Renato Pereira Gomes
A ATUALIDADE E O CARÁTER ANTICOLONIAL DOS ISEBIANOS HISTÓRICOS
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A ATUALIDADE E O CARÁTER ANTICOLONIAL DOS ISEBIANOS HISTÓRICOS
EL CARÁCTER ACTUAL Y ANTICOLONIAL DE LOS ISEBIANOS HISTÓRICOS
THE CURRENT AND ANTI-COLONIAL CHARACTER OF THE HISTORICAL
ISEBIANS
Gomes, Renato P.
Universidade Federal de Goiás
renato.gomes@ifg.edu.br
Resumo
Este trabalho tem como intenção demonstrar como as ideias dos principais idealizadores do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) são dramaticamente atuais ainda hoje e de
como tais ideias guardam coerência com a tradição pós-colonial de intelectuais da época,
como Frantz Fanon, até os mais contemporâneos, como Aníbal Quijano, e de como todos eles
sofreram, direta ou indiretamente, influência do pensamento do sociólogo alemão Karl
Mannheim.
Palavras-chave: pensamento anticolonial, consciência crítica, autonomia, autenticidade,
desenvolvimento.
Resumen
Este trabajo pretende demostrar cómo las ideas de los principales creadores del Instituto
Superior de Estudios Brasileiros (ISEB) son dramáticamente actuales aún hoy y cómo tales
ideas son coherentes con la tradición poscolonial de los intelectuales de la época, como Frantz
Fanon, incluso los más contemporáneos, como Aníbal Quijano, y como todos ellos fueron,
directa o indirectamente, influenciados por el pensamiento del sociólogo alemán Karl
Mannheim.
Palabras clave: pensamiento anticolonial, conciencia crítica, autonomía, autenticidad,
desarrollo.
Renato Pereira Gomes
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Abstract
This paper aims to demonstrate how the ideas of the main creators of the Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB) are dramatically current even today and how such ideas are
consistent with the post-colonial tradition of the intellectuals of the time, such as Frantz
Fanon, including the more contemporaries, such as Aníbal Quijano, and how all of them were,
directly or indirectly, influenced by the thought of the German sociologist Karl Mannheim.
Keywords: anti-colonial thought, critical awareness, autonomy, authenticity, development.
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Depois de vários intercursos de grupos e instituições anteriores, o Iseb materializa-se
institucionalmente no governo Juscelino Kubitschek em 1955 e dura até 1964, quando é
dissolvido oficialmente pela ditadura militar. Apesar das graves dissidências internas no
decorrer de sua existência, o Iseb manteve uma inabalável coerência norteadora durante todo
o período de atividade e é sobre ela que seus membros orbitaram e é também sobre ela que
extrairemos toda nossa base argumentativa a ser desenvolvida neste artigo, qual seja: o
desenvolvimento nacional brasileiro enquanto ideologia propulsora de nossa real
independência colonial.
Projeto, Desenvolvimento e Nação são as categorias de que vão decorrer os elementos que
permitem a congruência entre a tradição pós-colonial e os isebianos históricos, bem como sua
referida atualidade: autonomia, autenticidade e consciência crítica
1
. Esses três componentes
juntos querem dizer apenas uma única coisa: para um Estado tornar-se uma Nação plena, livre
e independente, é incontornável a necessidade de tal país voltar-se para si mesmo, para os
seus próprios dilemas internos e caminhar coeso em busca de seu desenvolvimento
econômico e social. Ocorre que em países colonizados e mesmo formalmente
independentes, a influência da antiga metrópole e seus colonizadores permanece entranhada
na sociedade, gravitando sobre eles toda a orientação de sua suposta identidade nacional. É
contra essa identidade falseada voltada para o externo, para o outro, que se batem a autonomia
política, a autenticidade nacional e a consciência crítica das massas, e o sobre elas que as
intelligentsias desses países colonizados comprometidas com sua real independência tentam
organizar seus correspondentes processos emancipatórios.
“Uma intelligentsia exprime, no plano das ideias e de propostas que
ainda buscam se impor por intermédio da persuasão, um projeto de
mudança social, contestatório da ordem vigente e de seus imediatos
suportes sociais e representativo de forças emergentes. O Iseb foi uma
intelligentsia contestatória do Brasil primário-exportador e
representativo de uma coligação de setores progressistas, orientados
para o desenvolvimento econômico-social e afirmação autonomizante
do nacionalismo”.
