
Sabrina Costa Braga e Murilo Gonçalves
A MULTIDIRECIONALIDADE DA MEMÓRIA DO HOLOCAUSTO E DA DITADURA MILITAR
BRASILEIRA EM K. RELATO DE UMA BUSCA
romance, comédia, sátira ou tragédia
. Essas formas correspondem a uma percepção estética
do historiador e se ligam à presença de elementos literários na escrita da história. É dessa
maneira que White aponta para uma relatividade em toda a representação de um fenômeno
histórico. A relatividade se dá como função da linguagem (figure) e da pré-figuração (pre-
figure) utilizada pelo historiador em seu trabalho de fazer do passado um objeto passível de
explicação e compreensão.
O problema colocado por White em relação à tropologia e ao enredamento (emplotment) na
história ganha novo corpo quando associado ao estudo do Holocausto. A pergunta
fundamental dessas discussões é aquela acerca dos limites de representação
, ou seja, se
existiria algum limite sobre o tipo de história (story) que pode ser contado sobre um passado
traumático como o Holocausto. Estabelecer esses limites não pressupõe apenas uma escolha
historiográfica, mas também ética que se liga à problemática da relativização e até mesmo da
negação do próprio passado.
Para White, o Holocausto seria um exemplo do que ele chamou de evento modernista. O
Holocausto seria um evento modernista à medida em que se mostraria de tal forma anômalo e
inimaginável que os modos de representação realista e clássico teriam se mostrado
inadequados ao representá-lo. Dessa maneira, para White (1996: 21), o que esteve em questão
nunca foram os fatos (se a Shoah aconteceu ou não), mas os significados possíveis a partir dos
fatos, de forma que a questão não seria mais metodológica do que de representação.
A obra Maus é um dos exemplos usados por White (1992: 41) para criticar qualquer base
estabelecida a fim de julgar um relato como inaceitável. A HQ narra, apresentando os eventos
como uma sátira, uma história que não é uma história tradicional, mas representa eventos
reais do passado ou, pelo menos, eventos representados como tendo verdadeiramente
ocorrido. Daí decorre o incômodo de Spiegelman (1991) ao ter sua obra incluída na lista de
livros classificados como “ficção”, afinal, se por ficção se quer dizer que uma obra não é
factual, então isso poderia significar a desqualificação das memórias de seu pai nas quais ele
se baseou para escrever. Para LaCapra (1998: 146), a sugestão irônica de Spiegelman de que o
livro fosse categorizado como “não-ficção” explora o fato de a obra não ser inventada (made
up), embora seja obviamente criada (made) e modelada. Assim, em relação a Maus, é atestado
o seu estado híbrido, entre gêneros, sem de fato se resumir a qualquer um deles.
O Holocausto, portanto, não gera na historiografia apenas a necessidade de refletir sobre a
representação em termos de fazer escolhas narrativas éticas, mas também acerca de como
lidar e incorporar outras formas narrativas e outras modalidades de relacionamento com o
White identificou esses quatro modos de elaboração de enredo seguindo a teoria literária de Northrop Frye.
Ver: Frye, Northrop. (1957). The Anatomy of Criticism: Four Essays. Princeton: Princeton University Press.
Os impasses encontrados nas discussões sobre as (im)possibilidades de representação da Shoah deram origem
ao congresso The extermination of the jews and the limits of representation, realizado na UCLA (University of
California, Los Angeles) no ano de 1990. O congresso contou com a presença de renomados historiadores norte-
americanos e europeus e deu origem ao livro, de organização de Saul Friedländer, Probing the Limits of
Representation, lançado em 1992. Ao questionar a possibilidade de representar e historicizar a Shoah sem
desrespeitar o seu lugar histórico, Friedländer cunhou o conceito de evento limite em um contexto visto como de
emergência de prerrogativas colocadas como pós-modernas na historiografia.