Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
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O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA
TELENOVELA
EL BRASIL DE LA DICTADURA, LA TELEVISIÓN Y LA INVENCIÓN
DE LA TELENOVELA
BRAZIL OF DICTATORSHIP, TELEVISION AND THE INVENTION OF
THE SOAP OPERA
Roberto Abdala Junior
Professor da Faculdade de História
Universidade Federal de Goiás
roberto_abdala_junior@ufg.br
Resumo
O artigo aborda uma transformação cultural ocorrida durante a ditadura civil-militar brasileira
que, talvez devido ao contexto histórico, não recebeu a atenção devida nas pesquisas das
Ciências Sociais. Trata-se da emergência e consolidação da televisão como o mais importante
meio de comunicação da época e de um dos maiores fenômenos socioculturais da América
Latina, as telenovelas. O texto visa a lançar luz nova em diversas questões da época,
interrogando sobre o impacto sociocultural da novidade. Os focos de análise se voltaram,
então, para apreender a participação da televisão nas derrotas do partido da ditadura, a partir
das eleições de 1974; o papel da televisão, especialmente da TV Globo, na política e no
mercado - considerando que a empresa foi um exemplo paradigmático de sucesso -; e por fim,
o impacto da televisão sobre papel sociocultural dos intelectuais no Brasil.
Palavras-chave: Brasil, ditadura civil militar, televisão, teleficção.
Resumen
Este artículo aborda una transformación cultural ocurrida durante la dictadura cívico-militar
brasileña que, tal vez por el contexto histórico, no ha recibido la atención que merece en la
investigación en ciencias sociales. Se trata del surgimiento y consolidación de la televisión
como el medio de comunicación más importante de la época y de uno de los mayores
fenómenos socioculturales de América Latina, las telenovelas. El texto pretende arrojar nueva
luz sobre diversas cuestiones de la época, cuestionando el impacto sociocultural de la
novedad. El análisis se centra en la participación de la televisión en las derrotas del partido de
la dictadura, a partir de las elecciones de 1974; el papel de la televisión, especialmente de TV
Globo, en la política y en el mercado -considerando que la empresa era un ejemplo
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paradigmático de éxito-; y, por último, el impacto de la televisión en el papel sociocultural de
los intelectuales en Brasil.
Palabras clave: Brasil, dictadura militar, televisión, teleficción.
Abstract
The article addresses a cultural transformation that occurred during the Brazilian civil-military
dictatorship that, perhaps due to the historical context, did not receive due attention in Social
Sciences research. It is about the emergence and consolidation of television as the most
important means of communication at the time and one of the biggest sociocultural
phenomena in Latin America, soap operas. The text aims to shed new light on several issues
of the time, questioning the sociocultural impact of the novelty. The focus of analysis then
turned to understanding the participation of television in the defeats of the dictatorship party,
starting from the 1974 elections; the role of television, especially TV Globo, in politics and
the market - considering that the company was a paradigmatic example of success -; and
finally, the impact of television on the sociocultural role of intellectuals in Brazil.
Keywords: Brazil, civil military dictatorship, television, telefiction.
Apesar da ditadura da direita relativa hegemonia cultural da
esquerda no país. […] Em suma, nos santuários da cultura burguesa a
esquerda o tom. Esta anomalia que agora periclita, quando a
ditadura decretou penas pesadíssimas para a propaganda do socialismo
é o traço mais visível do panorama cultural brasileiro entre 64 e 69.
Roberto Schwarz 1978: 62. (Grifo do autor)
Introdução
A ditadura civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985 apresenta lacunas históricas
que somente puderam ser sanadas após seu fim e, muitas vezes, ainda hoje permanecem sem
solução. Trata-se de um fenômeno característico de todo regime autoritário que criam um
ambiente de medo e até pavor devido às práticas de opressão, censura, ameaças sistemáticas e
permanentes, suspensão de direitos, perseguições, quando não, execuções sumárias de críticos
e/ou adversários. A situação tem um efeito comprometedor que, obviamente, opera
silenciamentos que repercutem na produção da história acadêmica. Mas, talvez, o pior
desdobramento seja como essas lacunas são (ou podem ser) exploradas no futuro pelos
mesmos agentes que se beneficiaram durante a vigência do regime.
Nesses contextos, as práticas sociais mais prosaicas passam a ser submetidas a um escrutínio
rigoroso para evitar que possam servir às ações contra os cidadãos e/ou instituições e as
manifestações da cultura podem adquirir uma importância capital. Os elementos da cultura
abordados neste texto têm por foco aspectos que muitas vezes escapam às análises do período
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que, mesmo não tendo sido silenciados, tem pouco destaque nos estudos de época. Mas, a
presença incontornável que tiveram na cultura desde então, especialmente na cultura política
brasileira como a citação acima destaca exige um tratamento histórico mais detido.
No sentido de fazer uma contribuição às pesquisas de época, este estudo põe foco sobre um
elemento que tornou-se central na cultura brasileira na segunda metade do século passado: a
televisão. Afinal, não é possível desconsiderar um fenômeno que permaneceu presente e teve
papel decisivo na política durante a ditadura e cujos desdobramentos têm importância
estratégica na história do Brasil desde então.
1
Outro aspecto importante é o fato de que passou
a compor a cultura popular brasileira ou, como prefiro chamar, seguindo Williams (2003), a
cultura de todos, a cultura comum.
2
Analiso a emergência do fenômeno televisão na cultura brasileira, apresentando alguns de
seus desdobramentos, sobretudo na política. A investigação voltou-se também para alguns
aspectos pontuais da teleficção nos anos 1970, articulando o fenômeno “televisão” à cultura
comum, visando a apreender um dos papeis que a telenovela pode ter desempenhado então.
Confiro atenção especial à TV Globo, empresa que contou com apoio dos governos
ditatoriais, consolidou-se como a mais importante meio de comunicação do país e conquistou
uma posição destacada no mercado internacional de bens simbólicos (Ortiz, 1988).
Ao enfocar a cultura de todos no período mais sombrio da ditadura outro problema refere-se
aos recortes temporais, pois, essas dimensões históricas que ganham expressão na esfera
pública tendem a desobedecer aos crivos sociais impostos arbitrariamente. Buscando
contornar essa dificuldade, recorri aos eventos históricos mais relevantes para balizar rupturas
e continuidades dos processos do período, no interior dos quais as transformações culturais
emergiram, buscando atribuir-lhes um significado que nem sempre é evidente. Um
significado cujo sentido histórico preciso demanda que seja considerado no interior de uma
nova esfera pública dialógica
3
, na qual as mídias audiovisuais ganham mais centralidade, cuja
importância começa a se constituir no Brasil durante a ditadura.
4
1
Sobre o impacto comprovado da teleficção na vida política do Brasil nos anos1990, consultar Abdala
Junior (2021).
2
Os argumentos de autores como Bakhtin (2013), Burke (1989), Williams (2006) e Canclini (2006)
convergem para defender a noção de uma cultura circular, afastando-se de uma concepção que
separa a cultura popular e alta cultura. Os trabalhos de Bakhtin e Burke dão sustentação às teses
Williams e Canclini segundo às quais, na era moderna foi-se constituindo a separação,
arbitrariamente, como desdobramento do capitalismo no Ocidente e seus processos de distinção
social. Sob esse viés não se aplicam categorias como comunicação de massa, tampouco de
discursos concebidos como detendo significados imanentes. Todos os discursos ganhariam
significados somente em contextos históricos no interior dos quais é preciso identificar os agente
ideológicos envolvidos, bem como os discursos verbais e também os não-verbais que o compõem e
os diálogos estabelecidos entre todos esses elementos. Sobre a argumentação teórica do tema
consultar Bakhtin ([Volochinov] 2017).
3
A noção reconhece e amplia a concepção de participação da audiência na recepção dos discursos
que circulam na esfera pública. Uma noção de pública dialógica é ainda mais precisa se aplicada
`América Latina cuja baixo letramento, ampliada participação das mídias e as formas de resistência
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Seguindo este roteiro sumário, me ocuparei do período compreendido entre a decretação do
AI-5 (13/12/1968)
5
e o momento no qual aqueles agentes sociais que haviam apoiado o golpe
e o regime, deixam, não somente de oferecer base de sustentação político-institucional à
ditadura, como passam a criticar as ações de governo e, em muitos casos e progressivamente,
até a apoiar o fim da ditadura.
A ditadura e o esforço para silenciar a sociedade
Na primeira metade da década de 1970 o efeito devastador do aparato repressivo foi-se
tornando manifesto. Os governos ditatoriais, através de suas intervenções, galvanizaram
práticas políticas tradicionais e outras mais incipientes e legítimas foram (quase) esmagadas.
Além disso, criaram-se condições para a ascensão e consolidação do poder dos órgãos de
repressão política, cujos membros tornaram-se, virtualmente, os donos do país. O período da
ditadura fabricou também um hiato de quase porque não há ditadura capaz de silenciar todas
as formas de resistência de uma sociedade vinte e um anos nos processos sociais de
construção de uma cidadania de caráter mais popular, um processo que, historicamente, vinha
se consolidando desde a promulgação da última Constituição (1946).
As atividades culturais das três artes do espetáculo cinema, música e teatro de revistas
acadêmicas e debates travados em diversos espaços públicos, como escolas, universidades,
centros culturais etc. passaram a ser censuradas de forma ostensiva desde o Golpe de 1964.
Mas, ainda assim os observadores de época indicam que nesses espaços vicejou, até então,
uma cultura de esquerda como Schwarz na citação que abre este texto e que,
eventualmente, poderia ser compartilhada por segmentos da classe média. Por outro lado, essa
condição não pode ser estendida ao restante da população brasileira, nem mesmo é possível
considerar que uma correspondência entre as sociedades e culturas das capitais e das
cidades do interior do país, ou mesmo das zonas rurais.
Faltava à população, considerada genericamente, formação política e/ou escolar que
permitisse uma visão mais crítica sobre os processos históricos em curso no Brasil.
Sobretudo, faltava-lhe aquela cidadania a qual Carvalho se referiu em 1992
6
e que vinha
sendo engendrada pela sociedade, historicamente, até o golpe de 1964. O mais grave desse
processo é que os parcos vestígios de liberdade de expressão tolerados até 1968, foram
varridos do cenário cultural a partir do AI-5. Isso atingiu todas os setores da cultura,
alternativas da sociedade civil são historicamente distintas de outras sociedade. Sobre o debate
consultar Avritzer e Costa (2006) e Canclini (2006).
4
Sobre uma esfera pública dialógica, consultar Avritzer e Costa (2006).
5
“Ato Institucional- AI - era o nome dado aos decretos impostos à sociedade pela ditadura. Os AI‟s
não passavam pelo crivo do Congresso, sendo que o AI-5 (1968-1978) instaura a censura prévia,
confere aos governos centrais a possibilidade de suspender direitos políticos e cassar políticos
eleitos, entre outras medidas arbitrárias.
