Pode ser produzida de
forma digital, utilizando softwares de edição ou de forma analógica com uma câmera e objetos
bidimensionais como papel, cartão ou tecido. Dessa forma, os personagens são articulados em
parte menores (cabeça, braços, pernas etc), para criar a ilusão de movimento. Assim, o cut-out
é um método que facilita e agiliza o trabalho, mas por outro lado, apresenta limitações
principalmente quando exige uma mudança de plano.
Nesta animação foram empregadas as técnicas de animação tradicional (frame-a-frame) e
cutout(recortes articulados), utilizando softwares como Adobe Photoshop, AfterEffects e
Premiere. A escolha híbrida reflete a sugestão de Juarez Machado por simplicidade e
minimalismo, inspirada em animações polonesas, em contraste com o estilo “perfeito” de Walt
Disney.
Recursos de Acessibilidade
Com o auxílio de especialistas na área, as seguintes ferramentas foram utilizadas:
Alto contraste:
Buscando melhorar a legibilidade, reduzir o cansaço visual
particularmente para pessoas com deficiência visual ou daltonismo;
Audiodescrição
: Buscando na narração o equilíbrio entre uma linguagem neutra,
assertiva e o cuidado poético
Legendas
: Para pessoas com dificuldades auditivas ou que não dominam a língua
original.
Libras
: Com a ajuda de um intérprete, animar Juarez Machado utilizando Libras, para
a comunicação entre pessoas surdas e com deficiência auditiva, e também para a
inclusão social, cultural e profissional dessas pessoas.
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Materiais Táteis
: Tornar a informação acessível a pessoas com deficiência visual,
permitindo-lhes aprender e compreender o nonsense através do tato. Utilizando uma
impressão 3D em alto relevo e texturas com alta fidelidade à obra original e a confecção
manual com materiais acessíveis como fio, cola, papel, pinça ou palito. Na figura 05, a
tirinha original foi usada como referência para o estudo e adaptação das principais linhas,
formas e características, presentes no desenho original de Juarez Machado.
Figura 05 - Tirinha tátil
Fonte: Machado (1994) adaptado pela autora (2025)
Resultados
A animação intitulada Nonsense de Juarez Machado, é uma obra audiovisual de 2 minutos que
integra várias tirinhas em uma narrativa. Inicia-se com um prato e um ovo, referência ao método
Munari e a capa do livro Nonsense (1984), seguido pela introdução do artista e sua
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autodescrição, apresenta uma sequência de cenas nonsenses. O storyboard e animatic
estruturaram a narrativa, que culmina com o artista despertando de um sonho, simbolizando a
fusão entre criação e criador.
A adaptação transmidiática preservou o humor nonsense de Juarez Machado, utilizando
técnicas híbridas para manter a simplicidade minimalista de suas tirinhas. O uso de preto e
branco, conforme preferência de Juarez Machado, e uma trilha sonora reminiscente de Júlio
Medaglia reforçam a estética original. Recursos de acessibilidade, como audiodescrição,
legenda, Libras, impressão 3D e confecção manual de tirinhas, foram implementados com
sucesso, validados por especialistas e testes preliminares com pessoas com deficiência visual e
auditiva.
A integração da acessibilidade estética trouxe desafios, como o baixo orçamento, a falta de
recurso humano especializado e o tempo limitado para a execução da animação, mas enriqueceu
a experiência, alinhando-se a reflexões contemporâneas sobre inclusão e diversidade. Esta obra
se destaca pelo foco em um artista específico e seu contexto histórico e a inclusão de recursos
acessíveis alinhadas às práticas do design inclusivo, permitindo que públicos com deficiências
visuais ou auditivas experimentem a obra significativamente.
Conclusão
O Nonsense de Juarez Machado é uma combinação única de humor, criatividade e crítica social,
expressa por meio de sua habilidade de transitar entre diferentes linguagens artísticas. Nessas
criações, o artista frequentemente retratava cenas do cotidiano de forma surreal, incorporando
elementos e situações inusitadas para gerar um efeito cômico, brincando com as convenções
sociais. Esse estilo é definido por uma abordagem lúdica e criativa, onde o absurdo não serve
apenas para entreter, mas também para provocar reflexões sobre a sociedade e o comportamento
humano, subvertendo a lógica convencional.
Este estudo demonstra que a animação digital pode preservar o legado nonsense de Juarez
Machado ao mesmo tempo em que promove acessibilidade e inclusão. A combinação de
técnicas híbridas e ferramentas de acessibilidade amplia o alcance da arte, conectando-a a
públicos diversos. A partir desta animação, outras pesquisas podem explorar a aplicação dessas
estratégias em outras obras, fortalecendo o papel da tecnologia na democratização da arte.
Futuramente, a expansão do projeto por meio de uma série de novas tirinhas animadas e
parcerias com instituições culturais poderá ter maior alcance educacional e social.
Referências bibliográficas
Diário Catarinense. (1989). [Edición impresa]. Florianópolis, p. 1.
Queila F. Madeira
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Queila F. Madeira
ANIMAÇÃO DIGITAL DOS DESENHOS HUMORÍSTICOS DE JUAREZ MACHADO: UMA
ABORDAGEM TRANSMIDIÁTICA E INCLUSIVA
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Queila Fernanda Madeira
madeiraqueila@gmail.com
Mestranda do Programa de Pós-Graduação - Mestrado Profissional em Artes (PPGArtes) - da
Universidade Estadual do Paraná (Unespar/ 2024), campus de Curitiba II/ Faculdade de Artes
do Paraná (FAP), vinculada à linha de pesquisa Modos de Conhecimento e Processos Criativos
em Artes. Possui graduação em Design de Animação Digital pela Universidade da Região de
Joinville (Univille/ 2019) e graduação em Artes Visuais pelo Centro Universitário Leonardo da
Vinci (Uniasselvi/ 2021). Atuou como mediadora cultural no Instituto Internacional Juarez
Machado (IIJM/ 2015) e na Fundação Cultural de Curitiba (FCC/ 2019). Participou de 5
exposições coletivas na Associação de Artistas Plásticos de Joinville (AAPLAJ). Em 2019,
realizou sua exposição individual "Espelho de nus" em Joinville - SC.