Wilson Souza Gomes
A CULTURA BRASILEIRA: FERNANDO DE AZEVEDO
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A CULTURA BRASILEIRA: FERNANDO DE AZEVEDO
CULTURA BRASILEÑA: FERNANDO DE AZEVEDO
BRAZILIAN CULTURE: FERNANDO DE AZEVEDO
Wilson de Sousa Gomes
1
Universidade Estadual de Goiás
E-mail: berimbau2005@hotmail.com
Resumo
O artigo discute a obra A cultura brasileira (2010), do autor Fernando de Azevedo,
examinando a concepção de história elaborada pelo sociólogo no Brasil no início do século
XX. A metodologia adotada toma a interpretação bibliográfica e formativa do educador
brasileiro para a construção interpretativa. Tendo como fonte o livro citado, a concepção de
história apresentada nessa obra possibilita nos defrontar com a visão de Fernando de Azevedo
sobre os processos temporais constituidores da cultura brasileira.
Palavras-Chave: Fernando de Azevedo, Cultura Brasileira, História.
Resumen
El artículo discute la obra A Cultura Brasileira, del autor Fernando de Azevedo, examinando
la concepción de historia desarrollada por el sociólogo en Brasil a principios del siglo XX. La
metodología adoptada toma la interpretación bibliográfica e formativa del educador brasileño
para la construcción interpretativa de los procesos históricos. Con base en el libro
mencionado, la concepción de la historia presentada en este trabajo permite confrontar la
visión de Fernando de Azevedo sobre los procesos temporales que constituyen la cultura
brasileña.
Palabras Clave: Fernando de Azevedo, Cultura Brasileña, Historia.
1
Doutor em História Universidade Federal de Goiás UFG (2021). Mestre em História Pontifícia Universidade
Católica de Goiás PUC / GO (2015). Graduado em História Universidade Estadual de Goiás UEG (2005).
Docente de Ensino Superior na Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Jussara.
Wilson Souza Gomes
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Abstract
The article discusses the book A Cultura Brasileira (2010), by Fernando de Azevedo,
examining the conception of history developed by sociologist in Brazil at the beginning of the
20
th
century. The adopted methodology takes the bibliographical and formative interpretation
of the Brazilian educator for the interpretative construction. Based on the aforementioned
book, the conception of history presented in this work makes it possible to confront Fernando
de Azevedo´s vision of temporal processes that constitute Brazilian culture.
Keywords: Fernando de Azevedo, Brazilian Culture, History.
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INTRODUÇÃO
Esse artigo trabalha a obra A cultura brasileira e o sociólogo brasileiro Fernando de
Azevedo
2
. O autor foi professor, educador, crítico literário, ensaísta e sociólogo. Nasceu em
São Gonçalo do Sapucaí, no Estado de Minas Gerais, em 2 de abril de 1894, e faleceu em São
Paulo, capital, em 18 de setembro de 1974. Durante “cinco anos fez cursos especiais de letras
clássicas, língua e literatura grega e latina, de poética e retórica; e, em seguida, cursou
Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito de São Paulo”. Ensinou latim, psicologia
e literatura. Lecionou sociologia educacional no Instituto de Educação da Universidade de
São Paulo, onde foi catedrático do Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo
3
.
A obra do autor é regularmente acessada em estudos sobre a história da Educação, da
Sociologia, da Psicologia, das Letras e da Antropologia no Brasil, entre outras áreas do
conhecimento
4
. Nesse texto, procuro aproximá-lo do campo da história. Pretendo enfatizar o
modo como o autor realizou suas reconstruções do passado com vistas “a melhor
compreensão do presente” e a percepção do tempo (Pilette, 1994: 181 a 184).
Problematizando a forma como Fernando de Azevedo trabalha com o passado para descrever
a cultura brasileira do presente, buscou-se evidenciar sobre o tipo de história narrado n‟ A
cultura brasileira. Essa obra foi encomendada como introdução ao Censo. Como o sociólogo
não quis conduzir o recenseamento de 1940, a Comissão Censitária Nacional requisitou que o
mesmo escrevesse uma introdução.
O primeiro volume, [do livro:] A Cultura Brasileira, foi concebido e
escrito por Fernando de como uma introdução ao Recenseamento de
1940, numa espécie de troca por ter declinado do convite para presidir
a Comissão Censitária Nacional [de 1940]. O autor dividiu o livro em
três partes Os Fatores da Cultura, A Cultura e A Transmissão da
Cultura , nas quais pretendeu traçar, ainda que em esboço, um retrato
de corpo inteiro do Brasil, uma síntese ou um quadro de conjunto de
nossa cultura e civilização, conforme declara no prefácio. Objetivou
unificar os conhecimentos dispersos nos trabalhos de detalhe,
abandonar o que é secundário e acessório para fixar o essencial e
2
Este trabalho se constitui numa versão resumida da Tese de Doutorado intitulada Fernando de Azevedo e a
História a partir d´A Cultura Brasileira, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Goiás em 2021.
3
AZEVEDO, Fernando. Biografia. In: Academia Brasileira de Letras. Disponível em:
https://www.academia.org.br/academicos/fernando-de-azevedo/biografia
. Acesso em: 08 de agosto de 2022.
4
Para as áreas de conhecimento que tomam Fernando de Azevedo e suas obras como objeto: SILVA, José
Cláudio Sooma. Produção de e sobre Fernando de Azevedo. In: Fernando de Azevedo em releituras: sobre lutas
travadas, investigações realizadas e documentos guardados. 1ª ed. Jundiaí SP: Paco Editorial, 2020.