6
Jose Murilo de Carvalho (1992: 96) argumenta que a “cidadania foi uma construção lenta da própria
população, uma experiência vivida; tornou-se um sólido valor coletivo pelo qual se achava que valia a
pena viver, lutar e até mesmo morrer. ... Entre nós, as coisas não se deram dessa maneira.”.
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especialmente aqueles cujo público preferencial eram as esferas mais escolarizadas da
população segmentos de classe média urbana, sobretudo das capitais.
Os agentes mais ativos e/ou engajados da sociedade brasileira foram, pois, obrigados a buscar
outras maneiras de se estruturar e/ou inventar meios para expressarem sua vontade política.
As reivindicações de toda ordem que nasciam dos seio dos processos sociais tiveram que
encontrar formas alternativas àquelas que vinham sendo engendradas até então. O novo
contexto histórico, decorrente do golpe e da instauração da ditadura e o aprofundamento que o
seguiu com o AI-5 foi, progressivamente, levando-os a construir novas práticas sociais,
formular outras representações do mundo e de si mesmos, elaborando discursos, cada vez
mais precisos para forjar um novo espaço de ação política no cotidiano instituído pelas
restrições ditatoriais.
Seguindo Williams (2003), pode-se pensar as transformações da cultura como respostas às
ações da ditadura, visando a inventar e/ou apreender estratégias que pudessem escapar ao
crivo das imposições do estado ditatorial. Nesse sentido, é possível aproximá-las também à
concepção de Certeau de táticas cotidianas consideradas “vitórias do „fraco‟ sobre o mais
„forte‟” (Certeau, 2014), mas, nesse caso, vitórias que foram convertendo-se em práticas
sociais e, a seguir, conquistas políticas. Talvez seja possível então buscar alguns vestígios
destas estratégias elaboradas para fazerem frente à ditadura e suas formas de censura e a
truculência de sua ação.
Obedecendo às limitações que um estudo como este impõe, privilegiei alguns acontecimentos
nos quais é possível reconhecer o impacto das transformações em curso na cultura como um
desdobramento político. Alguns desses momentos podem ser considerados como chaves para
a compreensão dos processos históricos. O ano de 1974, em razão da vitória alcançada pelo
partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro MDB nas eleições gerais. Mais
adiante, o ano 1978, quando ocorreram as greves na região do ABC paulista, momento em
que, após a decretação do AI-5, os movimentos sociais rompem com o cerco repressivo da
ditadura e mostram sua força no cenário político, desafiando, coletiva e nacionalmente, o
Estado de Segurança Nacional.
A escalada da violência
Se as ações da repressão política de estado iniciaram em 31 de março de 1964, com o golpe
militar; o processo de escalada da violência estatal acontece a partir de 1968, com a
decretação do AI-5: uma situação de inflexão e recrudescimentos do processo ditatorial. Os
anos que se seguiram à decretação do AI-5 têm sido chamados de “anos de chumbo”, talvez
uma referência ao metal das balas que paravam os manifestantes e/ou os militantes da
esquerda, revolucionária ou não; ou ainda à cor cinza atribuída ao clima que se instaurou
então, ou a ambos. A escalada da violência que se seguiu à decretação do AI-5, tanto do lado
dos ditadores e seus órgãos de repressão, quanto da esquerda revolucionária, tem levado
muitos analistas a considerarem que uma deveu-se à outra.
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A interpretação que o processo resultou de uma dialética está, certamente, equivocada. A
segurança para afirmar que a ação armada respondeu ao recrudescimento da ditadura assenta-
se na convergência de opiniões do dois lados; uma vez que até mesmo gente da corporação e
do interior do poder na ditadura, como o Gal. Hugo Abreu (1979: 189) chegou a defender que
o a luta contra a subversão, muitas vezes conduzida com exagero, levou a uma
radicalização de posições e ajudou a alimentar o clima propício a uma ação terrorista sem
precedentes na História do Brasil.”
Historiadores e alguns agentes das forças armadas concordam, pois, em identificar a
radicalização da ditadura como causa da escalada da violência. O processo fez com que os
diversos órgãos de controle político-social que agiam de forma isolada, passassem a se
articular. Órgãos de inteligência como o Centro de Operações e Defesa Interna CODI e
seu braço executivo, os Destacamentos de Operações e Informações DOI (daí a sigla DOI-
CODI) dedicado a repressão às ações políticas passaram a agir juntamente com os órgão
estaduais; os Departamento de Ordem Política e Social DOPS/DEOPS e as Polícias
Estaduais passaram a se submeter ao Exército.
Todo esse reordenamento deu origem a um aparato estatal de efetiva perseguição ao “inimigo
interno” eufemismo que, a rigor, correspondia a qualquer brasileiro que se opusesse ao
regime e cujo mais conhecido órgão contou, inclusive, com apoio financeiro de empresários
nacionais e internacionais. Órgão, sediado inicialmente em São Paulo, que ficou conhecido
por Operação Bandeirantes OBAN (Alves,1984). A situação mais grave é que, exatamente
pelo tipo de atividade a que se dedicavam esses órgãos, não havia controle sobre suas ações,
seus membros e funções; condição que permitia o descalabro, o absurdo. Gaspari (2003),
Figueiredo (2005) e Guerra (2012) descrevem inúmeras ações envolvendo estes órgãos que,
vistos pelo viés atual, parecem saídos de um filme de terror, dado o alto nível de violência e
irracionalidade.
Os autores anteriormente citados relatam, inclusive, a invenção deliberada de informações
distorcidas sobre membros do Congresso e/ou do(s) governo(s), bem como a realização de
execuções sumárias, somente pela intenção destes órgão de mostrarem-se úteis aos ditadores
e/ou a seus auxiliares. Não se tem registro preciso dos inúmeros casos de “desaparecimentos”
outro eufemismo para se referir aos assassinatos e desaparecimentos dos corpos de
pessoas, envolvidas ou não, com a luta armada, especialmente destes últimos. Também não
são conhecidas todas as perseguições de caráter estritamente pessoal às quais muitos cidadãos
brasileiros foram submetidos. Se desconhecem ainda todos os processos e atos de torturas
que, não raro, descambavam para o assassinato (Figueiredo, 2005).
Ação da luta armada e seu apelo midiático
A ação da militância revolucionária também se fez presente. A mais espetacular das ações
perpetradas pelas organizações da esquerda revolucionária e que repercutiu de forma
inconteste sobre a ditadura foi, certamente, o sequestro do embaixador dos Estados Unidos,
Charles Burke Elbrick, no dia 4 de setembro de 1969. O primeiro de uma série de sequestros
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de embaixadores realizados no país por essas organizações, cuja finalidade era salvar os
companheiros da morte sob tortura, (Skidmore, 1988: 235), a ação que repercutiu de maneira
particular porque, segundo o brasilianista Skidmore,
a tática dos seqüestradores foi bem concebida para o curto prazo. Haviam feito prisioneiro
o embaixador do mais poderoso aliado do Brasil, cujo governo se via obrigado agora a fazer
aparentes concessões na área sensível para os militares: a guerra contra a esquerda armada.
[…] O manifesto revolucionário foi lido em todas as emissoras do país e os presos reunidos.
A 7 de setembro, dia da Independência, deixaram o Rio rumo ao México. […] O precedente
fora estabelecido: o governo brasileiro permutaria presos políticos por diplomatas
estrangeiros seqüestrados. [citando o jornal norte-americano, New York Times, de 7 e 10 de
setembro de 1969].” Skidmore, 1988: 206-207.
A repercussão do sequestro também atingia decisivamente a imagem que os governos
procuraram forjar e sustentar, sistemática e insistentemente ao longo dos anos de ditadura.
Não se pode esquecer o empenho dos ditadores e dos grupos que apoiavam o regime para
manter uma imagem pública de normalidade institucional e até de legalidade. Skidmore
deixou de observar, entretanto, alguns dos desdobramentos que a ação dos guerrilheiros
deflagrou. O sequestro deu, afinal, visibilidade à face violenta do Regime. A obrigação de
divulgar uma nota de desagravo e denúncia à ditadura exigida pelos membros da organização
tornou evidente para a opinião pública nacional e, certamente, também internacional que
vigorava uma ditadura atroz no Brasil. O áspero incômodo que isso provocou entre os
militares só pode ser aquilatado quando se visita as “memórias miliares”.
7
A divulgação das imagens dos presos políticos em péssimas condições de saúde, com as
marcas explícitas da violência que sofreram nos porões da ditadura, também expunha
publicamente o governo, seus membros e colaboradores. Atestava, não somente o caráter
autoritário do Regime, mas e principalmente, a prática sistemática da tortura sobre os presos
políticos, desmentindo as insistentes negativas de seus representantes oficiais sobre o assunto.
8
Ademais, a repercussão da operação envolvendo o sequestro do embaixador dos EUA e a
deportação de presos políticos representava uma estratégia midiática que dava notoriedade aos
opositores da ditadura no cenário político nacional e internacional.
Ainda é necessário reconhecer que o discurso dos revolucionários divulgado pelos meios de
comunicação, ao explicar e justificar suas ações, repercutiu, senão sobre o conjunto da
sociedade brasileira, pelo menos sobre os segmentos mais “esclarecidos”. Não se pode
esquecer que muitos brasileiros, graças ao papel que a imprensa cumpriu, consideravam os
guerrilheiros como “terroristas”, imagem que podiam, assim, senão reverter, pelos menos
7
Ao tratar das memórias militares estou me referindo ao Projeto ORVIL (1988), documento de
“história da luta armada no Brasil” produzido pelo Centro do Informações do Exército CIE durante
governo de José Sarney (1985/90). Também recorri às obras de entrevistas com membros das
Forças Armadas que compuseram alguns governos militares da ditadura de D'Araújo, Soares e
Castro (1994); Castro e D' „Araújo (2006) e ainda livro do Gal. Hugo Abreu (1979).
8
Conferir nas obras citadas, sobretudo no Projeto ORVIL (1988) e em Abreu (1979).
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colocar em dúvida por esses meios.
9
A esquerda revolucionária também pode denunciar as
torturas a que eram submetidos seus companheiros pelos meios de comunicação, evitou a
ação de censura do governo brasileiro que não podia enfrentar suas denúncias, cujas marcas
estavam explicitadas nas imagens de seus companheiros libertados dos porões da ditadura e
ainda divulgou pública e maciçamente seus ideais. Sobretudo, salvou alguns de seus
companheiros da tortura e, quem sabe, da morte.
