
Renato Pereira Gomes
A ATUALIDADE E O CARÁTER ANTICOLONIAL DOS ISEBIANOS HISTÓRICOS
forças de sua alma”, uma vez que o preto tem uma função: “representar os sentimentos
inferiores, as más tendências, o lado escuro da alma. No inconsciente coletivo do homo
occidentalis, o preto, ou melhor, a cor negra, simboliza o mal, o pecado, a miséria, a morte,
a guerra, a fome”. (Ibid: 161. Grifo do autor). Assim, como todas as imoralidades mundanas
foram encapsuladas por ele próprio como sendo suas, por um mecanismo de defesa irrefletido
ele acaba aceitando sua condição de animalização como sendo verdadeira e, portanto, assume
as violências que sofre como naturais de serem sofridas. É porque o preto pertence a uma
“raça inferior” que ele tenta se parecer com a “raça superior”.
Ao fim e ao cabo, se a colonização espiritual de um indivíduo se estabelece nele
inconscientemente, a única solução para sua libertação é o despertar orgânico de sua
consciência crítica autônoma. É para esse sentido que a contribuição de Álvaro Vieira Pinto
(1960: 17-18) aponta, afinal, a gente só é capaz de mudar aquilo que conhecemos, portanto,
conhecer a realidade presente é o primeiro passo rumo à descolonização da intersubjetividade
de um povo e condição sine qua non para elaboração de qualquer projeto futuro. Mas para se
conhecer o presente é necessário ter consciência dele e evoluir de uma protoconsciência à
compreensão clara de uma ideia, pois, para o autor, um homem que possui uma ideia é ao
mesmo tempo um homem possuído por essa mesma ideia, desse modo, tal ideia deixa a
abstração e passa a ser uma realidade social. “O próprio da colônia é não possuir consciência
autêntica, é ser objeto do pensamento de outrem, é comportar-se como objeto. O representar-
se a si próprio como objeto, sabendo que tem em outro o seu sujeito, é a essência do ser
colonial”. (Vieira Pinto, 1960: 27).
Desta feita, para evolução do sentimento particular à representação conceitual coletiva, a
ideologia nacional deve ser uma filosofia do desenvolvimento no sentido de criação de uma
nova mentalidade nas massas pela educação, assim, para o intelectual isebiano, o processo de
desenvolvimento está ligado diretamente ao esclarecimento da consciência popular. É à
medida que a consciência do povo se vai esclarecendo em número crescente de indivíduos
que se manifesta de forma nítida a realidade social.
No entanto, só é possível preparar uma ação construtiva se a subordinarmos a um estrito
critério de unidade, porém, mesmo se coordenada por um Estado coeso, tal ação sempre
exigirá participação de agentes voluntários, e sendo esses livres, seu consentimento não pode
ser previsto como certo, ou seja, precisa ser conquistado. Portanto, um projeto de
desenvolvimento nacional é um processo que exige unidade e a participação de agentes
voluntários, que, por sua vez, sendo livres, apenas agirão se consentirem voluntariamente, isto
é, a convergência desse processo só se dará por uma decisão individual, e o que influencia tal
decisão é a ideia presente na consciência de cada indivíduo, que, por seu turno, depende do
grau de clareza dessa consciência. Dentro do grupo de indivíduos com alto grau de clareza de
consciência, a ideia presente necessariamente deve representar um Estado Nacional melhor e
mais desejável, só assim o indivíduo passará a agir em função dessa ideia que agora o habita.
(Ibid: 24-25). Em suma: a ideologia do desenvolvimento tem de vir da consciência das
massas, isto é, sem ideologia do desenvolvimento não há desenvolvimento nacional, sem
ideologia não há realidade coletiva.