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indicar as grandes linhas do desenvolvimento, interessado [que
estava,] na interpretação do Brasil
5
Ultrapassando os objetivos pretendidos, a obra torna-se um texto descritivo sobre a cultura
brasileira. Desde a primeira publicação, o texto passou por 7 edições
6
. A edição utilizada
aqui, passou por revisão ortográfica, a organização das bibliografias para estar em acordo com
as normas da Editora. Além disso, o núcleo central do texto de 1943 está preservado. Em
outras palavras, mesmo após correções e atualizações, o modo como o autor compreende o
processo histórico foi preservado na última edição publicada em vida pelo autor. Esse fator
possibilita destacar a perspectiva histórica de Fernando de Azevedo com maior segurança. Em
resumo, na obra o autor se propõe a discutir a síntese ou um “quadro de conjunto”, que
refletiu situações temporais em uma realidade “fugidia, como é o Brasil” e, sobretudo, revelar
aos brasileiros e o “aos homens de outros países”, a vida “nacional” nos seus mais de
“quatrocentos anos de história” (Azevedo, 2010: 04 e 15). Se tomarmos a diversidade
histórica e cultural do país é perceptível que o autor se propôs um grande desafio
interpretativo/descritivo.
Nas mais de 900 páginas escritas, a experiência orientadora do passado revela uma concepção
de história próxima a uma filosofia da história e/ou uma história essencialista. Fernando de
Azevedo lidou com o tempo numa perspectiva evolucionista, destacando os elementos
significativos desse tipo de direcionamento temporal. É importante salientar que o autor n‟ A
cultura brasileira, condenou “qualquer preponderância do econômico sobre o político”.
Defendeu, “à necessidade de se recolher da melhor tradição filosófica e romântica”, o pleno
sentido humano. Se propondo a estar de “espírito aberto [e] acolhedor de orientações
distintas” e muitas vezes “contrastante”, não abriu mão de “visão global dos fenômenos
sociais” (Reale, 1984: 66 e 68). Mesmo assim, ao narrar eventos do passado nacional,
Fernando de Azevedo apresenta uma abordagem que remete a elementos essencialistas que
tinham no argumento da unidade cientifica e cultural, na continuidade e no destaque dos
gênios criativos a sua ênfase. Em outras palavras, como ele não podia dizer o que o mundo
essencialmente deveria ser, sua escrita sugere que a história da humanidade é movimentada
por atores e/ou produtores que alteram e movem o movimento do tempo. Seriam eles que
colocariam a realidade em movimento, promovendo mudanças, reformas, transformações etc.
5
Edusp Editora da Universidade de São Paulo. A Cultura Brasileira de Fernando de Azevedo (Coleção Os
Fundadores da USP). Disponível em:
https://www.edusp.com.br/detlivro.asp?id=411915
. Acesso em:
24/12/2018.
6
A 1º pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em 1943. A 2º edição pela Companhia Editora
Nacional em 1944; a edições foi publicada pela editora Melhoramentos em 1958. Essa foi a única que sofreu
alterações, as outras apenas correções e atualizações. A edição foi publicada pela Melhoramentos, em 1964; a
edição também pela editora Melhoramentos em 1971. a edição pela Editora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, no ano de 1996 (Toledo, 2000: 169). Para a discussão proposta, adotou-se a edição, lançada
pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) em 2010. Ela não sofre alterações. Basicamente reproduz a
5º edição, a última “em vida do autor”.
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Não faltam exemplos, na obra, de personalidades criadoras que oferecem sentido aos
indivíduos e as coisas do mundo
7
.
A CULTURA BRASILEIRA COMO EXPRESSÃO DE UMA PRESENÇA
INTELECTUAL
Apresentada a obra e autor em linhas gerais, o leitor d‟ A cultura brasileira, no prefácio,
encontrará o modo como se deve „ler‟ o livro e „ver‟ o e seu criador, estabelecido pelo próprio
autor. É interessante a forma como Fernando de Azevedo se apresenta. Em suas palavras, se
considera devoto do passado; sensível ao encanto que as idades antigas exercem, mas, atraído
pela ciência, a técnica e, sobretudo, o “desejo de contribuir” com amplas reformas que sejam
edificadoras do futuro. Nesse contexto, seu livro pretendia ser uma contribuição a inteligência
e a cultura brasileira (Azevedo, 2010: 12 e 13).
Fernando de Azevedo se mostra preocupado com a recepção da sua escrita. No texto deixa
nítido como quer ser visto e lido. Elemento corroborante com essa ideia, constantemente
registrada pelo autor, é de que sua participação no Recenseamento de 1940 fora indicação e
insistência realizada por intelectuais, autoridades nacionais e amigos. Em suas palavras, lhe
causou surpresa a “sua nomeação para Presidente da Comissão Censitária Nacional” nesse
período. Mas, em suas palavras, mesmo emocionado, contente com a indicação, recusa o
cargo e função. Embora se sentisse incomodado diante de tantos pedidos de amigos, ministros
e o próprio Getúlio Vargas não se vê em condições para atender o requerimento (Azevedo,
2010: 13). Esses elementos indicam o cuidado que tinha com o registro de sua rede de
amizades e interlocutores.
A descrição da recusa em assumir um cargo administrativo na Comissão Censitária Nacional
também é importante porque é diante de sua recusa, que lhes solicitam ao menos uma
colaboração de outra natureza. Que pelo menos escrevesse a Introdução ao Recenseamento
de 1940”. Fernando de Azevedo, afirma ter sugerido nomes, os mais ilustres, no entanto,
somente o seu era de interesse do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Em
seu movimento de aceitação observa então que “uma obra de tamanha responsabilidade e, a
tantos respeitos, penosa e difícil”, o exigiria muito. Assim, embora reconhecesse que a
empreita se configura como uma empresa tentadora, árida e sofrida, se rende aos pedidos.