O sequestro ocorreu em 1969, ou seja, em prazo inferior a um ano da decretação do AI-5,
quando houve aprofundamento e radicalização do Estado de Segurança Nacional e de seu
aparato repressivo. Assim, a esquerda revolucionária denunciava publicamente o caráter
ditatorial que os governos militares tentavam falsear. O impacto de um reconhecimento
público das reais condições políticas pelas quais o Brasil passava não deve ser menosprezado.
Pode-se atribuir a essas ações, parte de uma série de mudanças que ocorreram nos anos
seguintes, como a diminuição de recursos e a restrição ao apoio dispensado aos governos
brasileiros pelos governos dos EUA, especialmente a partir de 1975; bem como o crescimento
das críticas que a ditadura passaria a enfrentar no cenário internacional (Skidmore, 1988).
Após a derrocada da esquerda revolucionária (1973/74), os órgãos ligados à repressão e seus
membros passaram a representar uma força paralela, constituindo-se, ao longo do tempo,
numa permanente ameaça à sociedade, aos governantes, à ditadura e mesmo à corporação
(Gaspari, 2003; Figueiredo, 2005).
Censura: para não esquecer
Um “capítulo à parte” foi o exercício da censura durante a ditadura, afinal o “teatro, a
literatura, o cinema e a música são considerados importantes veiculadores da 'guerra
psicológica'.” (Alves, 1984: 214). Obviamente que antes do AI-5 a censura era uma prática e,
pior ainda, contava com uma legião de “simpatizantes”, como demonstrou Kushnir (2004).
Noutros termos, a censura vigorou desde o golpe de 1964, mas aprofundou sua ação no
período compreendido entre 1968/78, quando sua mão foi sentida de forma mais generalizada
e rigorosa.
O que ocorreu é que a censura aos meios de comunicação, a partir do AI-5, passou a ser
realizada previamente, centralizada em Brasília, ampliando seu espectro de atuação e rigor.
Alguns órgãos de imprensa, inclusive a TV Globo, mantinham censores remunerados em seus
quadros. A situação era tão absurda que, segundo Clark, os piores “agentes” nem eram os
representantes oficiais do regime e da censura, mas os “oficiosos”. No caso da Globo, por
exemplo, Clark refere-se a Amaral Neto como um destes “colaboradores”. Neto, além de ser
remunerado pela empresa, mantinha um programa na emissora e, em função de suas relações
com militares, chegou a pleitear que ele fosse exibido em horário nobre, no domingo (Clark,
1991; Kushnir, 2004).
9
Segundo Kushnir, o termo foi sugerido após o AI-5, mas ele havia sido empregado pelo jornal O
Globo, em 26/07/1966. (Kushnir, 2004: 313).
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Outro aspecto característico da censura é que ela era exercida de forma a evitar que sua ação
fosse reconhecida pela opinião pública, como ocorreu noutras ditaduras. Afinal, os ditadores
consideravam importante a manutenção de uma imagem púbica de legalidade
(Skidmore,1988; Fico, 1997). Também é importante destacar que censura não era exercida de
forma indiferenciada em todos os veículos de comunicação (Aquino, 1999). Nesse sentido,
seu exercício deve sempre ser considerado em cada caso particular, lembrando que a censura
sobre jornais e revistas foi suspensa antes do que nas emissoras de rádio e televisão (Alves,
1984: 214).
Também não eram incomuns pressões deliberadas e/ou veladas sobre os veículos de
comunicação e seus proprietários para que demitissem seus colaboradores. Testemunhos
sobre estes procedimentos são inúmeros. Alguns casos, entretanto, são emblemáticos e podem
ilustrar a dimensão que essas atitudes alcançaram ao longo do período ditatorial. Pode-se citar
as pressões sobre a TV Globo, em relação a autor de novelas, Dias Gomes que não obtiveram
sucesso (Clark, 1991); ou sobre o jornal Folha de São Paulo, em relação ao jornalista Cláudio
Abramo em 1977 (Conti, 1999); ou ainda sobre a Editora Abril, com relação ao editor da
revista Veja, Mino Carta em 1976 (Conti, 1999), causando a demissão dos jornalistas.
Exemplos de medidas veladas” da censura, visando a pressionar as empresas contra seus
colaboradores contrários à ditadura, não faltam. Foi o caso da proibição da novela Roque
Santeiro, de Dias Gomes. A sinopse da novela havia sido aprovada pela censura e a produção
contava então com vinte e cinco capítulos gravados, quando a direção da emissora foi
informada da censura. As insistentes investidas da emissora não surtiram qualquer efeito e a
proibição foi mantida, levando a TV Globo a ter um prejuízo de, aproximadamente,
quinhentos mil dólares, na época (Clark, 1991; Figueiredo, 2005). Outro caso grosseiro de
perseguição foi a prisão de todos os jornalistas que trabalhavam na redação de O Pasquim
10
,
no final de 1969. O resultado foi que, por dois meses, o jornal permaneceu circulando devido
às contribuições solidárias de artistas e intelectuais que escreveram para o semanário em lugar
dos presos.
A cultura do medo e ocaso da ditadura
O obscurantismo que se instaurou na sociedade nos anos que sucederam a decretação do AI-5
foi sem precedentes na história brasileira. As perseguições perpetradas pelos diversos órgãos
de segurança e a repressão se estenderam de artistas a estudantes e professores universitários
ou secundaristas, de jornalistas a militares ou políticos; enfim, a qualquer um que se opusesse
à ditadura. Alves, por exemplo, aponta 6592 punições a militares, 595 cassações de políticos
durante toda a vigência da ditadura. Skidmore afirma que, logo após a decretação do AI-5, 37
deputados do partido governista, a Aliança Renovadora Nacional ARENA - foram cassados
e 51 do partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiros MDB. Foram
“aposentados” três ministros do Supremo Tribunal Federal (1969) e também 70 professores
10
Semanário de viés humorístico, O Pasquim foi publicado entre 26 de junho de 1969 e 11 de
novembro de 1991 e reconhecido pelo diálogo entre o cenário da contracultura da década de 1960 e
por seu papel de oposição ao regime militar e de renovação da linguagem jornalística no Brasil.
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da Universidade de São Paulo USP , nem todos por motivos estritamente políticos, o que
indica o quanto o aparato repressivo servia a outros propósitos (Alves, 1984; Skidmore,
1988).
Os dados servem para que se possa dimensionar o estrago sociocultural que a repressão
significou. Instituiu-se, a partir do AI-5, uma cultura do medo na sociedade brasileira que
somente pode ser combatida, de forma mais vigorosa, no final dos anos 1970 com o fim de
sua vigência. Mas, o clima de opressão generalizado que foi se disseminando pela sociedade
brasileira a partir da decretação do AI-5 e da decorrente radicalização da ditadura, bem como
da ampliação do seu aparato repressivo, foi constatado por muitos autores.
O historiador Francisco Iglésias (1994), por exemplo, chegou a escrever que ditadura e a
tortura romperam com a cordialidade natural do homem brasileiro (Alves, 2005: 169).
Segundo Skidmore,
a tortura tornara-se alguma coisa a mais. Tornara-se um instrumento de controle social.
Nada circulava mais rápido, especialmente entre a geração mais jovem, do que a notícia de
que meu amigo ou um amigo do meu amigo havia caído nas mãos dos torturadores. [….] Em
síntese, a tortura era um poderoso instrumento, ainda que degradante para seus usuários,
para subjugar a sociedade.” Skidmore, 1988: 181.
Alves (2005) vai além e explica que essa “cultura do medo” que se estabeleceu na sociedade
brasileira deveu-se ao “efeito combinado da exploração econômica, da repressão física, do
controle político e da rígida censura”. A autora aponta três componentes psicológicos que,
articulados, alimentaram essa condição. O primeiro era o silêncio imposto pela censura, pois a
população, embora não contasse com informações oficiais sobre as atividades dos órgãos de
repressão, sabia de sua existência e que qualquer um estava sujeito ao seu poder de
violência e morte. A situação levava a um isolamento, pois, sem poder se manifestar, a
opressão a qual os cidadãos estavam submetidos era sentida como segmentada e não como
coletiva. Foi-se generalizando a crença de que os canais de oposição estavam fechados,
fomentando a impressão de que não haveria saída.
Todos estes elementos articulados configuraram, enfim, uma situação que não parecia
apresentar alternativas, alimentando uma cultura marcada pelo medo que acabou imiscuindo-
se nas práticas cotidianas e disseminando-se entre os brasileiros. Alves, descreve uma cena
que representa, de forma categórica, os desdobramentos da opressão da ditadura alguns anos
depois. Num filme de Joan Báez, artista conhecida pelo seu ativismo político, foi
documentado um comício do Partido dos Trabalhadores PT , de maio de 1981, no qual o
líder metalúrgico, Luís Inácio da Silva o “Lula” , enfrentava uma situação constrangedora.
Ele argumenta que era preciso deixar de ter medo. Um trabalhador então lhe diz: “Temos
medo de ser torturados! Eu fui torturado!” Lula responde: “Sim companheiros. Temos medo
de ser torturados. Mas precisamos deixar de ter medo da tortura. Não tortura pior do que
ver nosso filho chorar por um prato de comida ou um copo de leite[...]” (Alves, 2005: 170).
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
23
Não é estranho, portanto, que a ditadura perdesse sua sustentação social. Na literatura dos
anos 1980/90 a opinião dominante a respeito dos anos 1970 é que muitos segmentos da
sociedade brasileira que haviam apoiado o golpe, faziam, então, um movimento contrário.
Segundo a avaliação destes analistas, aqueles segmentos viram frustrados os mesmos
interesses que alimentaram seus esforços de mobilização e apoio à ditadura.
11
Skidmore faz
uma série de observações para justificar a perda desse apoio por parte da ditadura. Segundo
ele, o governo Médici “disseminara o medo entre os membros da elite”. “A imprensa era
outra intimidada pela repressão.” Mesmos os empresários que lucravam cada vez mais,
beneficiados pelo “milagre”, “estavam irritados com a quantidade de incentivos e controles
criados por [Ministro] Delfin [Neto] e seus tecnocratas.” (Skidmore, 1988: 355).
A partir do AI-5, portanto, aqueles segmentos da elite e da classe média que haviam
empenhado regiamente seu apoio ao golpe de 1964 e à ditadura, passaram a ver seus filhos
sendo oprimidos nas escolas, perdendo professores nas universidades e sendo espancados em
passeatas estudantis, presos e, às vezes, submetidos à tortura, chegando à morte, noutras
ocasiões. Assim, começam a abandonar seus postos de retaguarda da ditadura. Mesmo a
Igreja Católica, em cujos setores mais conservadores o ideário ditatorial encontrou acolhida,
reagiu contra as ações violentas perpetradas pelos órgãos da repressão política que incluíam a
invasão de templos e ações violentas, até tortura, contra padres. Tudo isso assegurou o
repúdio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB.
