Ao tratar de Cotrone, Sábato Magaldi aponta que “[...] se o espírito das personagens
representadas se incorpora aos fantoches, eles se movem e falam. Libertos das mutações dos
atores, os fantoches podem encenar o espírito das personagens e transmiti-lo sem falhas. Por
isso, estão um pouco acima dos atores”. (Magaldi, 2009: 33). É daí que surge a incompreensão
de Ilse e seus atores na vila. Para eles, é o ator que dá vida ao personagem, por isso a insistência
de Cotrone ao dizer que o “verdadeiro milagre” não está na representação, mas na magia do
poeta. É esse mundo de magia que importa a Pirandello, é nele que reside a essência da arte.
Apesar da longa explicação sobre os espíritos, ela é confusa para Ilse que, por sua vez, insiste
em perambular em busca de público para a sua fábula. A vila parece um mundo de loucos e um
universo sem sentidos. Diante disso, o mago sugere que a trupe encene a fábula aos gigantes da
montanha que, no dia seguinte, estarão em uma festa de casamento.
Os gigantes são os homens da técnica, da racionalidade, ligada aos grandes empreendimentos
do mundo contemporâneo: estradas, fábricas, represas, etc. Enfim, são os representantes do
mundo dos negócios, das ações, do dinheiro e da utilidade prática e da vida, muito diferentes
dos fantasmas que habitam a vila. Se os scalognati vivem de fantasias, vão além dos cinco
sentidos humanos e produzem cores, sons e quimeras, os gigantes são o oposto. Vivem da
materialidade, gostam de ser adulados, têm orgulho do dinheiro e acreditam que o valor de uma
obra se dá pelo que ela custa. Em meio a esses dois grupos, estão os atores da companhia da
condessa que acreditam que a representação teatral é capaz de tocar os homens, os gigantes da
montanha.
Ao final, os gigantes aceitam assistir à encenação de Ilse, se aborrecem facilmente, desejam
que ela cante e dance, mas ela insiste em declamar A fábula do filho trocado. Irritada com o
posicionamento do público, a atriz chama os espectadores de brutos que, nervosos, dilaceram o
corpo de Ilse. Dois atores da companhia tentam socorre-la e também são destroçados. Ao final,
o Conde chora e Cotrone compreende que o acontecido não tem culpados.
“Os pobres servos fanáticos pela vida [...] dilaceraram inocentemente,
como se fossem fantoches rebeldes, os servos fanáticos pela Arte, que
não sabem falar aos homens porque se excluíram da vida, mas não o
bastante para se contentar apenas com seus próprios sonhos; e que,
além disso, pretendem impor, aos que têm outras coisas a fazer, que
acreditem nesses sonhos”.
Pirandello, 2013:117-118.
Importa perceber que a intenção do dramaturgo é apontar a responsabilidade do destroçamento
de Ilse na relação entre os “fanáticos pela vida” e os “fanáticos pela arte”. Não há
comunicabilidade entre esses dois grupos, cada um fala para si, o que significa que a arte, como
sonho, criação e força, expressa pela vila de Cotrone, não encontra lugar no mundo moderno.
Sob a direção de Gabriel Villela ocorreu a montagem de Os gigantes da montanha ao longo de
2013. A composição cênica utiliza muitas cores, informações cênicas, máscaras e luzes