Uma empreitada sedutora por um lado, árdua e trabalhosa por outro é assim que descreve o
trabalho realizado. Com base nisso, concorda em traçar “um retrato de corpo inteiro do
Brasil” em uma síntese, ou quadro de conjunto da cultura nacional (Azevedo, 2010: 14).
7
Essa reflexão leva em consideração BOURDÉ, Guy. As filosofias da história. In: As escolas históricas. Trad.
Fernando Scheibe. Belo Horizonte MG: Autêntica, 2018. (Coleção História e Historiografia). ARRAIS,
Cristiano Alencar. Arnold Toynbee (1889-1975). In: A constituição da História como ciência: de Ranke a
Braudel. Petrópolis RJ: Vozes, 2013. RÜSEN, Jörn. Razão histórica: fundamentos da ciência histórica.
Brasília: UNB, 2001.
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Descrevendo o trabalho que havia se comprometido a executar, num prazo de dois anos,
entende que o tempo era “exíguo demais para não encarar a empresa como uma aventura”.
Mas, em suas palavras, teve a felicidade de suportar o grande esforço e sem interromper
nenhuma de suas obrigações (Azevedo, 2010: 10 a 15). Não dúvidas da competência e
compromisso do autor com a cultura e educação, conforme registrado em diversas
pesquisas realizadas sobre o autor. Mas, o que chama a atenção é a forma de representar a
si enquanto estudiosos dos assuntos do Brasil e a indicação de como o leitor deveria „ler‟ sua
produção.
Em suas palavras, como a construção do livro exigia um gosto seguro, adquirido na longa e
íntima comunhão com os mestres, somente alguém de formação sólida conhecedor dos
clássicos gregos, romanos e modernos teria conhecimento para produzir esse desenho do
Brasil. Somente tendo conhecimento bastante profundo de todos os problemas, seria possível
ir direto ao essencial. Julgava Fernando de Azevedo, que sua experiência com o conhecimento
sociológico, lhe tornava capaz de superar os as armadilhas narrativas de não se render à
sedução dos trabalhos de detalhe e, assim, oferecer um retrato, um conjunto sintético da
cultura brasileira, no que considerada o mais importante e essencial (Azevedo, 2010: 15).
O autor se reconhece como possuidor das qualidades necessárias, de “linguagem simples e
sábia”, pensamento justo, conciso, elegante, sem perder a objetividade. Também, com as
qualidades encontradas num devoto do passado, que, sensível as aspirações das idades
antigas, não deixa esses elementos sobrepujar a atração pela ciência, pela técnica, pelo
moderno e o „desejo‟ de edificar o futuro (Azevedo, 2010: 15). Observa-se aqui a existência
de dois aspectos distintos, porém interligados. Existe o homem de ciência sociólogo e o
homem estudioso escritor, crítico literário. O trabalho é científico, mas o autor é envolvido,
formado e admirador das idades antigas. Aquelas que lhe fornece a visão de homem, da
natureza humana, do mundo. Entre as qualidades exigidas e as possuídas; vem à tona o modo
como o autor valoriza sua “sóbria eloquência”, seu vigor e “força comunicativa da emoção”, a
ação segura e objetiva. Fernando de Azevedo é ciente das fragilidades da obra, especialmente
no que concerne à complexidade de um recorte temporal e espacial tão amplo. Por isso,
trabalha em transcrever e demonstrar que há equilíbrio entre o conhecimento cientifico e a
convicções pessoais.
Quando Fernando de Azevedo se entrega a “aventura dos estudos brasileiros” e quer torná-lo
um vigoroso trabalho, “destinado a tornar o Brasil mais conhecido dos brasileiros” e “aos
homens de outros países”, atribui a sua obra a tarefa de dar consistência aos estudos humanos,
a trajetória cultural, histórica e social do ser brasileiro. Para Diogo Roiz (2020: 25), o
sociólogo brasileiro a história, ou melhor dizendo, atribui a história a tarefa de dar
consistência as humanidades. Como o autor entendia que a história, enquanto conhecimento,
por si só não atinge tal propósito, lhe atribui o status de auxiliar do conhecimento sociológico,
do seu conhecimento sociológico aplicado a leitura do Brasil.
Para Fernando de Azevedo, era a sua capacidade de síntese e de erudição, que permitiria a
intermediação entre os textos antigos e uma interpretação da história brasileira, bem como do
tempo presente. Em sua concepção, ao estudar a história obteria dos exemplos e experiências
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passadas, “a necessária lição” e conhecimentos básicos para compreensão do presente. Nesse
sentido, para conhecer o tempo presente, a história serviria de auxiliar na leitura do tempo e
da experiência humana. A „lição‟, se é que se pode dizer assim, sobre os homens no tempo e
com o tempo, em Fernando de Azevedo, é que eles, os homens, em seus variados tempos e
espaços, possuiriam a mesma natureza.
A forma de mudar a mentalidade, de desenvolvimento e evolução, passa pela capacidade de
criação e transmissão da cultura. Entretanto, esse tipo de filosofia da história de Fernando de
Azevedo, por mais que faça referência as histórias particulares, em última instância, pouco
importam. O que está em foco, é a natureza humana que, ao longo do tempo é mantida. Logo,
no que refere a história enquanto conhecimento, o passado e o presente são percebidos de
modo estático. Não que o autor desconsidere totalmente a fluidez do tempo, mas a
estabilização lhe permite a aproximação “segura”, ou, em suas palavras, com as constantes
para a pintura do país de corpo inteiro.