Jaguaribe, 1978: 257
Os isebianos históricos cujas ideias serão analisadas são Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos e
Álvaro Vieira Pinto. Suas ideias e papéis desempenhados dentro do Iseb são capazes de
validar o propósito do instituto como um todo bem como dar justificativa à inferência aqui
proposta de linkar tais ideias à tradição pós-colonial latino-americana mais celebrada
atualmente (neste caso, Fanon e Quijano). Em busca de alcançar a autonomia autenticamente
brasileira, permitindo assim nosso pleno desenvolvimento nacional, cada intelectual ficou à
frente, dentro do Iseb, dos departamentos de política e economia, sociologia e filosofia,
1
Em um Discurso sobre o colonialismo, Aimé Césaire julga o que chama a „hipocrisia‟ da civilização
ocidental, na justificação de sua tarefa colonizadora. O autor a como aventura e pirataria, dissimulada em
evangelização e obra filantrópica. (Guerreiro Ramos, 1958/1996: 49-50)
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respectivamente. Assim, o pensamento de Jaguaribe
2
se concentrou em construir alternativas
econômicas e políticas para atingirmos nosso desenvolvimento e ele passava por provar que a
industrialização era o único caminho possível. Agora a preocupação de Guerreiro Ramos
3
foi
a de mostrar como a sociologia em vigor no Brasil de então era uma sociologia copiada de
fora e que por isso a disciplina aplicada dessa maneira, sem um filtro que entendesse os
problemas sociais particulares ao Brasil, mais fazia desorientar do que encontrar soluções. Já
Álvaro Vieira Pinto
4
se empenhou em organizar condições para que a consciência crítica
despertasse organicamente nas massas populares brasileiras porque, segundo o autor, sem a
participação em massa da população em busca de se alcançar o desenvolvimento nacional ele
jamais aconteceria, e para que esse despertar da consciência coletiva autêntica se
concretizasse, ele deveria surgir individualmente de dentro para fora, ou seja, ele é
dependente de um engajamento voluntário e consciente do indivíduo.
A indissociável inter-relação entre a existência social e os produtos do pensamento
coletivo
Mas antes de pormenorizar o debate em si, convém apresentar muito
telegraficamente o pensamento do sociólogo Karl Mannheim no que diz respeito à sua
concepção sobre como ele percebe a necessidade de praticar uma sociologia do conhecimento
efetiva capaz de demonstrar que o conhecimento verdadeiramente possível depende de uma
determinação situacional, relacional e de como a teoria da base cambiante de pensamento flui
e reflui na existência social, mostrando o porquê das teses do autor influenciou uma leva de
intelectuais mundo à fora, isebianos inclusos.
“É necessário levantar a questão de se podemos imaginar o conceito
de conhecer sem levar em consideração o complexo total de traços
pelo qual o homem se caracteriza, e de como, sem tais pressupostos,
não poderíamos sequer pensar neste conceito, para não falar na
realização efetiva de tal ato”.
Mannheim, 1929/1972: 317.
Para Mannheim (1972: 288-291), enquanto teoria, a sociologia do conhecimento busca
analisar como as relações sociais influenciam o pensamento, ou seja, ela é uma teoria da
determinação do pensamento efetivo, das inter-relações entre o pensamento e a ação, pois,
para o autor, não se pode compreender corretamente o conhecimento e o pensamento
desconsiderando suas conexões com a existência social concreta da vida humana, isto é, os
2
O nacionalismo não é imposição de nossas peculiaridades, nem simples expressão de características
nacionais. É o contrário, um meio para atingir um fim: o desenvolvimento”. (Jaguaribe, 1958/2013: 69)
3
A exigência do desenvolvimento exprime o projeto coletivo de uma personalidade histórica a pretensão do
país de assenhorear-se de sua realidade, de determinar-se a si próprio”. (Guerreiro Ramos, 1958/1996: 67)
4
É à medida que a consciência do povo se vai esclarecendo em número crescente de indivíduos, que se
manifesta de forma nítida a realidade social”. (Vieira Pinto, 1960: 34)
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processos sociais condicionam inevitavelmente a direção do desenvolvimento do
conhecimento. A competição por exemplo, além da influência sobre a atividade econômica ou
política, também afeta o desenvolvimento do conhecimento na medida em que ela fornece a
força motriz de várias interpretações do mundo que se manifestam como expressões
intelectuais de grupos sociais heterogêneos em disputa pelo poder. Assim, uma vez que estes
fundamentos sociais emergem e tornam-se reconhecíveis, compreendemos que pensamentos e
ideias não resultam da inspiração isolada de grandes gênios, pois existem muitas tendências
de pensamento simultâneas e mutuamente contraditórias em disputa lutando entre si, e não
apenas uma única tendência exclusiva e homogênea a ser apreciada. Portanto, a chave desses
conflitos não está no pensamento ou ideia em si, mas nas várias e diversas expectativas,
propósitos e impulsos que surgem da experiência social.
