
Ruan Lucas Marciano
VIOLÊNCIA E NORMALIZAÇÃO: DISCURSO NA IMPRENSA GOIANA NA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO XIX (1838-1850)
Introdução
Na província de Goyaz
em meados do século XIX, às quartas e sábados o jornal Correio
Official de Goyaz destinava sua Typografia Provincial às notícias da sociedade goiana.
Criado em 1837, por José Rodrigues Jardim, O Correio Oficial de Goyaz foi idealizado como
um expressor oficial do Estado, de acordo com lei provincial do mesmo ano, e foi tutelado
pela Igreja durante sua primeira fase (1837-1852); portanto, o periódico foi o principal meio
de comunicação da província de Goyaz nesse período, se caracterizando pela divulgação
publicitária, mas essencialmente por apresentar decretos, fugas, julgamentos, prisões etc.
(Borges; Lima; 2008: 74). Ao analisá-lo é possível observar parte do contexto violento
durante o período imperial em Goyaz, principalmente se considerarmos as formas de
institucionalização dessa violência que se estende pelas múltiplas tensões sociais do período,
isto é, a criação moral do inimigo social – indígenas, vadios, prostitutas, escravizados, entre
outros.
Logo, essa pesquisa possui o intuito de pormenorizar essa temática que, de certa maneira, nos
possibilita analisar os pontos de expressão do Estado para a população quanto à violência. Por
outro ponto de vista, podemos observar que os dispositivos de controle social, que
objetivavam a retirada de sujeitos marginalizados do espaço público, são controlados pela
elite. Soma-se a isso o apoio nos discursos oficiais baseados nas leis provinciais e imperiais, o
acesso a cargos públicos pela mesma elite dirigente e o monopólio da imprensa (VIEIRA,
2016). Para tais debates, pretendo analisar documentos do supracitado jornal, com intuito de
apresentá-los às dinâmicas que circundam os espaços sociais e a violência estabelecida por
embates, resistências e repressões.
Ainda que pouco estudada diretamente, a violência pode ser observada em inúmeros trabalhos
sobre o século XIX. Um exemplo próximo da análise proposta é a pesquisa de Rabelo (2010),
de título A Normatização dos Comportamentos na Cidade de Goiás (1822-1889), que expõe
os principais traços de controle institucional estabelecidos pela elite no século XIX, na cidade
capital da província de Goyaz. Em âmbito nacional, os apontamentos de Franco (1997) no
livro Homens Livres na Ordem Escravocrata nos aproximam de forma específica da violência
no século XIX, por dedicar parte de seu trabalho à temática. Utilizarei outros autores que não
citarei aqui, mas serão de suma importância para o debate que se estenderá a seguir.
Para Gonçalves (2006), as províncias foram divisões judiciárias e legislativas capazes de aprovar leis e
jurisprudências próprias de acordo com cada divisão provincial por meio de decretos, infere a autora: “o
chamado Ato adicional estabelecia, dentre outras coisas, a existência de assembleias legislativas em cada uma
das províncias com faculdade de aprovar leis, desde que não incorressem em matérias exclusivas (e, portanto, do
parlamento). Assim, doravante, cada província podia deliberar acerca de seu próprio orçamento, podendo dispor
dos recursos da maneira que considerassem mais adequadas e criando impostos para incrementar a arrecadação
[...] Outras atribuições também se tornaram específicas da esfera provincial, como a divisão civil, judiciária e
eclesiástica da província; a instrução pública; a força policial; as obras públicas, incluindo a estrutura viária da
província (estrada, navegação), as casas de socorro público e conventos; entre outros” (Gonçalves, 2006: 31-32).