Tal perspectiva é retirada da obra: Experiências”, do historiador britânico Arnold Toynbee,
e, particularmente, no capítulo “Os outros assuntos”. Fernando de Azevedo argumenta que
“esse ensaísta, historiador e filósofo [...] era uma das leituras” de sua maior “predileção”. Que
era sempre um prazer acompanhá-lo nas suas lembranças, reconstituições históricas, análises
e previsões (Azevedo, 1970, apud Penna, 1987: 169-172). A aproximação com o historiador
inglês não é casual. Por um lado, em vista da tarefa extremamente complexa, nesse caso, a de
examinar a própria consciência de forma objetiva, acaba por se apoiar em uma concepção
subjetiva do passado nacional. Para Fernando de Azevedo, se “toda consciência humana é
mestre na arte de enganar-se a si mesma, vendo-se em uma luz demasiadamente favorável”,
os aspectos subjetivos podem ganhar mais força que os objetivos. Além disso, sua leitura
leitura predileta , demonstra consciencia da significação dada e construída na sua obra. E, ao
recorrer a Arnold Toynbee ([1970]), estava ciente de que, para ele, os fatos “são a matéria do
historiador”, mas apenas como indicativos.
Gosto dos fatos da história, mas não por eles mesmos. Gosto deles
como indícios de alguma coisa situada além deles, como indícios da
natureza e significação do misterioso universo no qual todo ser
humano desperta para a consciência.
Toynbee, [1970]: 104-142
Para Toynbee, os fatos históricos não dizem nada por si mesmos. É o intelectual que, ao
relacioná-los, encontra indícios que desvendam a natureza humana e os mistérios do universo
histórico. Na relação de desafio e resposta (Arrais, 2013), vão surgindo as civilizações, povos
e nações. A partir disso, Fernando de Azevedo toma a ideia de uma força, que algo, ou que
alguém, move as coisas do mundo. Pois, ao falar do seu encantamento com as épocas
passadas, se referindo aos gregos e romanos, maravilha-se com as novas civilizações que
surgem a partir das contribuições clássicas. Dos grandes feitos promovidos por homens que
mudaram a história. Em resumo, para o sociólogo, o processo histórico é resultado de
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mudanças e permanências, mas também, da ação individual de certos sujeitos, guerreiros,
líderes e outros.
Com esse pensamento, o autor defendia que não bastava construir uma história, seria preciso
edificar “uma imagem sistemática da história humana”. Partindo do princípio de que construir
uma história da cultura brasileira é uma proposta bastante ambiciosa, conforme as palavras do
próprio autor, A cultura brasileira veleja entre um misto de proposições historiográfica,
desejo enciclopédico e filosofia da história. Confiante em sua erudição e capacidade de
síntese, Fernando de Azevedo não apenas se aproxima de Arnold Toynbee, mas destaca uma
concepção de história atrelada as grandes forças. Marcos temporais que, conduzidos por
personalidades criadoras, como, artistas, guerreiros, intelectuais e outros, teriam o papel de
conduzir a história.
Com outras palavras, Fernando de Azevedo legitima o papel desempenhado pelas forças, essa
representada por indivíduos, nações, governos, intelectuais e outros, que fazem realmente a
história. As “personalidades criadoras continuam a surgir”, realizam sua antiga atribuição:
conquistar, criar, desenvolver ou mesmo, a responder aos desafios com uma resposta
vitoriosa” aos problemas lançados em cada tempo e espaço (Arrais, 2013: 264-265). O
educador e sociólogo, atribuía a história a função de “mestra da vida”, ou pelo menos, de
instruidora da vida ou para a vida. A ideia de uma maneira de viver, de um espelho, da lição
da vida. Essa é fixada quando o escritor trabalha a perspectiva de que, para se produzir um
conhecimento sobre os homens não se pode perder de vista a condição humana. Por mais que
os fatos históricos sejam importantes, ele os toma como indícios, para daí ver algo situado
além deles. Seja a força da natureza, da razão, das ideias, das instituições, as personalidades
criadoras, a ciência ou a cultura.
Como se pode observar, é esse tipo e compreensão que dirige a atenção desse intérprete da
cultura brasileira. Por mais que os tempos históricos sejam carregados de civilizações
diversas, sejam em seus fundamentos, finalidades, princípios ou convicções diversos, o
homem, a natureza humana permanece sempre a mesma na visão do pensador. Em seus
instintos, fraquezas, vaidades, egoísmo, “anseios de poder e de domínio de si mesmo e sobre
os outros”
8
. Dessa forma, nesse ir e vir é que o sociólogo brasileiro constrói sua obra. Logo,
Fernando de Azevedo pode ser entendido como alguém que elabora uma “síntese sobre o
nascimento, o crescimento”, mas não a decadência, e sim a necessidade de evolução da
cultura brasileira (Bourdé, 2018: 110). Se colocando na condição de intérprete das
interpretações, A cultura brasileira, é uma síntese que reúne os estudos monográficos em uma
visão de conjunto, em uma história geral.
Fernando de Azevedo afirmava não se contentar com visões parciais, fragmentadas, ou
mesmo reduzidas ao horizonte de sua especialidade; a especialidade historiadora por exemplo.
Preferia os grandes quadros e as visões de amplas. Tendo por base as explicações de Guy
8
AZEVEDO, Fernando. Carta a Anísio Spínola Teixeira. São Paulo, 27 de novembro de 1970. In: PENNA,
Maria Luiza. Fernando de Azevedo: Educação e transformação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987: 170 a 172
(1. Correspondência Transcrita).