Assim, se a esquerda revolucionária que havia partido para a luta armada estava
completamente derrotada por volta de 1973/75, também as bases de sustentação da ditadura
começavam a ruir. Seus pilares sociais estavam enfraquecidos e seus discursos anticomunistas
perdiam o sentido e a acolhida social. No entanto, a economia ia muito bem: foi a época do
“milagre econômico” que oferecia lucros vultosos a empresários, emprego e salário à classe
média. Mesmo após a crise do petróleo de 1973, o governo garantiu o crescimento econômico
por meio de um crescente endividamento externo, pelo menos até o final da década de 1970.
A situação das contas públicas somente ficaria insustentável em 1982, quando o Brasil é
obrigado a recorrer ao Fundo Monetário Internacional FMI (Skidmore, 1988).
A sociedade brasileira nas urnas
uma constatação sobre a sociedade brasileira que emergiu entre os anos de 1964 e 1974,
mas que passou a figurar na literatura sobre o período recentemente e merece ser
mencionada. Observando as eleições brasileiras entre os anos de 1966 e 1974, nota-se que os
políticos ligados ao partido do governo, a ARENA, receberam uma expressiva votação,
suficiente para manterem-se no cenário político nacional. Mesmo considerando que esse dado
no Brasil não pode ser tomado como expressão dos eleitores de uma escolha político-
ideológica consciente, pelo menos não da maioria; é certo que os votos que elegeram os
políticos da ARENA asseguraram sustentação político-institucional aos governos ditatoriais
para agir. Um quadro que somente viria a ser revertido no pleito de 1974.
11
Obras consultadas sobre o tema foram Alves (2005: 185-224) e Skidmore (1988: 334-369).
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
24
A constatação da posição assumida por uma parcela significativa da população nas eleições
gerais nem sempre tem sido foco de reflexões. Tomando o número de votos como referência,
constatamos que o apoio ao partido do governo no Brasil não é insignificante. Nas eleições
para a Câmara dos Deputados de 1966, a ARENA recebeu 50,5% dos votos válidos, contra
28,4% do MDB, apresentando 21,0% de abstenções, um índice considerado alto (brancos e
nulos). Nas eleições de 1970, os respectivos índices são ARENA com 48,4%, MDB com
21,3% e 30,3% de abstenção. Mas, nas eleições de 1974, a ARENA recebe 40,9% e o MDB
37,8%, com 21,3% de abstenções.
12
A existência da campanha pelo voto nulo, cujo percentual chegara a se ampliar na eleição de
1970, não autoriza a negar que, até então, a votação na ARENA era expressiva. Se é possível
argumentar que esta votação não representava, estrito senso, um apoio deliberado aos
ditadores e/ou à ditadura, é certo que indicava que os membros do partido de sustentação do
governo eram capazes de arregimentar uma considerável massa de votos. Grinberg (2004)
argumenta que, se de um lado os eleitos tinham laços anteriores ao golpe com as comunidades
que os elegiam, também é importante lembrar que o regime criou o partido, mas não os
políticos que iriam entrar na sua composição. Muitos dos políticos que formaram a ARENA
eram membros do partido União Democrática Nacional UDN ou do Partido Social-
Democrata PSD -, ou seja, eram políticos profissionais que contribuíram para a manutenção
do regime implantado pelo golpe de 1964.
Os dados demonstram que havia no Brasil uma configuração política tal que quase a metade
da população não era capaz de romper com as práticas eleitorais que vigoravam até então,
especialmente nas regiões do interior do país. Assim, como é destacado pela autora, as
análises que negligenciam estes aspectos contribuem para manter o silêncio sobre a
participação expressiva de segmentos da sociedade, senão no movimento de 1964, pelo menos
na sua sustentação, especialmente nos primeiros anos. Tão importante quanto essa
constatação é reconhecer que as mudanças nas eleições ocorridas a partir dos anos 1970
deram-se de maneira muito mais expressiva, entre os segmentos populares as populações de
baixa renda dos grandes centros urbanos.
Segundo as pesquisas realizadas em 1972, a ditadura contava com amplo apoio entre a
população mais pobre. Apesar disso, Muszynsky e Mendes (1990: 75) afirmam citando
pesquisas de Lamounier que a partir de 1974 uma ampla votação é alcançada pelos
membros da oposição. Segundo os pesquisadores, foi uma tendência que “surgiu primeiro nas
áreas mais pobres das grandes cidades, para depois se alastrar para outras regiões e estratos
sociais. Este é uma dado de fundamental importância, tanto para a pesquisa, quanto para a
história do período em geral: afinal, devemos nos perguntar, por que a mudança atingiu
primeiramente esses segmentos sociais? Que elementos levariam os mesmos segmentos
populares a uma mudança, tão drástica, de apoio à oposição?
Mudanças no cenário político nacional popular
12
Os dados apresentados foram retirados de Grinberg (2004).
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
25
O governo, seguindo informações do Serviço Nacional de Informações SNI , que lhe
assegurava a vitória da ARENA nas eleições (Gaspari, 2003), permitiu o emprego de
programas de televisão nas propagandas eleitorais para as eleições de novembro de 1974: “o
teste eleitoral mais importante ao nível federal desde 1964”, segundo Skidmore (1988: 335).
Depois de cogitar até mesmo sua autodissolução, o MDB lançou a anticandidatura para
presidência da República de Ulisses Guimarães, em 1973, embora não houvesse a menor
possibilidade de seu líder conquistar a presidência nas eleições que eram indiretas. Mas, se as
mudanças eleitorais e as cassações de mandato realizadas pela ditadura retirou do cenário
político as mais expressivas lideranças, o MDB enfrentou a situação organizando uma
campanha na melhor tradição brasileira, com comícios, reuniões públicas, passeatas etc.
A campanha estimulou a imprensa a desafiar a censura e a dar ampla cobertura às ações
políticas dos candidatos, aumentando em 3500% o espaço midiático dedicado à oposição.
Assim, sob um estrito viés da esfera política institucionalizada, por volta do final de 1973
começava a se constituir o que “definiremos como política de bases, e que chegaria ao
primeiro plano da cena política especialmente depois de 1977.” (Alves, 2005: 181). Também
foi por volta dessa época que os cientistas sociais brasileiros se voltaram para os “novos”
movimentos sociais. A partir, especialmente, de 1978 os cientistas sociais passam a dar mais
atenção a eles, considerando-os como uma novidade que valia à pena ser estudada pois suas
práticas e as formas de organização eram completamente novas, como afirma Gohn (2001).
A opinião não era somente dos cientistas sociais, a julgar pelo que escreveu Mario Sérgio
Conti, editor da revista Veja de 1991 a 1997. Segundo ele, Júlio de Mesquita Neto,
proprietário do jornal O Estado de São Paulo, mesmo tendo uma posição política contrária ao
Partido dos Trabalhadores compareceu a um de seus comícios, em abril de 1982. Ele foi
reconhecido e chamado a ir ao palanque, depois disse aos repórteres que o entrevistaram que
o PT e seu líder, Luís Inácio da Silva, eram as únicas novidades na política brasileira (Conti,
1999: 614). No entanto, alguns anos antes da década de 1980 e daquele curioso incidente
registrado no filme, uma outra novidade invadiria a cena política: a televisão.
A televisão na cena política dos anos 1970: um papel a ser investigado
A televisão avançou muito no Brasil dos anos 1960, mas foi no início dos anos 1970 que
começa sua trajetória de consolidação, liderança midiática e importante elemento na vida
cultural brasileira. Desde a segunda metade dos anos 1960 o crédito ao consumidor passara a
assegurar, progressivamente, mais acesso aos aparelhos de televisão a segmentos mais
populares da sociedade. Um curiosos testemunho dessa novidade na cultura brasileira vem de
Fernando Gabeira, numa passagem na qual descreve sua fuga, depois da participação no
sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick.
No réveillon de 1969/1970, ao se refugiar na casa de quarto e sala de uma família operária de
São Paulo, Gabeira foi “aprendendo outras realidades”. A principal entre elas “era a presença
da televisão” que “presidia” a casa até as dez e meia da noite. Segundo ele, era “preciso
entender que [naquele momento] o Brasil passava de um analfabetismo real para um alto grau
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
26
de sofisticação [audio]visual, o que nos colocaria problemas específicos de propaganda
política.” (Gabeira, 1987: 192).
A reflexão se refere à agenda de atividades políticas em curso na vida desse importante
personagem; então, membro da esquerda revolucionária. O quadro em que se configuravam
os “problemas específicos de propaganda política” ao qual Gabeira se refere em seu refúgio
operário de 1970 parece se materializar nas eleições de 1974. O papel desempenhado pela
televisão na política brasileira, no início dos anos 1970, começa a ser reconhecido alguns anos
depois, por um dos mais importantes intelectuais brasileiros da área de comunicação, Muniz
Sodré.
Crítico vigoroso das escolhas e das interpretações dispensadas à televisão, Sodré afirmava em
1977 que
“Nenhuma análise sincera poderia recusar à tevê esse evidente efeito modernizador. O
impacto dos conteúdos ideológicos metropolitanos (novo estilo de vida, novas opiniões, toda
a pletora de bens e serviços da moderna sociedade de consumo) com sua poderosa carga
pedagógica, é capaz de alterar comportamentos e de remanejar atitudes. Modernização não
significa, entretanto, desenvolvimento real das possibilidades humanas e políticas dos
indivíduos.” Sodré, 1984 [1977]: 30.
Sodré, alguns anos após Gabeira ter-se atentado para a presença hegemônica da televisão
numa casa operária, reconhece que a campanha das eleições de 1974 foram conduzidas,
principalmente, pela novidade que ela apresentava no cenário político. Mas, ainda assim, ele
tem o cuidado de se remeter a essa “novidade” política que a televisão significava, citando
uma matéria veiculada pelo Jornal do Brasil (17/11/1974), na qual “acreditava-se” que o
fenômeno teria, efetivamente, ocorrido no Brasil. (Sodré, 1984: 29)
Sodré, entretanto, parece convencido de que a televisão teria desferido um “golpe vigoroso no
núcleo dos velhos redutos e estilos políticos”, nos currais eleitorais tradicionais, mantidos por
caciques políticos. Além disso, ela teria contribuído para que houvesse “a penetração de
novos candidatos em antigos redutos paroquiais, propiciando-lhes vitórias surpreendentes”.
Afinal, no “início de outubro [de 1974] poucos eram os observadores políticos bem
informados capazes de apostar contra uma vitória esmagadora da ARENA”, segundo
Skidmore (1988: 336. Grifo meu).
A televisão se mostrava, portanto, como um agente cuja influência pareceu decisiva no pleito
de 1974, mesmo que seu impacto não pudesse ser mensurado e que ainda estivesse sob
dúvidas. Mais do que isso, o fenômeno “televisão” surge aos olhos de observadores bastantes
distintos, como Gabeira (1970), Sodré (1974) e Skidmore (1988), como um elemento divisor
de águas na política brasileira. Ainda assim, todos reconhecem o papel da televisão nas
eleições de1974 como um momento de inflexão na política brasileira que emerge no bojo de
um dos processos mais importantes e desafiadores da recente história do Brasil.