Quando um jovem camponês migra para a cidade e gradativamente passa a se adaptar ao novo
estilo de vida, o modo rural de viver e pensar deixa de ser algo tomado como dado, assumindo
para si uma perspectiva desvinculada da sua perspectiva original (rural), isso porque para
quem está de fora de um certo grupo enxerga como parcial o que para quem está dentro é tido
como absoluto. Este distanciamento faz com quem está de fora, a partir do momento que entra
em contato com outras perspectivas distintas, tome a posição do outro grupo a que pertencia
como condicionada. Isto evidencia, para o autor (Ibid, p. 304), que é da natureza de certas
afirmativas a impossibilidade de se as enunciar de modo absoluto, mas apenas em termos da
perspectiva de uma dada situação”. Mannheim classifica todo esse processo como
relacionismo.
Desse modo, a tarefa básica da sociologia do conhecimento é determinar os vários pontos de
vista que gradualmente surgiram na história do pensamento e que estão constantemente em
mudança. Isso implica uma concepção nítida da perspectiva de cada produto do pensamento e
a colocação desta mesma perspectiva identificada em relação com as correntes de pensamento
de que é parte, bem como em relação às forças sociais que as determinaram
5
.
Cada época tem seu ponto de vista característico e possui um modo particular de se ver um
dado objeto, bem como a maneira como esse pensamento (ponto de vista) foi construído, uma
vez que cada um desses modos na sua historicidade se torna possível em certas condições
históricas específicas e circunscritas. Para um conservador, liberdade significa o direito de
manter sua individualidade particular e íntima protegida. para um liberal, liberdade
significa que todos os homens possuem, sem distinção, os mesmos direitos fundamentais. No
fundo, para o grupo social (conservador) que não deseja mudanças na ordem das coisas e que
elas permaneçam como estão, se faz necessário desviar as questões referentes à liberdade do
campo político (externo) para a não-político (interno), isto é, o pensamento é dirigido de
acordo com as expectativas de um grupo social específico. Ou seja, entre os possíveis dados
da experiência, cada conceito incorpora apenas aqueles que sejam essenciais abranger e
dominar, pois não os conceitos divergem uns dos outros, as categorias básicas de
pensamento também
6
. Em suma: as condições de existência social não afetam somente a
5
Ibid: 304.
6
Ibid: 293-295.
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origem histórica das ideias, seu surgimento e determinações, elas constituem uma parte vital
dos produtos do pensamento.
Nunca é por acaso que uma certa teoria deixa, total ou
parcialmente, de se desenvolver para além de um determinado estágio
de relativa abstração e oferece resistência a que tendências
posteriores se tornem mais concretas, seja censurando está tendência,
ou a declarando irrelevante. [...] Em resumo: a abordagem de um
problema, o nível em que vem a ser formulado, o estágio de abstração
e o estágio de concretude que se espera atingir estão todos, e da
mesma maneira, ligados à existência social”.
Mannheim, 1972: 298-299.
Guerreiro Ramos talvez seja o mais mannheimeano de todos os isebianos históricos
7
. Sua
própria redução sociológica é uma atualização da sociologia do conhecimento de Mannheim,
uma vez que a redução sociológica é transposição de conhecimentos e de experiências de
uma perspectiva para outra” e a ideia de redução se encontra em antecedentes próximos do
que, atualmente, se chama de sociologia do conhecimento”. (Ramos, 1996: 58 e 93). Ou seja,
a atitude redutora enquanto instrumento metodológico de fundação da sociologia nacional.
Guerreiro queria para a sociologia um sentido prático que congregasse os avanços dela
enquanto disciplina bem como seu uso enquanto tecnologia social para a superação do atraso
brasileiro. Assim, para o autor, a sociologia deveria ter, a despeito da objetividade científica,
o caráter de uma ciência interpretativa e de promoção da autonomia da vida social nacional.
Para o sociólogo baiano, uma determinada situação ou conjuntura sócio histórica limita a
compreensão do cientista social que a investiga, posto que sua causalidade possui
determinações diversas e a redução sociológica nesse sentido é um ponto de vista que tem
consciência de ser limitado, assim, em seu sentido mais genérico, a redução consiste na
eliminação de tudo aquilo que perturba o esforço de compreensão e a obtenção do essencial
de um dado”. (1996: 71). Para ele (1996: 72-73), o mundo que conhecemos e em que agimos
é o campo em que os indivíduos e os objetos se encontram numa infinita e complicada trama
de referências, é por isso que, tal qual como Mannheim assevera, a perspectiva em que estão
os objetos em parte os constitui
8
. Portanto, se transferidos para outra perspectiva ou contexto,
deixam de ser exatamente o que eram. Não possibilidade de repetições na realidade
social. O sentido de um objeto jamais se desligado de um contexto determinado”. (Ibid:
7
É, todavia, na obra de Karl Mannheim que se encontram referências mais abundantes para a fundamentação
teórica da redução sociológica. Embora não usasse a expressão, e não tivesse ocupado em refletir sobre as suas
regras, Mannheim aplicou a redução sociológica no estudo de vários assuntos. É um dos raros sociólogos
contemporâneos que tiveram a preocupação sistemática de incorporar as ideias filosóficas atuais à sociologia,
sendo visível sua familiaridade com o pensamento fenomenológico e culturalista, ao qual se prende a redução
sociológica”. (Guerreiro Ramos, 1996: 99).