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Bourdé (2018) e considerando que Fernando de Azevedo conhece e usa as proposições de
Arnold Toynbee, o que ele levava em conta não era o estudo específico, e sim, a visão de
conjunto. O intelectual preferia o “alto-mar”, a reflexão planetária. Queria, no que refere a sua
concepção de história, cavalgar pelos séculos e continentes, a fim de “pegar na armadilha o
espírito do universo inteiro” para apreender a natureza humana (Bourdé, 2018: 110 a 111).
Ao praticar uma história que se fundamenta sobretudo nos assuntos brasileiros e em um
conjunto de fontes secundárias, “usando, quando não abusando, do raciocínio por analogia”,
semelhança e comparação, persegue “a evolução das sociedades”, se interessa unicamente
pela unidade histórica mais ampla no espaço e mais longa no tempo, a saber, a cultura
ocidental (Bourdé, 2018: 110 a 112). Fernando de Azevedo quer ver, ou fazer ver a unidade
histórica e cultural da sociedade brasileira no movimento temporal do ocidente. Acreditava
que isso explicaria o passado, desvelaria o presente e ajudaria a pensar na superação dos
problemas para um futuro mais próspero e alinhado aos desafios da sociedade moderna.
Evidenciar o estado de harmonia, de proximidade dos homens e da sociedade por meio da
cultura, estabilizaria a natureza humana por um lado, de outro, daria o sentido de continuidade
a história nacional a partir de uma referência, a cultura europeia, ocidental e cristã. A chave
usada pelo autor possibilita os homens viverem como membros de uma mesma comunhão.
Assim, segundo o autor, o que faz o ser brasileiro é a sua cultura e os aspectos que a
condicionaram, que server de origem, ou inspiração. O que faz dele, o ser brasileiro, um ser
cultural é o seu passado, sua história particular ligada a uma história geral, nesse caso, a
ocidental, e os processos de transmissão (Azevedo, 2010).
Assim, nesse movimento de construção da obra e reconstrução do passado, em sua forma de
sintetizar a história brasileira, Fernando de Azevedo legitima e justifica sua escrita e forma de
abordagem não em um estudo específico das singularidades nacionais, mas com base no
movimento das grandes civilizações. A história nacional seria assim, um anexo da história dos
povos ocidentais. Nesse ponto, toca-se mais uma vez em um ponto que está em destaque n‟ A
cultura brasileira, é quanto seu autor direciona o olhar do leitor, ou pelo menos a forma como
o leitor deveria ler e entender o livro: a cultura brasileira é parte da cultura ocidental. Com
isso, Fernando de Azevedo pede aos leitores julgem o livro pelo seu valor essencial: o de
servir ao país e tornar a cultura brasileira mais conhecida dos brasileiros em uma “imagem tão
exata quanto possível de sua cultura”
9
.
A presença institucional
9
Justificando, se diz aliviado “de ambições”, acredita que a obra teve um “destino feliz”, seja pelas publicações,
traduções e outros, mas, sobretudo, pela acolhida que testemunha a apreciação, “a largueza do campo que se
abriu” e “à influência e penetração” entre os leitores, seja em âmbito nacional ou internacional (Azevedo, 2010:
15). Certamente, Fernando de Azevedo quando escrevia o prefácio da obra em 1955, mais de uma década depois
da produção e publicação do livro, se referia a um tipo de “reflexão sobre o fenômeno educacional [e cultural
que,] não pode ocorrer de forma isolada, mas articulada à configuração social que o condiciona”.
Wilson Souza Gomes
A CULTURA BRASILEIRA: FERNANDO DE AZEVEDO
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Importa ressaltar ainda na trajetória de Fernando Azevedo, a presença “extremamente forte e
duradoura na produção das Ciências Sociais no interior da Universidade de São Paulo/USP”.
Segundo Souza (2002: 01), a produção de Fernando de Azevedo terá influência em Antônio
Candido (1918 2017), Florestan Fernandes (1920 1995), Fernando Henrique Cardoso
(1931 - ) e outros, esses, segundo José Vieira de Souza (2002), serão representantes
expressivos da instalação e consolidação das Ciências Sociais na USP”.
Ao fazer parte de uma geração que estava construindo um pensamento nacional
institucionalizado e vinculado a Universidade de São Paulo - USP, o autor se encontrava entre
“os intelectuais desta primeira geração (1925-1940)”, que se revelavam “preocupados,
sobretudo, com o problema da identidade nacional e das instituições. Na sua perspectiva,
existia uma identidade nacional latente”, a grande questão era a forma de intervir na realidade.
Nesse sentido, a obra pode ser entendida como um momento edificante, que configura uma
“etapa em que as Ciências Sociais no Brasil já estão instaladas e podem ser percebidas não
como uma nova possibilidade de refletir sobre a realidade brasileira em mudança”, mas como
“um instrumento de intervenção nos rumos desta mudança” (Souza, 2002: 03).
Mais que apresentar retratos de corpo inteiro, a obra, na visão do autor, poderia ser a chance
de mudar a forma de entender o passado e mudar a realidade. Assim, ao invés de se ocupar
dos detalhes, seu trabalho visava uma „história universal‟, uma história geral da cultura
brasileira, pois, analisa e interpreta abarcando os fatores condicionadores e regentes do curso
dos acontecimentos que marcaram o passado e o presente. Uma filosofia da história dos
grandes feitos, das grandes coisas, das personalidades criadoras e condutoras dos destinos
(Collingwood, 1944: 09).
Apesar da proposição de um percurso histórico, o autor justifica sua escrita, que, embora
extensa, possui um caráter sintético. Ele afirma: talvez “não tenha conseguido dar do Brasil
senão um retrato sem retoques, inacabado em vários pontos, e, em outros, talvez inexato ou
infiel”. Porém, Fernando de Azevedo advoga que o leitor pode “facilmente imaginar os
problemas que levanta o planejamento de um livro destinado a receber, como numa tela, a
redução da imagem de um país” (Azevedo, 2010: 14 a 16).
