
Roberto Abdala Junior
O BRASIL DA DITADURA, TELEVISÃO E A INVENÇÃO DA TELENOVELA
fica mais claro porque a emissora foi capaz de manter entre seus colaboradores, membros da
esquerda, sem ser muito molestada pelos ditadores.
Mais importante ainda é reconhecer que seu poder crescia na medida em que o poder e o
apoio social, conquistados pela ditadura, declinava. Assim, ao analisarmos o papel exercido
pela Rede Globo no Brasil ao longo da ditadura, é necessário reconhecer que muitas das
posições assumidas eram escolhas deliberadas dos proprietários, outras, eram frutos da sua
possibilidade de resistência aos achaques dos ditadores e apoiadores. Além disso, a empresa
que era então administrada de forma profissional, tinha a teleficção como seu produto mais
rentável, dado contábil que não é possível negligenciar numa tomada de decisões
empresariais. Noutra perspectiva, segundo Clark (1991), o incêndio que a emissora enfrentou
na filial de São Paulo (14/07/1969) permitiu que ela renovasse seu parque industrial,
recorrendo ao seguro que foi pago após o incidente. O incidente, indiretamente, contribuiu
para modernização tecnológica da empresa, contribuindo para consolidar seu poderio.
Outros aspectos ligados à produção da televisão também indicam transformações importantes,
especialmente no campo do jornalismo e da dramaturgia. No caso do telejornalismo, entre as
mudanças, aquelas que mais nos interessam, são, principalmente duas. A primeira está ligada
ao uso do videoteipe – tecnologia que permite copiar programas exibidos e, portanto,
distribuí-los a outras afiliadas e/ou comercializá-los – o que torna, progressivamente, os
noticiários cada vez mais “globais”, diminuindo a importância das notícias regionais e/ou
locais. No caso do jornalismo da TV Globo em particular, obedecendo às restrições impostas
pela censura, as notícias eram menos comentadas e, com o crescente uso das imagens, a
linguagem também foi se sofisticando progressivamente.
A TV Globo não era ainda a sombra do que viria a ser e sua teledramaturgia começava a dar
os primeiros passos em 1969, mas a emissora iniciou o primeiro noticiário brasileiro com
cobertura nacional, o Jornal Nacional e contava então com a mais famosa autora de novelas,
Janete Clair. Naquele mesmo ano, firmaria um contrato com Dias Gomes, um dos
dramaturgos brasileiros mais celebrados, premiado no teatro, no cinema e, também, um dos
artistas mais perseguidos pela censura.
A teledramaturgia, além de fazer a audiência de toda a emissora crescer, o lucro que ela
gerava em termos reais – custo/publicidade – sempre foi muito grande. Voltando ao caso da
Globo, certamente não foi sem motivo que a novela tornou-se sua principal atração nos anos
1970/1980. Assim, a partir de 1969 e por meio de um processo conjunto de consolidação
empresarial, ampliação da sua rede de afiliadas e conquista progressiva de audiência, a TV
Globo vai consolidar sua posição de liderança no setor audiovisual brasileiro (Ortiz et
al,1991: 81).
Sodré analisa a estratégia da TV Globo a fim de demonstrar como, em 1977, a empresa iria
tornar-se um “fenômeno único no mundo inteiro”, produzindo “75% da sua programação”,
convertendo-se em campeã de audiência no Brasil. Segundo ele, para alcançar essa situação a
Recorro às informações e análises de Ortiz (et al, 1991), Ramos (2004) e Borelli (2000).