8
“Uma posição na estrutura social traz consigo a probabilidade de que aquele que a ocupa pense de um certo
modo”, portanto, “a determinação da particularidade de uma perspectiva torna-se um índice cultural e intelectual
da posição do grupo em questão”. (Mannheim, 1972: 306 e 314).
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73). Para o professor Fernando Filgueiras (2012: 351), é de acordo com esse ponto de vista
que para os isebianos importar formas de conhecimento exteriores à nossa cultura é reproduzir
uma condição subalterna e alienada que contraria a própria existência da sociedade brasileira.
Segundo ele,
“a redução sociológica é um movimento pós-colonial de busca de um
conhecimento existencial próprio que não nega os avanços da ciência,
mas não reproduz os termos hegemônicos de seu discurso, a redução
sociológica é, sobretudo, uma atitude consciente e crítica, cujo
conteúdo não é parcial, mas de reivindicação universal de
reconhecimento da própria existência.
Filgueiras, 2012: 351.
Ao contrário da posição hegemônica na sociologia brasileira do período, onde os estudos
empíricos particulares teriam primazia em uma análise mais generalizante da sociedade
brasileira, pois o todo seria composto a partir de partes escolhidas de maneira avulsa e
relativamente sem conexão entre si, para Guerreiro Ramos seria crucial entender as partes
como manifestações do todo, de modo que tais unidades não teriam autonomia independente
entre si uma vez que sua própria existência parcial denotaria a influência nelas do todo. Ou
seja, a dialética entre as partes em si e entre elas e o todo não avançaria se partissem do
particular ao geral, mas o contrário, de uma noção geral a priori ao particular, culminando
assim numa generalização mais bem elaborada, pois é a visão do todo que condiciona a
compreensão das partes. O fato social tem sentido se compreendido a partir do ponto de
vista total onde os elementos contidos em cada parte adquiririam coerência lógica quando
relacionados ao todo previamente concebido. Dessa forma a teoria global de uma sociedade é
o requisito prévio para a compreensão de suas partes
9
.
Isto posto, Ramos faz uma cisão da sociedade brasileira em 2: uma velha, ligada aos
compromissos e interesses do passado, e outra atual, ainda a ser construída. A velha sociedade
tem 5 pressupostos definidores: a dualidade, que se caracteriza por diferentes formas de
existência numa mesma realidade; a heteronomia, uma ausência de autoria e consequente
submissão a valores externos; alienação, abstenção de ver-se a si mesmo através das próprias
lentes, se moldando conforme uma imagem da qual não é o sujeito; amorfismo, carência de
uma forma determinada capaz de fornecer um sentido de “antecedentes e consequentes”; e
inautenticidade, existência social falsificada ou perdida em mera aparência, que não reflete o
próprio ser social a partir de si mesmo
10
.
Outrossim, se o nacionalismo visto desta perspectiva é a forma autêntica de vivenciar a
realidade brasileira e tal realidade é sempre dinâmica, relacional, histórica e em mudança
permanente, Guerreiro Ramos lança a questão: por qual tipo de transformação passa uma
sociedade colonial quando os membros dessa mesma sociedade dependente adquirem
9
Bariani, 2011: 65-67.
10
Op. cit.: 68.
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autoconsciência coletiva e passam a moverem-se pelo espírito da autodeterminação em busca
de uma autonomia crítica própria? Para o autor (1996: 46-47), como a autoconsciência
coletiva e a consciência crítica são produtos históricos, a mudança ocorre quando um grupo
social se sobrepõe às coisas, à natureza, alcançando o perfil de pessoa coletiva, tornando-se
mais independente da pressão dos costumes e assim percebendo com mais clareza os fatores
concretos que os determinaram enquanto grupo social. A consciência crítica surge quando
um ser humano ou um grupo social reflete sobre tais determinantes e se conduz diante deles
como sujeito”. (Ibid: 48). Contudo, essa consciência crítica fica impedida de se desenvolver
em sociedades colonizadas devido ao predomínio do ponto de vista europeu no inconsciente
coletivo dessas comunidades
11
, sendo necessário eliminar o mal cotidiano que nos causam
as terríveis armas culturais a serviço do ocupante”. (Diop, Cheik apud Guerreiro, 1996: 49).
adquire a possibilidade de autodeterminação o povo que,
libertando-se da motivação grosseira, dos misteres puramente
biológicos, transfere seus interesses para motivos cada vez mais
requintados. É a autodeterminação que leva uma população a
ascender do plano do existir acidental, da condição de objeto ou coisa
à condição de sujeito”.