Tendo o Brasil um vasto território, extrema variedade de paisagens geográficas, complexos
“quadros históricos - culturais, em que se fragmentou, como numa pluralidade de tipos e
graus a civilização importada pelos portugueses”. Entre as qualidades, facilidades e
dificuldade existentes, sua obra estaria entre uma produção monumental e superior aos
trabalhos de detalhe. Entretanto, o mais importante da obra na visão de seu construtor, é que
ela “cumpre seu destino”: serve ao país, torna - o bem mais compreendo e descreve a história
da cultura brasileira com uma imagem exata “desde suas origens até o estado atual” por volta
de 1940 (Azevedo, 2010: 15 e 18).
São importantes a sinceridade e as revelações pessoais acerca da origem da obra, bem como
os sentimentos do autor. Por outro lado, ainda fica invisível o que o livro representa. A
considerar que o protagonista/escritor da obra, „vai e volta‟ na construção, estruturação e
mesmo organização da obra, em suas palavras, para um “livro que me obriguei a escrever”,
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acaba por ter influência e presença na cultura intelectual do país. Aceitando a obrigação, o
dever, a sua produção uma perspectiva monumental, reconstrói e cobre toda a história do
país em um quadro de conjunto (Azevedo, 2010). Contudo, a reconstrução do processo
histórico contido na imagem da história brasileira, obedece a fins próprios, ou seja, apresentar
a cultura brasileira como a capaz de formação de uma nova cultura, correspondente ao
processo de transição por que passava a sociedade.
Fernando Azevedo era ligado ao grupo do periódico O Estado de São Paulo, e aos pioneiros
da Educação Nova. Como Fernando de Azevedo atuava em rias frentes, sua obra demarca
no tempo, „o dever‟ e o sentido que os grupos e as instituições a qual esteve ligado. O texto é
uma narrativa do passado histórico e, ao mesmo tempo, a defesa de que seria preciso educar o
Brasil para a cultura. Como numa espécie de revolução reformista, a reorganização da cultura
faria os brasileiros se libertarem. Para isso, em sua visão, a organização das reformas de
ensino e as preocupações políticas de reconstrução do ensino, que estiveram na esteira dos
seus trabalhos e ações, não podiam se perder com o tempo.
Como o processo de criação da Universidade de São Paulo, “expressa[va], em certo sentido,
sua vinculação com as elites, no sentido de ater-se ligada aos interesses de grupos
hegemônicos paulistas. Além da reivindicação dos intelectuais, as circunstâncias históricas de
São Paulo” na década de 1930, favoreceu surgimento dessa instituição. “Tendo sido derrotado
duas vezes (1930 e 1932) [nas eleições presidenciais], era preciso que o estado paulista fosse
capaz de conquistar, no campo intelectual e acadêmico, a hegemonia perdida no campo
político”. Fernando de Azevedo compartilhava da perspectiva de que “vencidos pelas armas,
sabíamos perfeitamente que pela ciência e pela perseverança no esforço voltaríamos a
exercer a hegemonia que durante longas décadas” (Souza, 2002: 04).
Sendo um contexto dinâmico e fluido para que as ações e feitos tivessem efeitos esperados,
tornava-se urgente e “profícua a construção de um novo setor de produção de grupos
dirigentes, por meio de uma intervenção direta sobre a formação cultural dos indivíduos, com
a criação” da universidade. Nesse “sentido, a Universidade de São Paulo (USP), criada em
1934, esteve articulada a um conjunto de iniciativas (de letrados vinculados ao movimento da
„Escola Nova‟ e de empresários liberais, em geral, proprietários de jornais e revistas de
circulação nacional), e foi uma das pioneiras, neste projeto político, institucional, cultural e
intelectual” de retomada hegemonia e atuação na formação dos indivíduos (Roiz, 2020: 36).
Como o autor estava vinculado a esses grupos e instituições, que se consideravam criadores,
ou pelo menos, propositores de um projeto de cultura capaz de formar, de reconstruir a nação
numa cultura elevada, desenvolvida, voltada ao progresso material e imaterial, de certa forma,
a obra representa a preservação de certos passados e explica certos feitos.
É compreensível que no contexto de perplexidade, hesitações, suspeitas e divergências da
década de 1930, que nasce a “ideia de confiar ao autor desta obra [A cultura brasileira,] a
incumbência de, como reformador e intérprete da nova corrente pedagógica [a Escola Nova]”,
consubstanciar ideias e opiniões. Seja “num manifesto”, nas reformas ou nas obras, “os novos
ideais” seriam assinalados. Assim, a defesa de uma cultura “urbana e industrial”, uma nova
política educacional e formação de uma elite intelectual, expressas na obra, objetiva romper
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A CULTURA BRASILEIRA: FERNANDO DE AZEVEDO
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com as tradições do passado. No intuito de “fortalecer os laços de solidariedade, manter os
ideais democráticos”, a criação “de universidades e de institutos de alta cultura”, correspondia
ao “desenvolvimento dos estudos desinteressados” e da pesquisa, mas da própria sociedade,
para que a mesma se adaptasse a vida e as transformações “sociais e econômicas, operadas
pelos inventos mecânicos” que passavam a governar as forças naturais (Azevedo, 2010: 722).
