extrapolar o espaço, estávamos soltos pelo espaço, não se viam mais corpos nus, não se viam
corpos humanos, nos animalizamos soltos pela mata. Ficamos por um bom tempo sendo
jaguatiricas, cavalos, corujas, cobras. Nossos animais de poder nos preencheram e tomaram
conta. Nossas ancestralidades animalescas se fizeram presentes.
Após uma experiência tão intensa, o terceiro dia, quarta-feira, já com a roupa branca, destinada
a Oxalá, Oxalufã, Oxaguiã, Oxalá Funfun, nos colocou em contato com o vento, a energia
eólica, destinado a Iansã. Diferentemente dos dias anteriores, este ritual se deu logo pela manhã,
era começo de outono, fazia frio e ventava muito. Todo o elenco dispunha de lençóis brancos e
o ritual se deu ao ar livre. Diferente do ritual da terra, tudo era muito leve, fluíamos pelo espaço
em movimentos graciosos, mas precisos, transitávamos entre ser brisa e ventania.
Misturávamo-nos com os lençóis e imagens eram criadas a partir desta investigação pelo
espaço. Uma ritualística muito leve e de muita movimentação.
Chegamos à quinta-feira, era o quarto dia de ritual e muitas percepções já tinham sido afloradas,
sensações despertas, reflexões sobre ancestralidade e negritude estavam muito latente em
nossos corpos e mentes. Neste dia fomos para a beira do lago, estava mais frio que o dia anterior,
apesar do sol, o branco ainda era a roupa do dia e o horário era o da manhã. Este ritual era
destinado às yabás (Orixás de polaridade feminal), Yemanjá, Nanã, Oxum e também a Iansã
presente apesar te já ter sido trabalhada sua força no dia anterior. Talvez, pela sensibilidade que
vínhamos dos outros rituais, este dia foi o mais forte e impactante, ele inicia com atabaques,
como todos os outros que conduziram a sonoridade dos rituais, com a puxada de toque Ijexá,
mais lento, e fomos convidados a revisitar todas as mulheres mais importantes de nossas vidas
(mães, avós, tias, professoras, companheiras), todas as mulheres fortes que de algum modo nos
marcaram. O elenco foi tomado por uma forte emoção, a investigação em torno do lago se
tornou uma grande dança em contato com a água e com a lama e todo o feminino se fez presente
naquele momento.
Nossa última ritualização do início do processo, pois todo transcorrer dos ensaios e
apresentações sempre foram ritualizados, nos levou de volta a cidade. Era uma sexta-feira a
noite e cada ator e atriz teve seu momento individual e provocador com a direção. Aqui é
importante destacar que como cada artista teve sua própria ativação, cabe a mim falar apenas
da minha vivência. O meu momento se iniciou pela espera ao lado de fora da sala de ensaio,
mais uma vez a instauração pré-ritual trazia um frio na barriga muito grande. Minha ativação
se deu na percepção da minha sexualidade, do meu feminino e também de onde naquele
momento se encontrava o meu tesão. Eu estava em preparação para o sacerdócio de Umbanda
então minhas energias me levaram para uma entrega neste lugar. Muito forte, muito potente.
Ao final, um bate-papo com a diretora sobre todo processo dos rituais e sobre aquele último dia
que foi conduzido por música, dança, provocações sensuais e ancestralidade.
Algo que permeou todos os rituais foi a oralidade e o sentimento do novo e do desconhecido.
A ritualização da espera e do não saber o que iria acontecer e qual seria a condução, sem
anotações, sem roteiros prévios. Outro ponto muito forte e comum foi o momento da partilha
do alimento, comíamos com a mão todo final de ritual, comidas típicas de terreiro em um
momento de comunhão e muito axé e ancestralidade. Em um post do seu Instagram a atriz e
influencer Taís Araújo relaciona bem os aspectos tecnológicos que envolvem estes elementos