Guerreiro, 1996: 64. Grifo nosso.
O eurocentrismo e a falsa homogeneidade histórica na interdição colonial da consciência
crítica autônoma
Como o entendimento sobre nossa condição subalterna derivada de nosso processo formativo
vinculado à colonização é o ponto de convergência que liga os isebianos históricos à tradição
pós-colonial de antes e de agora, cabe uma breve pausa para apresentar algumas teses do
sociólogo peruano Aníbal Quijano que se conectam com as ideias debatidas e com as que
ainda serão, posto que, dentre outros, o autor representa, na atualidade, o principal vértice da
questão anticolonial na América Latina. Portanto, em primeiro lugar, para Aníbal Quijano
(2009: 76), o poder é o campo de relações sociais de exploração/dominação/conflito
articuladas em função da disputa pelo controle de cinco meios da existência social: o trabalho;
os recursos de produção de matérias-primas; o sexo e a reprodução da espécie; a
subjetividade; e a autoridade e seus instrumentos coercitivos. Em sendo assim, cada um
desses meios que constituem o poder e cujo controle é disputado por grupos na existência
social, são sempre historicamente heterogêneos porque os elementos que os compõem o são.
Quer dizer, cada parte de um campo de relações que compõe o poder social (trabalho e seus
recursos, sexo, subjetividade e autoridade) é em si uma unidade total própria pois sua
configuração também é historicamente heterogênea, isto é, cada parte que compõe uma
11
O inconsciente coletivo não depende de uma herança cerebral: é a consequência do que eu chamaria de
imposição cultural irrefletida”. (Fanon, 1952/2008: 162).
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totalidade também é, em si, uma totalidade, pois sua configuração histórica também é
heterogênea e multifatorial
12
.
Isto significa que o poder como sendo a forma mais persistente de articulação da estrutura
social deve ser analisado como uma totalidade histórica heterogênea para que seja de fato
compreendido
13
. O emaranhado das relações sócio históricas no longo do tempo são não
diferentes, distintos e distantes entre si, mas descontínuos, incoerentes e conflituosos.
Entretanto, apesar dessa incongruência de experiências, produtos históricos descontínuos e
heterogêneos, e não obstante seus conflitos internos, tais componentes terminam por
articularem-se dinamicamente pelas estruturas sociais em transformação permanente. O
caráter heterogêneo e a questão da totalidade histórica para o sociólogo peruano significam
que apesar da particularidade histórica dos elementos que compõem uma totalidade (como as
relações de poder no capitalismo), que são o trabalho e seus recursos, o controle do sexo, da
subjetividade e da autoridade, giram conjuntamente em torno de um eixo comum que lhes dão
um sentido geral; isto é, malgrado possuírem histórias distintas e até de certo modo
independentes entre si, tanto o trabalho remunerado (ou não), o patriarcado (controle do
sexo), a racionalidade eurocêntrica (subjetividade), quanto o conceito de Estado-Nação
(autoridade), giram em torno do capitalismo global/colonial/moderno.
Cada elemento de uma totalidade histórica é uma particularidade e,
ao mesmo tempo, uma especificidade. Todos eles se movem dentro da
tendência geral do conjunto, mas tem ou podem ter uma autonomia
relativa e que pode ser, ou chegar a ser, eventualmente, conflituosa
com a do conjunto. [...] O que articula os elementos heterogêneos e
descontínuos numa estrutura histórico-social é um eixo comum,
através do qual tudo tende a mover-se geralmente de modo conjunto,
agindo assim como uma totalidade. Mas essa estrutura não é, nem
deve ser, fechada [...] em especial se se considerar que são
necessidades, desejos, intenções, opções, decisões e ações humanas as
que estão constantemente em jogo
14
.”
Ibid: 86. Grifo nosso.
Em segundo lugar, a partir de Mannheim e Guerreiro Ramos, vimos que o conhecimento não
pode exercer-se sem levar em conta as faculdades humanas avaliativas, sensitivas, emotivas e
imaginativas, pois tal ato esterilizaria o reconhecimento de todas as determinações naturais,
históricas e culturais dos seres humanos, isto é, sem colocar a subjetividade humana na
equação, todo conhecimento social fica interditado. Nesse sentido, a grande contribuição
oferecida por Quijano ao debate foi justamente a de que a partir da conquista da América, o
eurocentrismo produziu, em escala global, novas subjetividades bipolarmente hierárquicas a
12
Heterogêneo aqui quer significar uma ordem descoordenada, descontínua e de causalidades múltiplas, portanto
isoladamente sem coerência lógica, mas que, contudo, sob um eixo comum, acaba adquirindo um sentido geral.