Fernando de Azevedo, “além de ter tido uma participação bastante ativa como um dos
fundadores” da Universidade de São Paulo - USP, exerceu papel essencial em várias frentes,
inclusive na “construção do espaço acadêmico da Sociologia nessa instituição. Ao ser o
“primeiro catedrático brasileiro da disciplina de Sociologia na Faculdade de Filosofia”,
também se responsabilizou na “contratação de notáveis intelectuais dessa área, como, por
exemplo, Antônio Cândido, Azis Simão e Florestan Fernandes”. Fernando de Azevedo na
USP, nos grupos e outras instituições, nesse processo, acaba por revelar sua crença de que por
meio da inteligência, do pensamento, das ideias, poderia alcançar vitória da democracia e
liberdade, “contra a força e a violência na sociedade” (Souza, 2002: 04).
No pensamento azevediano compreendemos um sentimento que ele toma da era clássica. Para
ele, a USP seria a primeira instituição possuidora de um “caudal de inquietação que os
homens possuem em face da natureza, da vida” e da sociedade. Em comparação, diz que,
“como a Academia Platônica, na Grécia e a Universidade, na Idade Média”, tem a convicção
“de que homens de responsabilidade cultural devem ser despertados” para a especulação, a
pesquisa, o método experimental e outros. Dito de outra forma, para “viver da verdade e de
sua investigação”, nessa lógica, elege um lugar de organização e produção de conhecimento
(Azevedo, 2010: 735).
Com essa perspectiva, Fernando de Azevedo dotado de uma crença platônica em que,
universidade conseguiria criar uma república de sábios, se assume como alguém que quer dar
significado institucional aos conhecimentos. Tal feito é “para elevá-los ao mais alto nível, de
coordenar as investigações, de promover os progressos das ciências, de difundir a cultura e
utilizar tudo isso em proveito da comunidade” (Azevedo, 2010: 734). Certamente a
universidade, o colegiado, o grupo e as instituições, são lugares que privilegiam seus pares.
Esses locais ou espaços de sociabilidade
10
, servem de lugar de publicação, construção e
divulgação de ideias e outros, mas, sobretudo, são espaços, “lugares de sociabilidade e
consagração de certos ritos, nomes, bens simbólicos”. Acrescentaria mais uma coisa: por
exemplo, a permanência de um certo tipo de história.
Nesse sentido, o tipo de história apresentado por Fernando de Azevedo n‟ A cultura
brasileira, esboça uma concepção que recai na função das elites criadoras de conduzir o
desenvolvimento da história. Basicamente sua obra assume a função de afetar a consciência
histórico-cultural. Não competia somente a USP, o “estudo científico dos grandes problemas
nacionais e mundiais, para difusão de ideias de vida”. Alguns indivíduos precisavam dar
formar e meios de expressão “orientador[es] do pensamento e das aspirações coletivas”
10
Sobre essa categoria ver: ROIZ, Diogo da Silva. O curso de geografia e história da FFCL/USP e a constituição
de um campo disciplinar em São Paulo (1934-1968) 1. ed. São Paulo: Alameda, 2020.
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vinculando ações e pensamentos a algo comum (Cardoso, 1982: 122). Sem entrar no mérito
das reformas e práticas dos grupos mencionados, o que compreende é fabricação de uma
imagem sobre a cultura brasileira onde certos atores, protagonistas e personalidades, que se
ocuparam da formação e identidade da sociedade brasileira são destacados, ou pelo menos
mencionados com maior ênfase.
Para efetivação da sua prática, Fernando de Azevedo, assim como os movimentos intelectuais
e políticos no Brasil, desde o século XIX, pelo menos, usavam de diversas armas para
construir suas tradições. Seja por meio de discursos, manifestos, obras e etc., em que
buscavam se diferenciar delineando certa originalidade teórica e interpretativa. Seja
construindo retrospectivas, em que saltam a forma de definir campos de atuação, ou
destacando a ação dos fundadores do movimento, da forma de construir uma obra e mesmo de
analisar uma categoria aqui penso na expressão cultura brasileira a preocupação central
nesse movimento, se situa em definir objetivos, uma identidade comum todos envolvidos na
renovação da cultura que amenizasse os choques e embates culturais.
A filosofia da história de Fernando de Azevedo, dá a história a função de testemunho, registro
dos grandes feitos, dos grandes homens. Servindo o leitor de exemplos, explica quais os fatos
e atores servem de mestre para a vida. Do entendimento que os homens, geralmente precisam
conhecer o seu passado para conhecer a si, é importante “que ele se conheça a si próprio, não
querendo dizer que ele conheça as suas particularidades meramente pessoais, aquilo que o
diferencia dos outros homens, mas sim a natureza de homem”, a natureza humana.
“Conhecer-se a si mesmo significa saber o que se pode fazer. E como ninguém sabe o que
pode fazer antes de tentar, a única indicação para aquilo que o homem pode fazer é aquilo que
se fez”. De certa forma, o valor da história está em ensinar o que os homens têm feito
através dos tempos, “deste modo, o que o homem é” (Collingwood, 1944: 22).
Com isso, “até a criação do curso de Geografia e História em Faculdades de Filosofia, a partir
da cada de 1930, o exercício do ofício de historiador foi praticado no Brasil, por aqueles
que se dedicavam ao estudo do passado e escreviam textos que, reconhecidas suas
especificidades”, se apresentavam como texto históricos que, “poderiam ser entendidos como
de história”. Não é por mera coincidência “que a maior parte de seus autores tivesse sido
composta por biógrafos, memorialistas e profissionais inicialmente formados nas áreas de
Letras, Direito, Sociologia, Engenharia e Medicina”. Se dedicam ao estudo da história
nacional, olhando o passado “mais como „cultores do ofício‟, do que como historiadores
profissionais” (Roiz, 2020: 36).