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
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O resultado das eleições, explica Sodré, expressava mais o impacto de um novo padrão
(“estético” televisivo) que era então inaugurado na política, do que grandes avanços em
termos de consciência crítica. Nem mesmo apontava para uma incipiente visão mais reflexiva
sobre os processos sociais por parte da população (Sodré, 1984: 29). Ainda assim, é preciso
refletir que, segundo o depoimento de Gabeira (1982), as análises de Leal (1986) e dados
fornecidos pelo próprio Sodré; em 1971, 70% do aparelhos ligados no Rio e em São Paulo
pertenciam a famílias das classes C e D. (Sodré, 1984: 104).
Os dados indicam ainda que houve, seguramente, uma transformação efetiva no cenário
político e que ela foi expressa nas eleições de 1974. Sugerem ainda que os segmentos mais
populares, das classes C e D que passaram a ter acesso à televisão, contribuíram para reverter
as expectativas de vitória da ARENA. O resultado das eleições revela que a população votou
mais em representantes que não estavam submetidos ao aparato político-ideológico da
ditadura, rompendo com as práticas tradicionais que sempre caracterizaram a política
brasileira.
13
Vale destacar que estes segmentos mais populares sempre foram considerados
como aqueles que mais se submetiam a estas mesmas práticas. Se essa mudança foi ou não
influenciada pela televisão, os dados, bem como os argumentos de Sodré, indicam que sim.
As eleições municipais de novembro de 1976 também sugerem essa mesma conclusão, pois
ocorreu uma vitória expressiva do MDB nos grandes centros urbanos, embora a ARENA
continuasse a assegurar maioria nos poderes legislativo e executivo nas demais regiões do
país. A esse respeito é fundamental destacar que uma análise do resultado das eleições não
pode deixar de considerar o fato do governo ter instituído um decreto-lei, conhecido por “Lei
Falcão” (1º/07/1976) que restringia, significativamente, o emprego de recursos dos meios de
comunicação nas campanhas eleitorais a partir daquele ano, especialmente em rádio e
televisão.
A impressão de que as restrições impostas pela Lei Falcão ao uso do rádio e da televisão nas
eleições de 1976 favoreceram aos candidatos do governo, foi também dos analistas ligados à
ditadura. Não foi sem motivo que estas restrições foram estendidas às demais eleições
brasileiras, em 1977, juntamente com outras “reformas constitucionais” realizadas naquele
ano, através do “Pacote de Abril” (Alves, 2005: 190-196).
Televisão brasileira e a TV Globo dos anos 1970: uma cultura em transe
Os autores que se debruçaram sobre a história da televisão brasileira apontam dois avanços
técnicos, implementados na área das comunicações na década de 1960 que foram
fundamentais para assegurar o salto realizado o país nos anos subsequentes. Eles se referem à
criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações a EMBRATEL , e a associação do
Brasil ao Sistema Internacional de Satélites (INTELSAT), ambos ocorridos em 1965. A
iniciativa articulava-se muito bem à “Grande Estratégia” que orientou a ditadura talvez a
única , segundo a qual era necessário promover uma integração nacional, territorialmente,
por questões estratégicas e comercialmente, por questões econômicas.
13
A esse respeito ver Muszynsky e Mendes (1990).
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
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Nessa perspectiva é possível entender por que os ditadores não deram andamento ao processo
contra o acordo ilegal, firmado entre a Time-Life, empresa norte-americana de comunicação e
a TV Globo. Sabe-se que o processo chegou à presidência e pode-se inferir que tenham sido
firmados acordos entre a emissora e os ditadores, embora as pesquisas a esse respeito tenham
sido infrutíferas.
14
No entanto, não foram poucas as vezes que empresários dos meios de
comunicação mostraram-se influentes e até decisivos na história do Brasil. As ausências
destes temas entre os estudos históricos assentam-se, muito mais nas escolhas e linhas de
pesquisa que pouco tem contribuído para preencher essa lacuna sobre o tema (Miguel, 2001).
Segundo os estudos sobre televisão, a rápida ascensão que a TV Globo conheceu no cenário
televisivo brasileiro deveu-se não à sua implantação, mas, principalmente à sua estratégia de
administração que reunia profissionalismo e viés publicitário. É pois imperioso reconhecer
que, na época do nascimento da TV Globo, a TV Tupi era a maior concorrente de todas as
emissoras de televisão do país e também que a TV Excelsior, de São Paulo, teve sua
concessão cassada em 1969 em função de manter uma posição política contrária à ditadura.
15
A situação da TV Tupi e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand que a abrigava era,
entretanto, mais comprometedora que favorável à emissora, uma vez que o poderoso grupo de
comunicação vinha apresentando problemas econômicos desde a década de 1960.
16
A TV
Globo surge, então, como a mais viável alternativa das empresas de televisão para cumprir o
papel que empresários e governo demandavam: de integração do mercado consumidor e das
consciências políticas, respectivamente (Ortiz, 1988).
Observe-se que, exatamente por isso, a condição de submissão da emissora aos governos
ditatoriais, muito difundida em estudos acadêmicos, não se sustenta. A condição que a
empresa cumpria na cultura brasileira lhe conferia muito mais poder e autonomia do que os
analistas lhe têm reconhecido. Sob esse mesmo viés, é possível entender a situação dos
artistas de esquerda que trabalhavam na empresa e a resposta ambígua que se tem atribuído
aos conteúdo dos programas que a TV Globo veiculava obviamente, se considerarmos o
conjunto da programação, sobretudo, a teleficção e excetuando-se a abordagem jornalística.
Logo, é fundamental ter em mente que, se a emissora realizava o ideário da ditadura e seus
apoiadores de primeira hora, também detinha um enorme poder. Noutros termos, se os
governos ditatoriais precisavam de uma televisão que lhes desse apoio e unificasse as
consciências e os empresários uma que unificasse o mercado, a TV Globo se dispôs a realizar
seus anseios; mas, certamente, não precisava se submeter, de forma tão resignada, às
determinações do poder. A empresa estava em posição de poder negociar. Nesse contexto,
14
Diversos autores se debruçaram sobre o tema, me refiro aqui a Herz (1987). Conti (1999) e Britto e
Bolaño (2005).
15
As afirmações podem ser confirmadas por diferentes autores, como Ortiz (1988), Clark (1991),
Conti (1999).
16
Sobre o tema consultar Herz (1987), Mattelart (1998), Ortiz (1988), Ortiz (et al, 1991), Clark (1991),
Brittos e Bolaño (2005).
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
29
fica mais claro porque a emissora foi capaz de manter entre seus colaboradores, membros da
esquerda, sem ser muito molestada pelos ditadores.
Mais importante ainda é reconhecer que seu poder crescia na medida em que o poder e o
apoio social, conquistados pela ditadura, declinava. Assim, ao analisarmos o papel exercido
pela Rede Globo no Brasil ao longo da ditadura, é necessário reconhecer que muitas das
posições assumidas eram escolhas deliberadas dos proprietários, outras, eram frutos da sua
possibilidade de resistência aos achaques dos ditadores e apoiadores. Além disso, a empresa
que era então administrada de forma profissional, tinha a teleficção como seu produto mais
rentável, dado contábil que não é possível negligenciar numa tomada de decisões
empresariais. Noutra perspectiva, segundo Clark (1991), o incêndio que a emissora enfrentou
na filial de São Paulo (14/07/1969) permitiu que ela renovasse seu parque industrial,
recorrendo ao seguro que foi pago após o incidente. O incidente, indiretamente, contribuiu
para modernização tecnológica da empresa, contribuindo para consolidar seu poderio.
Outros aspectos ligados à produção da televisão também indicam transformações importantes,
especialmente no campo do jornalismo e da dramaturgia. No caso do telejornalismo, entre as
mudanças, aquelas que mais nos interessam, são, principalmente duas. A primeira está ligada
ao uso do videoteipe tecnologia que permite copiar programas exibidos e, portanto,
distribuí-los a outras afiliadas e/ou comercializá-los o que torna, progressivamente, os
noticiários cada vez mais “globais”, diminuindo a importância das notícias regionais e/ou
locais. No caso do jornalismo da TV Globo em particular, obedecendo às restrições impostas
pela censura, as notícias eram menos comentadas e, com o crescente uso das imagens, a
linguagem também foi se sofisticando progressivamente.
A TV Globo não era ainda a sombra do que viria a ser e sua teledramaturgia começava a dar
os primeiros passos em 1969, mas a emissora iniciou o primeiro noticiário brasileiro com
cobertura nacional, o Jornal Nacional e contava então com a mais famosa autora de novelas,
Janete Clair. Naquele mesmo ano, firmaria um contrato com Dias Gomes, um dos
dramaturgos brasileiros mais celebrados, premiado no teatro, no cinema e, também, um dos
artistas mais perseguidos pela censura.
17
A teledramaturgia, além de fazer a audiência de toda a emissora crescer, o lucro que ela
gerava em termos reais custo/publicidade sempre foi muito grande. Voltando ao caso da
Globo, certamente não foi sem motivo que a novela tornou-se sua principal atração nos anos
1970/1980. Assim, a partir de 1969 e por meio de um processo conjunto de consolidação
empresarial, ampliação da sua rede de afiliadas e conquista progressiva de audiência, a TV
Globo vai consolidar sua posição de liderança no setor audiovisual brasileiro (Ortiz et
al,1991: 81).
Sodré analisa a estratégia da TV Globo a fim de demonstrar como, em 1977, a empresa iria
tornar-se um “fenômeno único no mundo inteiro”, produzindo “75% da sua programação”,
convertendo-se em campeã de audiência no Brasil. Segundo ele, para alcançar essa situação a
17
Recorro às informações e análises de Ortiz (et al, 1991), Ramos (2004) e Borelli (2000).
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
30
emissora recorreu, inicialmente, a uma programação cujo traço característico era não se
importar com o apuro estético, voltando-se mais para conquistar audiência a todo custo.
Segundo o autor, essa programação característica, denominada por ele “estética do grotesco”,
assegurou à TV Globo liderança na audiência entre os segmentos populares, no período que
se estende de 1968 a 1972 (Sodré, 2001: 100).