13
De uma vez por todas, a realidade exige uma compreensão total”. (Fanon, 2008: 29)
14
As decisões humanas, dentro do quadro de possibilidades e tendências contidas em cada situação,
determinam os eventos”. (Jaguaribe, 1978: 259).
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partir de novas identidades sociais “naturalmente” criadas e aceitas: negros, mestiços, índios,
amarelos e oliváceos. Como resultado, daí adiante, a divisão internacional do trabalho
também pode ser entendida como uma divisão racial do trabalho, pois essa distribuição
racializada foi combinada com uma distribuição racista do trabalho e das formas de
exploração colonial. Cada forma de controle do trabalho esteve articulada com uma raça
particular. Consequentemente, o controle do trabalho podia ser ao mesmo tempo um controle
de um grupo específico de gente dominada”, ou seja, raça converteu-se no primeiro critério
fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na
estrutura de poder da nova sociedade”. (Quijano, 2005: 118 e 119).
Para Quijano (2005: 128), desde Descartes, o dualismo “corpo” e “não-corpo” foi convertido
em “razão” e corpo” na modernidade eurocêntrica, de modo que somente o europeu seria
capaz de possuir uma cognição racional, assim os não-europeus teriam apenas como
constituinte de sua identidade seu “corpo” vinculado à sua “natureza” humana, ou seja,
somente os europeus possuiriam racionalidade enquanto o resto do mundo teria para si
unicamente a natureza de seu corpo físico, o que justificaria sua dominação, uma vez que,
dessa maneira, não passariam de uma extensão da natureza a ser também dominada pelo
progresso capitalista. Três foram os principais mitos produto dessa engenharia sócio histórica:
1) uma evolução unilinear e unidirecional de um estado de natureza primitivo para um
civilizado representado exclusivamente pela Europa; 2) uma classificação racial da população
mundial onde apenas o homem branco europeu seria capaz de criar valores socioculturais
historicamente legítimos; 3) uma reorganização temporal em que somente o europeu é a
ponta-de-lança da História e todo o restante da população global está enclausurado
perenemente em um passado intransponível
15
. Em resumo: todo o mundo não-europeu é
primitivo, está preso num passado remoto e pertence a uma raça naturalmente inferior. Essa é
a genealogia ontológica da ausência em nós de autenticidade nacional, autonomia política e
consciência crítica, nos levando, em função disso, à interdição de circunstâncias capazes de
nos trazer autodeterminação e a condição de sujeito.
Nesta mesma direção, por sua vez, Hélio Jaguaribe (1958/2013: 41-42) afirma que, sem
condições e estímulos para uma maior integração que fizesse o país voltar-se para si mesmo
tendo a si próprio como objeto central, esta integração nacional débil e ineficiente deve nos
mover rumo a um nacionalismo que reivindique para o país uma posição de maior autonomia
política frente às grandes potências globais, e manifesta uma tomada de consciência sobre os
próprios interesses nacionais pelas massas populares, constituindo assim uma exigência de
respeito à nossa soberania. Por outro lado, aponta Jaguaribe (2013: 46), a consciência das
limitações do país e a frustação por ela causada gera um complexo de inferioridade que
esteriliza o sentimento nacional e reforça os ideais colonizadores, dessa forma, uma tomada
de consciência crítica, mas privada de sistemas de referências autênticos, leva o brasileiro
15
O homem não é um ente imutável, dotado de essência permanente. O homem é o seu processo de
humanização. Por seu turno, a história, longe de ser uma simples referência ao anterior e ao posterior, na
ordem puramente mecânica e autônoma da sucessividade, é um processo dialético que transforma as estruturas
sociais e o modo de ser do homem”. (Jaguaribe, 1958: 78-79).
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médio ao desprezo pelo próprio país, jogando-se, à revelia dos interesses nacionais próprios,
no colo dos interesses do colonizador, uma vez que a grande contradição do nacionalismo
brasileiro é o conflito entre as formas mais elementares e irracionais da mentalidade
nativista e a incorporação dos valores e critérios da cultura ocidental”. (Ibid: 56)
Tal antinomia valorativa se dá porque, embora apresentem características próprias, os
subdesenvolvimentos cultural e econômico condicionam-se reciprocamente, pois o
desenvolvimento econômico pressupõe, a priori, um desenvolvimento cultural autêntico e
autônomo, retroalimentando-se mutuamente no meio social.
O subdesenvolvimento cultural se caracteriza pela incapacidade de
conceber originalmente a própria situação, induzindo à
transplantação mecânica de categorias e métodos oriundos de
condições diversas e impróprios à compreensão das realidades para o
entendimento das quais são transplantados. Os países culturalmente
subdesenvolvidos parasitam, acriticamente, as culturas que em
relação a eles funcionam como metropolitanas, e por isso deformam a
visão de si mesmos, atuam de modo inconsistente e, marcados por
essa alienação original, jamais alcançam autenticidade”.