Como os textos não tinham propósitos exclusivamente acadêmicos, entendê-los como locus
da unidade, sintetiza, ou melhor, talvez traduza a interversão direta de Fernando de Azevedo
na formação cultural dos leitores. Seja por via da sua obra monumental, seja pela sua
participação na criação da Universidade ou participação em outros grupos, suas ações estavam
vinculadas a ideias, práticas e estratégia de atuação que articula iniciativas dos pioneiros da
Escola Nova, dos empresários liberais, dos proprietários de jornais e revista, num projeto
pioneiro de institucionalização intelectual e cultural do conhecimento. Sua obra evidencia a
cultura como algo inseparável da estrutura história nacional. Para atuar na vida espiritual da
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nação, Fernando de Azevedo oferece de modo exemplar a sua interpretação do real e de toda
história da cultura brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguindo esses apontamentos, a produção de Fernando de Azevedo segue critérios de
orientação e um tipo explicativo que reconstrói historicamente a formação da sociedade
brasileira. Recuperar o passado, avaliar o presente e preparar o futuro, tinha no autor em
questão, o significado de superação dos males de origem. Lidando com essas noções, o
trabalho buscou evidenciar a visão adotada em história pelo sociólogo e educador brasileiro.
Tal estudo fornece as marcas temporais elegidas como importantes e as representações
históricas mobilizadas pelo autor. O tipo de história construída elege marcos e personagens
que, na obra em questão, são os elementos constituidores do processo histórico nacional.
Motivado a explicar, e, sobretudo, descrever a cultura brasileira, Fernando de Azevedo tem
suas carências temporais resolvidas quando as perspectivas orientadoras da experiencia
passada, dão suporte para o seu pensamento e argumentação. Em outras palavras, entender a
realidade passada que se fazia influente no presente, constituía sua estratégia de propor um
modo de leitura do seu tempo, ou mesmo justificar ações e situações. É possível dizer que sua
ação objetivou compreender seu contexto por via de uma leitura histórica, mas, não sendo
obra de historiador, a interpretação oferecida do Brasil e dos brasileiros, reforçava os aspectos
identitários e de orientação existencial do grupo político e social a qual o autor pertenceu e
defendeu. Revelar o país se constituía como uma forma de dar e criar sentido ao mundo e a
vida, mas também aos propósitos e práticas defendidas pelo autor.
Fernando de Azevedo fora um homem que dedicou a vida ao conhecimento, a ciência, a
reforma educacional e a cultura. Ao defrontar com a obra: A cultura brasileira, um livro de
consulta obrigatória para quem deseja conhecer a evolução da cultura nacional, em todos os
seus aspectos”; são perceptíveis os critérios orientadores da produção da obra, que
ultrapassam o processo de composição dos eventos. Se interpretar é uma constante dos
homens, a obra: A cultura brasileira, enquanto descrição e explicação da cultura brasileira,
opera uma ação prática e teórica, que busca a consciência históricosociológica da vida
cultural de uma sociedade, nesse caso, a sociedade brasileira e paulista nas décadas de 1930 e
1940.
Não demérito nas lutas de Fernando de Azevedo pela educação no Brasil. Porém, importa
ressaltar que sua concepção de história se aproxima muito mais de uma síntese erudita,
mesclada com uma concepção essencialista e evolutiva do processo histórico que uma efetiva
historiografia brasileira. Assim, ao mesmo tempo em que sua síntese esconde o país, revela os
compromissos do autor. Tratou dos fatores da cultura brasileira com a ideia de que o caráter, a
identidade nacional, podem ser apreendidos quando apoiados nos fatores que os
condicionaram. Assim, o meio físico, o clima, a raça, o desenvolvimento técnico e
econômico, a evolução das formas de estrutura social e política que assumiu a sociedade
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A CULTURA BRASILEIRA: FERNANDO DE AZEVEDO
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brasileira e os fatores históricos, seriam os elementos condicionantes e geradores da cultura
brasileira. Para o autor esses fatores embora sofrendo modificações, carregam traços que
perpetuam na alma nacional, esses ficariam gravados desde o início das primeiras gerações,
por isso sua ideia da natureza humana permanece a mesma.
Logo, conhecer o passado seria condição para entender e compreender a si mesmo. A escolha
dos períodos, acontecimentos, eventos e outros, foram determinados pela subjetividade do
autor. O passado enquanto condição de explicação do presente, dá, na concepção do autor,
ordem aos processos temporais. O sociólogo em questão, usa da investigação sobre o tempo
passado como forma de aprendizado, mas também, de demarcação, de fixação de um tipo de
história, nesse caso: explicativa, descritiva e essencialista. Se esses processos constituem um
modo de conscientização identitária do indivíduo, no autor pesquisado, elementos que nos
ajudam a pensar a força orientativa da historiografia e a possibilidade de crítica (Barom e
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Wilson de Sousa Gomes
Docente da Universidade Estadual de Goiás. Estado de Goiás - Brasil
E-mail:
berimbau2005@hotmail.com
Doutor em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2021). Mestre em História
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC/GO (2015). Graduado em História
(Licenciatura) pela Universidade Estadual de Goiás Unidade de Jussara (2005). Graduação
(Licenciatura) em Pedagogia pela União Brasileira de Faculdades - UNIBF (2020).
Wilson Souza Gomes
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Especialização em História e Sociedade pelo Centro Universitário Montes Belos - UniMB
(2011). Docente de Teoria e Metodologia da História na Universidade Estadual de Goiás.
Possui atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão. Atua no campo da Teoria e Metodologia da
Pesquisa em História, da Historiografia Brasileira e Cultura Popular.