A tal “estética do grotesco” significou, segundo Sodré, “uma singularíssima aliança simbólica
da produção televisiva com os setores pobres ou excluídos do consumo nas 'ilhas'
desenvolvidas do país (Rio e São Paulo). Uma aliança que cumpria uma “clara função
simbólica: formar um público básico para o „salto‟ industrial da televisão”. “A estratégia deu
[tão] certo” que, em 1971, 70% do aparelhos ligados no Rio e em São Paulo pertenciam a
famílias das classes C e D. A TV Globo, depois de assegurar a audiência e confiança das
agências de propaganda, a partir de 1972, promoveria uma mudança de rumos, visando “a
conquista de espectadores mais 'elevados' e de anúncios mais 'luxuosos' e, [por outro lado,] a
dar menos atenção aos índices de audiência do Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa
(IBOPE)” (Sodré, 2001: 102, 103; 104; 107).
A explicação de Sodré, não se restringe a uma avaliação crítica, bem construída e consistente
das estratégias da TV Globo para alcançar o sucesso naquele momento. Ela representa
também uma contribuição fundamental para a análise por dois motivos: primeiro porque o
autor nunca deixou dúvida quanto a sua postura crítica em relação à televisão que era
produzida no Brasil, especialmente em relação à TV Globo. Além disso, sua apreciação das
estratégias que a emissora empregou para conquistar a liderança de audiência se assenta em
aspectos publicitários, mercadológicos, ligados à linguagem e à qualidade da produção. Ou
seja, segundo um dos mais respeitados pesquisadores de comunicação do país na segunda
metade do século XX e um crítico radical da televisão produzida no Brasil na época, afirma
que foi o profissionalismo que orientou os esforços da TV Globo na sua trajetória para
conquistar o lugar que viria a ocupar no cenário brasileiro e mundial de televisão.
Ao confrontarmos a análise de Sodré, com o testemunho de Clark sobre as condições pouco
profissionais em que as outras emissoras operavam, juntamente com as considerações de
Conti sobre a administração da TV Globo, não ficam dúvidas quanto ao mérito da emissora e
de seus profissionais para cumprirem a trajetória que os levou ao sucesso. As críticas de
Sodré, quanto ao papel exercido pela TV Globo assentam-se, muito mais num aspecto para o
qual ele mesmo chamaria atenção em seus argumentos. Segundo o pesquisador, uma “função
educacional ou culturalista para a televisão [somente] começa a ser reivindicada com
insistência pela imprensa, educadores e intelectuais brasileiros a partir de 1969” (Sodré, 2001:
109-110).
A opinião de Sodré pode ser facilmente corroborada com uma passagem da (auto)biografia de
Walter Clark (1991), pois ela refere-se a alguns dos aspectos apresentados anteriormente.
Mas, Clark acrescenta outros elementos e reflexões sobre como a televisão respondia ao
contexto opressivo da ditadura, ao comentar que:
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
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“Enquanto a censura agia para subjugar e controlar a arte e a cultura do país, perseguindo a
inteligência, nós [da direção] continuávamos trabalhando na Globo para fazer uma televisão com a
melhor qualidade possível. A conjugação desses fatores, entretanto censura, de um lado, e obsessão
técnica, formalismo, de outro -, acabou produzindo a idéia de que o Padrão Globo de Qualidade foi a
resposta domesticada da TV à repressão do regime. Era como se, pelo fato de sermos censurados, não
pudéssemos exigir cada vez mais qualidade de nós mesmos, maior rigor, mais aplicação. O resultado,
então uma TV sem erros, incomparavelmente melhor do que todas as anteriores , acabou passando
por vitrine de um regime com o qual os profissionais da TV Globo jamais concordaram.”. Clark,
1991: 228.
O executivo deixa claro que se a direção da empresa era favorável ao regime, posição que,
certamente, não pode ser generalizado para o corpo dos seus colaboradores. Clark faz um
contraponto à ideia de que qualidade na TV Globo pretendia reverenciar à ditadura. Seu
testemunho permite entender como a preocupação com o esmero na produção conferiu aos
trabalhos da empresa sobretudo à teleficção um nível de qualidade que assegurou às
telenovelas entrarem no mercado internacional. Por outro lado, quando passou a vigorar o
“padrão Globo de qualidade”, retomam-se aspectos “culturalistas” das produções
consideradas “de bom gosto. A empresa passa também a responder a demanda de uma parcela
de seu público e, ao mesmo tempo, alcançando um nível de qualidade para outros mercados.
A nova proposta de conteúdo para a qual a emissora se encaminhava, “misturada” com aquilo
que Sodré chama de “doutrina demagógica dos publicitários” cuja principal característica
seria uma linha de programação que visa a “maior satisfação para o maior mero”
estabeleceram as diretrizes que orientaram a programação da TV Globo daí por diante (Sodré,
2001: 96-97-108). Traçados os eixos básicos que orientaram a produção e as estratégia que
iriam reger trajetória da TV Globo, que permitiram a ela assumir uma posição quase
hegemônica no cenário televisivo brasileiro, torna possível dar um pouco mais atenção à
telenovela.
A teledramaturgia
“No mais alto realismo, a sociedade se vê em termos, fundamentalmente, pessoais e as
pessoas, através das relações, em termos, fundamentalmente, sociais.” Raymond Williams,
2003[1961]: 272-273. (Tradução livre do espanhol.)
A teledramaturgia é uma área da televisão que exige um cuidado especial, por ser um dos
focos privilegiados de investigação. As reflexões buscam compreender em que medida a
teleficção “realista” que nasceu na virada dos anos 1960/1970 no Brasil pode ser tomada
como uma expressão artística, segundo o quadro teórico concebido por Williams. Nesse
sentido, usamos a citação acima como uma síntese das reflexões que o autor desenvolve, com
a finalidade de estudar o significado do romance realista na sociedade contemporânea. As
reflexões do autor oferecem uma outra perspectiva e um quadro teórico diferente para estudar
os processos históricos que se desenrolaram na televisão brasileira, nas três décadas que nos
interessam neste trabalho: 1960/1970/1980.
Roberto Abdala Junior
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O argumento de Williams é tão mais decisivo, se considerarmos alguns aspectos, em
particular, o quadro teórico com o qual trabalha e o fato deste seu livro ter sido publicado em
1961. Em primeiro lugar, a pioneira e inusitada abordagem das relações entre a sociedade
contemporânea e os meios de comunicação que apresenta.
18
O fato de ser um teórico cujo
referencial é, fundamentalmente, marxista, não ortodoxo, contribui para que possamos
articular seus argumentos ao dos demais autores. Mas, sobretudo, suas reflexões dialogam
com o quadro teórico ao qual a maioria dos intelectuais brasileiros recorria no período em
foco. Vale lembrar a influência exercida pela “cultura de esquerda” que grassava entre os
artistas brasileiros, que era também disseminada entre segmentos da classe média urbana.
Os intelectuais brasileiros perceberam a mudança na teledramaturgia que voltou-se para o
“realismo” a partir do fim dos anos 1960. Segundo Sodré, foi por volta de 1969 que a
televisão começou
a alterar o velho padrão sentimentalóide mexicano-argentino das telenovelas e a retomar o
filão da TV-Excelsior de São Paulo que consistia em caracterizações culturais brasileiras. As
telenovelas Assim na terra como no céu (de Dias Gomes, produzida pela Rede Globo) e Beto
Rockefeller (de Bráulio Pedroso, produzida pela TV-Tupi) marcaram o início da
representação dramática apoiada no cotidiano nacional.” Sodré, 2001 [1977]:110.
Inaugurado pela TV Excelsior, o novo padrão se converteria em diferencial do gênero
produzido no Brasil, ficando conhecido, genericamente, como “realismo”. A análise de Ortiz
(1991) sobre Beto Rockefeller descreve algumas das principais características que vigorariam
nessa nova linguagem da teledramaturgia brasileira, a partir de então.
A passagem é importante para que possamos reconhecer a mudança que ocorreu entre o
antigo padrão de teledramaturgia e o novo que passou a vigorar e tornou-se o diferencial da
produção brasileira. Segundo ele, a nova linguagem
[…] rompe com os diálogos formais, propondo uma narrativa de cunho coloquial, repleta de
gírias e de expressões populares. Reproduzindo fatos e fofocas retiradas de notícias de
revistas e jornais da época, o enredo procurava reproduzir o ritmo dos acontecimentos no
interior da própria narrativa. A preocupação central de Bráulio Pedroso era trazer o cotidiano
vivido para o vídeo, o que significava “escrever uma novela com uma proposta realista”,
trabalhando inclusive a representação dos atores o mais próximo possível da realidade. Beto
Rockefeller se distancia também do melodrama, na medida em que a figura principal é um
anti-herói. Ortiz et al.1991: 78.
A passagem, além de apontar uma série de mudanças importantes no gênero telenovela que
atingiram, desde a temática até as formas de interpretação dos atores, indica que o conteúdo
voltava-se para um enfoque do cotidiano, aproximando o gênero da “realidade” daí o termo
“realismo”. Mas, segundo Ortiz, as mudanças contribuíram também para que a telenovela se
afastasse do melodrama tradicional e nesse sentido o autor oferece um argumento difícil de
contornar: o principal protagonista em Beto Rockefeller era um anti-herói.
18
Consultar mais detalhes na Introdução de Abdala Jr (2021).
Roberto Abdala Junior
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Uma outra contribuição importante sobre o novo padrão que passou a orientar a criação da
telenovela brasileira é oferecido por Ramos (1991) que, recorrendo às sinopses das novelas O
grito, Saramandaia (1976), Espelho mágico (1977) e Nina (1977), apresentado no Boletim de
programação da Rede Globo,
19
comenta:
“Cabe ressaltar que o realismo concebido pelos autores neste período, visa responder a uma
questão central: como retratar, discutir e criticar a realidade brasileira? [...] Menos do que
uma discussão sobre a eficácia ou não deste “realismo”, nos interessa apontar que ele surgiu
num momento em que uma conjunção de fatores reorientou a tradição folhetinesca. [...] A
descoberta do cotidiano, do real”, responde a uma exigência por fatias maiores de público
do que aquela possível de se atingir com o melodrama clássico. [Também] reflete a
incorporação de um grupo de escritores marcados por um projeto nacionalista mais à
esquerda, cuja concepção estética era talhada pelo realismo literário e teatral. [...] [Além
da] presença do Estado que demanda por temáticas referentes à “nossa realidade”. A Globo
surge como um espaço onde interagem essas forças, algumas vezes inclusive antagônicas
entre si.” Ramos, 1991: 93-95.
que se recorrer aos argumentos de renomados pesquisadores ligados aos meios de
comunicação para apontar e explicar um dos momentos de inflexão que ocorreu na
teledramaturgia brasileira nos anos 1970 e como isso afastaria ou, pelo menos, flexibilizaria a
inclusão das telenovelas brasileiras na categoria do melodrama clássico. Na passagem de
Ramos, o que fica evidente é o diálogo que suas reflexões sobre as telenovelas brasileiras
estabelecem com o pensamento de Williams, resumido na citação do início da seção. O trecho
ilustra uma mudança decisiva sobre as concepções e noções que passaram a orientar a maioria
dos quadros teóricos e análises que estudam a telenovela. Mas, sobretudo , trás para o debate
um aspecto fundamental: o papel que as telenovelas passam a desempenhar como obra
cotidiana que dramatiza as mazelas da sociedade brasileira e como elas podem promover
debates sobre temas sociais e políticos.