Jaguaribe, 1958: 57.
Tendo em consideração que toda ideologia é um projeto de organização da comunidade, as
ideologias autênticas o capazes de formular para a comunidade social como um todo
critérios e diretrizes que permitam o melhor aproveitamento de suas condições naturais em
função dos valores da civilização que integra. Contudo, como vimos, numa atitude irrefletida,
nem sempre as aspirações sociais de um determinado grupo correspondem a seus próprios
interesses. Quando essa incongruência se instala, os grupos mal orientados tendem a sofrer as
consequências da inadequada formulação de suas aspirações, tornando-se vítimas da própria
ideologia e perdendo assim a oportunidade de estruturar em função dessa mesma ideologia a
sociedade a qual pertencem, assim, é possível corrigir tal alienação mediante a
superação do colonialismo espiritual e o enfoque original da própria realidade, assumida
como tal, sem distorções e sem complexos”. (Jaguaribe, 1958/2013: 57. Grifo nosso).
De objeto colonial à sujeito nacional
Os efeitos psicossociais desta alienação e “colonização espiritual” geradora de neuroses e
complexos, mencionados por Jaguaribe, é o ponto nevrálgico da contribuição ao debate pós-
colonial desenvolvida pelo médico psiquiatra e revolucionário Frantz Fanon, que além de
estudar o tema, também foi objeto vivo da própria pesquisa, apresentada no seu visceral Pele
negra, máscaras brancas, de 1952, que aqui, muito sinteticamente, chamaremos a atenção.
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80
Para o autor, nas metrópoles europeias, o arquétipo dos valores humanos inferiores é
simbolizado pelo negro, isto é, seja concreta ou simbolicamente, o preto representa o lado
abominável e repulsivo da personalidade humana, e como o negro colonizado tem o mesmo
inconsciente coletivo do europeu, ele acaba por assimilar todos esses arquétipos externos
como sendo “genuinamente” seus. Ora, inconscientemente, desconfio do que em mim é
negro, isto é, da totalidade do meu ser”, assim, o preto aceita ser portador do pecado
original. Para este papel, o branco escolhe o negro, e o negro, que é branco, também escolhe
o negro. O negro antilhano é escravo desta imposição cultural. Após ter sido escravo do
branco, ele se auto-escraviza”. (Fanon, 1952/2008: 162).
Dentro desta lógica (e em detrimento de outras “funcionalidades” mais concretas do
moderno/capitalismo/colonial) o papel social forjado ao negro, na Europa, é o de bode
expiatório às máculas humanas. Na medida em que descubro em mim algo de insólito, de
repreensível, só tenho uma solução: livrar-me dele, atribuir sua paternidade ao outro. Assim,
ponho fim a um circuito tensional que poderia comprometer meu equilíbrio”. (Ibid: 161).
Todo indivíduo deve rejeitar suas instâncias inferiores, suas pulsões,
jogando-as nas costas de um gênio mau que será aquele da cultura à
qual pertence. Esta culpa coletiva é carregada por aquele que se
convencionou chamar de bode expiatório. Ora, o bode expiatório,
para a sociedade branca baseada em mito: progresso, civilização,
liberalismo, educação, luz, refinamento será precisamente a força
que se opõe à expansão, à vitória desses mitos. Essa força brutal,
opositora, é o preto que a fornece”.
Fanon, 2008: 164.
É devido a esse desmantelamento de sistemas de referência do mundo e subsequente
modalidades simbólicas de existência, que os negros das periferias ocidentais buscam
universalizarem-se como humanos, assumindo para isso os valores ocidentais modernos de
modo a (re)configurarem suas próprias identidades em torno deles. No entanto,
desastrosamente, a causa é sempre perdida, uma vez que mesmo tentando se encaixar onde
não cabe, a chaga de seu excesso de melanina permanece, e é sobre ela que recai todas as
impurezas da humanidade. Para o revolucionário psiquiatra, como o antilhano não se
considera negro, pois o preto vive na África, e ele, na extensão francesa fora da Europa, da
qual descende toda sua subjetividade, sua “colonização espiritual” se consolida de forma
inconsciente. Subjetivamente, intelectualmente, o antilhano se comporta como um branco.
Ora, ele é um preto. E perceberá quando estiver na Europa; e quando por alguém falar
de preto, ele saberá que está se referindo tanto a ele quanto ao senegalês”. (Fanon, 2008:
132).