Sodré, nos anos 1970, discorda da possibilidade de a telenovela contribuir para que o público
refletisse sobre a realidade e, embora considerasse que a televisão pudesse apresentar
características “pedagógicas”, ele tomava essa pretensão como um “mito educacional” (Sodré,
2001: 111).
20
Mas, as concepções tradicionais de recepção midiática foram, progressivamente,
abaladas desde os anos 1960. Os processos de “recepção” das telenovelas passam a ser
consideradas como obras “híbridas” – termo que apareceria no final da década.
19
Ramos (1991: 93) transcreve trechos de sinopses das obras O grito, Saramandaia, Espelho
mágico, Nina do Boletim de programação da Rede Globo, Rio de Janeiro entre 18/10/75; 24/4/76;
11/6/77; 25/6/77.
20
Sobre a crença acadêmica segundo a qual as narrativas audiovisuais não repercutem, de forma
significativa, na cultura política das sociedades, sobretudo no que tange às telenovelas na América
Latina, consultar Abdala Jr. (2021). Atualmente, existem pesquisas sobre o tema realizadas pelas/os
pesquisadoras/es do Laboratório GUMELAB da Universidade Livre de Berlim. Conferir no capítulo do
livro publicado pelo GUMELAB sobre a telenovela “O bem-amado” (Abdala Jr. 2024. No prelo.) cujo
emprego do humor parece ter interferido nas eleições gerais de 1974.
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Dos anos 1980 em diante, os pesquisadores passam a alimentar concepção e noções que
orientavam os estudos sobre obras como as telenovelas, uma contribuição cultural que deveria
ser mais bem avaliada. Noutros termos, as telenovelas começam a ser categorizadas como um
gênero que congrega traços de diversas outras formas de expressão cultural, que dialoga com
outras tantas matrizes culturais, sob as quais as apropriações do público podem ser efetivadas.
Ortiz (1988), ainda critica o “realismo” das telenovelas em termos tradicionais, mas aponta
um caráter que o distingue das obras de outras tradições da “indústria cultural” que
contribuem para que o público possa refletir sobre a realidade. Segundo ele, é possível
apontar em obras estrangeiras “uma confusão de fronteiras entre o realismo da indústria
cultural”, que não leva a uma reflexão sobre a realidade e outro vinculado aos “movimentos
críticos”, como o neorrealismo italiano, que provocaria uma atitude mais reflexiva. No
entanto, no caso da telenovela brasileira, ele argumenta “que no caso brasileiro esta
interpenetração de domínios se dá de maneira mais acentuada.”
No caso brasileiro, o “realismo” não se comportava de forma a evitar a reflexão sobre a
realidade. Segundo sua avaliação, embora não alcance o nível de reflexão de uma obra
cinematográfica, o realismo da telenovela avança para além dos padrões da indústria cultural,
abrindo possibilidade para que alguns aspectos da realidade sejam debatidos.
21
Para
comprovar seu argumento, Ortiz recorre a uma entrevista de Dias Gomes que, resumindo sua
trajetória numa entrevista ao jornal de esquerda, Opinião (1973), explicava o que vinha
ocorrendo com a sua dramaturgia:
“Faço parte de uma geração de dramaturgos que levantou entre os anos 50 e 60 a bandeira
quixotesca de um teatro político e popular. Esse teatro esbarrou numa contradição básica;
era um teatro dirigido a uma platéia popular, mas visto unicamente por uma platéia de elite.
De repente a televisão me ofereceu essa platéia popular.” Ortiz 1988: 180.
22
Assim, de formas diversas, as reflexões destes e de outros autores procuram demonstrar que a
mudança no padrão das telenovelas brasileiras responde às expectativas de dramaturgos com
uma formação de esquerda, autores que reconheciam na televisão uma oportunidade que
alcançar o grande público”. A transformação também repercute em outras mudanças que
então se processavam na sociedade brasileira, em um quadro histórico muito mais amplo e
complexo, como demonstrado anteriormente.
A explicação de Ortiz caminha neste sentido. Ao analisar as novas características que o
gênero assumira, ele argumenta que as novelas tiveram origem num contexto de
transformações substanciais, acompanhando o que vinha ocorrendo noutras artes do
espetáculo no Brasil. O sociólogo afirma que,
21
Nos meus estudos sobre o tema segui os seguintes autores que inauguraram perspetivas análogas
e/ou similares, como Ortiz (1988; ___ et al, 1991); Mattelart (1998), Canclini (2006) e Martín-Barbero
(2003).
22
Ver Ortiz (1988: 180) sobre a entrevista com Dias Gomes, no jornal Opinião (26 de fevereiro /4
março, 1973: 19). Mas, noutras entrevistas e textos Dias Gomes repetira a mesma ideia, noutros
termos.
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“O Cinema Novo, por exemplo, vai procurar uma aproximação maior com o público. [...]
Outros filmes, marcadamente comerciais, se aproximam do movimento Jovem Guarda [...] O
parentesco desses filmes com o movimento Tropicalista é imediato, pois também se busca
uma síntese dos cacos culturais de uma sociedade em mutação.” Ortiz et al. 1991: 79-80.
As artes do espetáculo, incluindo a televisão, sofrem então uma transformação importante,
segundo Ortiz. Elas se aproximam do Tropicalismo, movimento que, na música e segundo
depoimento de Caetano Veloso, sofreu influência decisiva do filme “Terra em transe” de
Glauber Rocha (1967),
23
especialmente com relação ao papel exercido pelos intelectuais na
sociedade brasileira. Merece destaque o fato de os artistas ligados ao Cinema Novo, como os
músicos identificados com o movimento Tropicalista estarem se voltando para um diálogo
com segmentos populares, postura até então pouco disseminada entre intelectuais brasileiros e
até criticada. Além disso, o autor também reconhece a emergência de uma cinematografia
voltada para os jovens “não engajados” como os consumidores das músicas da Jovem
Guarda. O argumento também ajuda a confirmar o traço de hibridação/dialógico que
matizava as artes do espetáculo no Brasil, alimentando uma produção rica e diversificada.
A respeito do Tropicalismo, é preciso enfatizar que, embora as opiniões sobre o movimento
sejam bastante díspares, muitos autores concordam que houve inspiração na ideia modernista,
segundo a qual a gênese da identidade brasileira resultaria, à maneira selvagem, das práticas
de devorar e digerir a cultura herdada do nosso passado branco, cristão, colonial. A concepção
antropofágica é a mesma a que se referem Mattelart (1998) e Canclini (2006), entre outros,
para identificar o caráter híbrido das culturas latino-americanas, identificadas pelos
modernistas brasileiros, ainda nos anos 1920.
Assim, o movimento da cultura tropicalista encaminha-se para uma identificação com os
processos característicos da cultura latino-americana, cujo caráter híbrido se realiza “no
campo instável, conflitivo, da tradução e da traição” expresso nas artes, quando estas
conseguem ser linguagem e também vertigem (Canclini, 2006: XL).
Os artistas ligados à teledramaturgia e sua posição política
Não se pode esquecer, entretanto, que os artistas que militavam na oposição ao regime
grosso modo, a grande maioria da classe artística eram, frequentemente, submetidos a uma
perseguição rigorosa e muitas vezes violenta por parte do aparato de repressão estatal; seja
através dos óros oficiais de censura e/ou da polícia política, seja através de ações não
oficiais, como as executadas por grupos paramilitares. As pressões eram exercidas contra os
artistas mesmo, ou sobre seus financiadores, empregadores, colaboradores.
23
Caetano afirma que “Se o tropicalismo se deveu em alguma medida a meus atos e minhas ideias,
temos então de considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme
Terra em transe, de Glauber Rocha, em minha temporada carioca de 66-7. (Veloso, 1997: 69).
Veloso. Apud, Ramos (2006: 99; 104-105; 116).
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Num contexto histórico no qual vigia uma ditadura que censurava todos os veículos de
comunicação, perseguia, torturava e até assassinava brasileiros que se opusessem ao regime
instaurado em 1964 é que se destaca o papel exercido pelos artistas envolvidos com
telenovela e, entre eles, os dramaturgos. Não é novidade que muitos temas proibidos de serem
abordados noutros formatos figuravam na teledramaturgia. Vale lembrar que os dramaturgos
tiveram uma importância decisiva nos avanços que a teledramaturgia alcançaria nos anos
1970, dado o papel que desempenharam na estrutura de todo o aparato que a telenovela
mobiliza.
No caso da telenovela, não se pode menosprezar a importância econômica que ela
representava nas e para as emissoras, tanto no aspecto dos altos lucros que aufeririam, quanto
ao fato de ampliarem a audiência. Outro elemento fortalece esse argumento: a partir de 1976 a
telenovela brasileira começa a ser exportada e converte-se em “produto” consumido pelo
mercado internacional. Assim, se de um lado, a teledramaturgia, não somente criticava, como
ironizava a realidade brasileira, mas, de outro, é fundamental reconhecer, as emissoras de
televisão não podiam prescindir das obras e dos autores, como Dias Gomes, mesmo que sua
tradição de militância política à esquerda pudesse, eventualmente, incomodar.
Nesse sentido, muitos pesquisadores que têm se debruçado sobre a cultura brasileira da
segunda metade do século enfatizam a importância que os trabalhos de artistas como
Oduvaldo, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha e Gianfrancesco Guarnieri citando os mais
conhecidos desempenharam na e para a construção da cultura popular, inclusive política do
Brasil, mesmo quando seu trabalho não tome a temática de forma explícita.
Da cultura de “elite” à cultura de “todos”: uma transição “oculta”
“As mobilizações bem-sucedidas não são necessariamente as que mobilizam maior número
de pessoas, mas as que atraem maior interesse entre os jornalistas. Exagerando apenas um
pouco, poder-se-ia dizer que cinqüenta sujeitos inteligentes que conseguem obter cinco
minutos na TV para um happening bem-sucedido podem produzir um efeito político
comparável ao de meio milhão de manifestantes.” Pierre Bourdieu e Hans Haacke; Apud.
Hobsbawm, 1995: 314
24
Ao encerrar este estudo pontual sobre a ditadura e suas relações com a televisão e a teleficção
é fundamental reconhecer que operavam-se transformações inusitadas no Brasil, cuja
centralidade recai sobre o meio de comunicação “televisão” e seus desdobramentos
socioculturais. O trecho acima oferece um testemunho categórico do papel que televisão
passou a ter nas sociedades ocidentais entre os anos 1960 e 1990, tema do capítulo de
Hobsbawm dedicado ao século XX. A maneira como o historiador recorre ao sociólogo para
apresentar o mesmo fenômeno “televisão” não poderia ser mais pertinente para abrir o debate
sobre a mudança paradigmática ocorrida na cultura brasileira nos anos 1970, auge da ditadura
civil-militar e encerrar este estudo. Sobretudo porque o trecho dialoga estritamente com o
processo brasileiro desse fenômeno que ganhou características diferentes, pois a censura
24
Trata-se da epígrafe que abre o capítulo 11, Revolução Cultural (Hobsbawm, 1995: 314-336) da
obra Free Exchange, de Pierre Bourdieu Pierre e Hans Haacke (1994).
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tornou os noticiários menos importantes que a teleficçação como se dizia na época e a
política passava por transformações estratégicas.
25
Ao darmos voz aos testemunhos de época a respeito do processo, tomando por foco a situação
cultural que se configurava por volta de meados dos anos 1970 no Brasil, podemos apreender
melhor como o processo se deu entre nós. Se buscarmos um aspecto mais preciso dessas
transformação e um de seus desdobramentos mais drásticos, como essa nova condição afeta
os intelectuais, talvez o processo se torne mais vívido. A obra de Carlos Guilherme Mota
(1977) parece servir muito bem a esse propósito, sendo ainda reveladora do incômodo de
todos esses intelectuais com a novidade, “televisão”.
O historiador buscava estabelecer as diretrizes que orientavam o desenvolvimento do
pensamento brasileiro ao longo do século XX. Seu objeto final era a década de 1960 e a
configuração que o ideário herdado daqueles anos vinha tomando até meados dos anos 1970.
Ao avaliar a condições dos intelectuais brasileiros, Mota cita uma matéria da revista Visão, de
11 de março de 1974 para concluir que naquele momento, no “plano universitário,
posições mais realistas que no período anterior.”
26
O argumento era que os intelectuais
brasileiros dos anos 1970 gozavam de posições mais realistas do que a de seus antecessores
pelo fato de as pesquisas terem ganhado, dos anos 1960 em diante, um caráter mais empirista,
aproximando-se mais da realidade concreta.
O historiador, no entanto, estava também às voltas com uma questão um tanto mais realista
que seus antecessores, mesmo porque, do ponto de vista histórico, as dúvidas que o
mitigavam jamais poderiam ocorrer noutra época. Tal como outros intelectuais, Mota também
refletia sobre a mudanças das práticas socioculturais e políticas, bem como os papéis que
desempenhariam os agentes sociais nesse novo contexto histórico no interior do qual emergia
a televisão. No entanto, o papel do intelectual em sociedades com características muito
peculiares como a brasileira, na qual os meios de comunicação se difundiam de maneira
desconhecida até então, seria diferente daquele de Hobsbawm ou Bourdieu, por exemplo. Era
preciso, pois, refletir sobre isso e encontrar respostas para as quais as nações desenvolvidas e
suas sociedades nem sequer consideravam como relevantes ou merecedoras de reflexão.
A referência à revista Visão servia à reflexão do historiador porque nela, a antropóloga Ruth
Cardoso tecia algumas observações sobre o impacto da expansão da televisão na sociedade
brasileira. Cardoso sugeria que uma das formas de enfrentar o fenômeno da televisão no
Brasil seria a expansão da rede de ensino. A antropóloga acreditava que a educação
promoveria uma transformação na recepção dos bens produzidos pelos meios de
comunicação, forjando-se, assim, uma situação na qual um olhar mais crítico sobre os meios
de comunicação e sua produção se consolidaria na sociedade.
Se a sugestão de Ruth Cardoso parece ter sido bem recebida por Mota, nem todas as opiniões
tiveram a mesma acolhida por parte do historiador, especialmente quando ela se refere ao
25
Ver sobre o tema Abdala Jr. (2021).
26
“A revolução aos dez anos”. Visão, “Cultura”. 11 de março de 1974, v.44. nº5: 155.
Roberto Abdala Junior
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papel social da universidade e dos intelectuais nesse novo contexto histórico. O historiador
argumenta, incisivo, que pode-se “concordar apenas em certa medida com a antropóloga,
quando afirma que a universidade perdeu seu papel de „fator criador da cultura brasileira‟”.
Segundo Mota,
“De fato, embora no período aqui focalizado 1969 a 1974 se tenha registrado a
eliminação dos quadros universitários de figuras de maior valor, [...], a produção científica e
cultural continua firme e empenhada em vários núcleos.” Mota, 1977: 261-262
Não obstante a precisão da sua análise a respeito da produção universitária que, privada de
quadros importantes perseguidos pela ditadura , foi capaz de manter seu dinamismo, o
argumento não parece ser robusto contraponto à opinião da antropóloga no que tange à
mudança do papel desempenhado pelo intelectual na sociedade brasileira. Mota,
curiosamente, concentra-se em demonstrar como a universidade continuava a pesquisar e a
produzir conhecimentos, como se, somente, pela manutenção da produção acadêmica a
instituição resgatasse o lugar social de “fator criador da cultura brasileira”. No entanto,
Cardoso se referia a outro aspecto, seu foco era a repercussão social que então outros atores
especialmente midiáticos - estavam conquistando, em detrimento aos intelectuais e à
universidade.
A seguir Mota formula uma argumentação para dar suporte a sua concordância “apenas em
certa medida” com a alegação de Ruth Cardoso. Ele enumera, então, uma série de trabalhos e
monografias para demonstrar que a universidade manteve sua capacidade de realização.
Talvez, imbuído de um último esforço “intelectual”, no sentido de não ver perdido o lugar
social do intelectual e o status conquistado pela universidade no seio da cultura brasileira em
anos anteriores, o historiador ainda acrescenta que tem sido produzido uma “razoável
quantidade de obras sobre movimentos sociais”. Mas, observa, com pesar, que estas
produções, muitas vezes rompem “com o alinhamento teórico dos autores progressistas
nacionais”. (Mota, 1977: 262)
O “diálogo” metaforicamente travado entre o historiador que busca manter o lugar social de
uma das instituições mais influentes na vida e na cultura nacionais até os anos 1960, com a
antropóloga que, resignadamente, reconhece as transformações operadas na sociedade,
converte-se em um testemunho ímpar de um dos momentos paradigmáticos mais importantes
da recente história cultural do país. O choque entre a busca nostálgica para restaurar o lugar
perdido dos intelectuais, lançada pelo olhar do historiador e a contundente constatação da
antropóloga sobre o desaparecimento da condição que eles gozavam outrora, alcança um
lirismo quase dramático. Enfim, abre um horizonte no qual é possível vislumbrar a mudança
que no papel central que a televisão e as telenovelas ganhavam na cultura brasileira.
O próprio Mota, na conclusão da obra, reconhece o difícil momento histórico que
atravessavam os intelectuais brasileiros nos anos 1970. Ao referir-se ao novo contexto que se
configurava, ele explica a situação em que o Brasil encontrava-se:
Roberto Abdala Junior
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“numa fase de domínio da mass-media, da dificuldade de redefinição do papel do intelectual
antiga', isto é, da pouca plasticidade para a redefinição de padrões de organização
'cultural' por parte dos remanescentes da ordem senhorial na sociedade de classes” Mota,
1977: 289.
Mota volta a atacar o elitismo acadêmico dos intelectuais brasileiros critica na qual ele não
estava
27
, destacando que restava-lhes perseguir uma outra definição para sua inserção
social que não podia mais ser identificada com a situação anterior. O momento histórico é de
transição e o que transparece neste “diálogo” é a angustiante situação na qual os intelectuais
brasileiros encontravam-se: experimentar uma profunda transformação cultural que eles não
podiam, senão, testemunhar. A nova dinâmica carregava uma mutação operada no seio da
cultura da sociedade brasileira de época, especialmente naquilo que se refere ao papel
exercido pelos intelectuais e pelos atores e agentes dos meios de comunicação.
As passagens de Mota e de sua “interlocutora” indicam, explicitamente, o “impasse” com o
qual estes atores históricos se defrontavam naquela ocasião. Mas, a seguir o historiador parece
reconhecer, de forma contundente e resignada, o processo em curso, ao afirmar: Os
impasses, em 1974, parecem ter alcançado um grau de clareza maior. A sensação de se viver
o fim de um ciclo cultural invade as diversas frentes de trabalho crítico(Mota, 1977: 281).
Ao articularmos os argumentos apresentados por todos os intelectuais nesse item conclusivo
torna-se evidente que o fenômeno televisão emerge como um problema que desafiava a todos.
Mas, se o fenômeno da telenovela repercutiu na cultura popular de tal forma que operou
mudanças de hábitos pessoais e sociais,
28
alterou processos de sociabilidade,
29
impactou
processo políticos e suas práticas, também deveria ter atraído a muita atenção como o cinema,
por exemplo. Isso não ocorreu por uma série de fatores, mas, o principal pode ser o fato de o
cinema ter ganho um significado mais robusto nas sociedades ocidentais desenvolvidas e as
obras de teleficção, contrariamente, mais impacto nas culturas das sociedades latino-
americanas. Independentemente das causas, é certo que passou da hora de os pesquisadores da
América Latina mudarem esse panorama e se dedicarem um pouco mais a um fenômeno
cultural cujos impactos em diversas dimensões socioculturais e políticas ainda são pouco
conhecidos.
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papel da minissérie “Anos rebeldes” na cultura histórica de brasileiros em 1992. Goiânia:
Editora Visão, 2021. E-book Kindle.
Abreu, Hugo. O outro lado do poder. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1979.
27
Daniel Pécaut (1990) aprofunda e generaliza a crítica ao elitismos dos intelectuais brasileiros em
suas práticas de pesquisa que Mota se restringe a indicar.
28
A revista Veja, (10/01/ 1975; nº 36), então o semanário de maior circulação no Brasil, trouxe em
sua capa atores das novelas sob o título “No país das telenovelas”. A matéria de capa, com título de
“A grande mania nacional”, ocupa nove páginas (70-79) abordando o tema. Isso oferece mais um
indício contundente de como o fenômeno da teleficção havia dominado a cultura popular no país em
meados da década de 1970, além de outros aspectos enumerados anteriormente.
29
Consultar Leal (1986) sobre o tema da televisão na vida das classes populares nos anos 1980.
Roberto Abdala Junior
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BIOGRAFIA
Dr. Roberto Abdala Junior
Professor na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás UFG. Leciona a
disciplina História Moderna I e II e História & narrativas audiovisuais na graduação em
História e nos programas de Pós-Graduação em História e em Performances Culturais da
UFG. Doutor em História (UFMG), pesquisa as formas pelas quais as narrativas audiovisuais
participam da construção de interpretações sobre o passado para seus públicos. Colabora com
o GUMELAB, do Instituto Latino-americano da Universidade Livre de Berlim.