O negro das ex-colônias francesas assume de tal modo a personalidade do branco europeu
como sua a ponto de não se ver mais como preto e tentar provar a sua brancura “com todas as
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forças de sua alma”, uma vez que o preto tem uma função: representar os sentimentos
inferiores, as más tendências, o lado escuro da alma. No inconsciente coletivo do homo
occidentalis, o preto, ou melhor, a cor negra, simboliza o mal, o pecado, a miséria, a morte,
a guerra, a fome”. (Ibid: 161. Grifo do autor). Assim, como todas as imoralidades mundanas
foram encapsuladas por ele próprio como sendo suas, por um mecanismo de defesa irrefletido
ele acaba aceitando sua condição de animalização como sendo verdadeira e, portanto, assume
as violências que sofre como naturais de serem sofridas. É porque o preto pertence a uma
“raça inferior” que ele tenta se parecer com a “raça superior”.
Ao fim e ao cabo, se a colonização espiritual de um indivíduo se estabelece nele
inconscientemente, a única solução para sua libertação é o despertar orgânico de sua
consciência crítica autônoma. É para esse sentido que a contribuição de Álvaro Vieira Pinto
(1960: 17-18) aponta, afinal, a gente é capaz de mudar aquilo que conhecemos, portanto,
conhecer a realidade presente é o primeiro passo rumo à descolonização da intersubjetividade
de um povo e condição sine qua non para elaboração de qualquer projeto futuro. Mas para se
conhecer o presente é necessário ter consciência dele e evoluir de uma protoconsciência à
compreensão clara de uma ideia, pois, para o autor, um homem que possui uma ideia é ao
mesmo tempo um homem possuído por essa mesma ideia, desse modo, tal ideia deixa a
abstração e passa a ser uma realidade social. O próprio da colônia é não possuir consciência
autêntica, é ser objeto do pensamento de outrem, é comportar-se como objeto. O representar-
se a si próprio como objeto, sabendo que tem em outro o seu sujeito, é a essência do ser
colonial”. (Vieira Pinto, 1960: 27).
Desta feita, para evolução do sentimento particular à representação conceitual coletiva, a
ideologia nacional deve ser uma filosofia do desenvolvimento no sentido de criação de uma
nova mentalidade nas massas pela educação, assim, para o intelectual isebiano, o processo de
desenvolvimento está ligado diretamente ao esclarecimento da consciência popular. É à
medida que a consciência do povo se vai esclarecendo em número crescente de indivíduos
que se manifesta de forma nítida a realidade social.
No entanto, é possível preparar uma ação construtiva se a subordinarmos a um estrito
critério de unidade, porém, mesmo se coordenada por um Estado coeso, tal ação sempre
exigirá participação de agentes voluntários, e sendo esses livres, seu consentimento não pode
ser previsto como certo, ou seja, precisa ser conquistado. Portanto, um projeto de
desenvolvimento nacional é um processo que exige unidade e a participação de agentes
voluntários, que, por sua vez, sendo livres, apenas agirão se consentirem voluntariamente, isto
é, a convergência desse processo se dará por uma decisão individual, e o que influencia tal
decisão é a ideia presente na consciência de cada indivíduo, que, por seu turno, depende do
grau de clareza dessa consciência. Dentro do grupo de indivíduos com alto grau de clareza de
consciência, a ideia presente necessariamente deve representar um Estado Nacional melhor e
mais desejável, assim o indivíduo passará a agir em função dessa ideia que agora o habita.
(Ibid: 24-25). Em suma: a ideologia do desenvolvimento tem de vir da consciência das
massas, isto é, sem ideologia do desenvolvimento não desenvolvimento nacional, sem
ideologia não há realidade coletiva.
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A esta altura sugeriria Frantz Fanon que a desalienação nasce da recusa em aceitar a
atualidade como definitiva; Jaguaribe, provavelmente, que o homem é livre e condicionado ao
mesmo tempo pela imaginação e circunstância; Guerreiro Ramos, por seu turno, que seria
necessário produzir, conforme as imposições do meio, o que nós importamos, sejam coisas ou
ideias; Mannheim, que o traço definidor da utopia não é a possibilidade dela se realizar,
mas a preservação rebelde de seu caráter opositor; Álvaro Vieira Pinto, que deveríamos parar
de nos ver através de uma lente que nos é alheia; e, finalmente, Quijano, que enfim é tempo
de deixar de ser o que não somos. Nenhum deles mais está entre nós, mas que suas ideias nos
transforme, oriente e mobilize. Avante!
Referências
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e Sociedade: revista de cultura política, Volume 01, n° 01, São Paulo, p. 65-74.
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Guerreiro Ramos, A. (1996). A redução sociológica (1958). 3ª. Edição. Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ.
Renato Pereira Gomes
É servidor técnico-administrativo do Instituto Federal de Goiás (IFG). Possui graduação em
Gestão em Turismo pelo IFG, bacharelado e mestrado em História pela Universidade Federal
de Goiás (UFG) e atualmente é doutorando em História também pela UFG.