
Simone Borges Camargo de Oliveira
INTERPRETAÇÕES DA HISTÓRIA DO LUGAR: GOIÂNIA, CASA ERUDITA E CASA
ORDINÁRIA
Narrativa da História regional
A historiografia goiana e a trajetória do fazer historiográfico se constituem por sua
diversidade e multiplicidade de contornos, no que tange ao processo de espacialização,
territorialização, fluxos econômicos, políticos, demográficos, culturais etc. Por um lado, a
historiografia de Goiás estabelece fronteiras, disputas e consensos que delimitam, mas, por
outro lado, se colocam como lugar de possibilidade de “seu ultrapassamento”, no que tange ao
“caráter” periférico e subalterno, vínculo estabelecido pelas elites estaduais, mas também
evidente na escrita historiográfica (Arrais, et al., 2018:12 a 15). Sobretudo, são atribuídos
outros contextos de significação que recriam o passado à luz do presente, agora não mais pelo
viés fixo da “tradição decadentista”, marcada pelo fim da mineração, ou pela resistência que
aguarda a chegada do moderno, ou, ademais, pela representação da ascensão e redenção rumo
ao progresso na década de 1930, com a construção da nova capital, Goiânia, dotada pelo viés
da nova “identidade moderna para Goiás”.
A narrativa histórica regional trilhou por muito tempo o caminho relacionado ao ciclo do ouro
e de sua decadência, consolidado pela visão eurocêntrica, dos viajantes europeus que por aqui
passaram no século XIX, e a escrita dos historiadores das primeiras décadas do século XX,
que preconizam a espera de um novo ciclo de progresso para o estado de Goiás. A crise
política e o golpe de 1930, atrelado às disputas oligárquicas, aos discursos de progresso
preconizados na Era Vargas, a propaganda da Marcha para Oeste, constroem os ideais
mudancistas, reforçam a imagem da decadência do atraso da cidade de Goiás, o velho, e o
progresso, a modernidade com a mudança e a construção da nova capital.
O historiador, Itami Campos analisa, em um dos seus textos, Mudança da Capital: uma
estratégia de poder (1980), a argumentação do interventor Dr. Pedro Ludovico Teixeira que,
logo ao chegar ao executivo estadual, utiliza seu saber médico como ferramenta de poder.
Nesse sentido, Campos observa que o interventor examina Goiás como um doente em toda a
sua composição, no que diz respeito ao trabalhador rural e às suas condições de vida
miseráveis; ao saneamento urbano e rural; ao que se refere à educação e às profissões; à
economia; à justiça e ao poder público. Além disso, postula de tal maneira a situação
decadente da cidade de Goiás que não se justifica mantê-la como capital do estado de Goiás.
Toda essa argumentação sustenta a estratégia do interventor, que se fundamenta na
problemática da saúde pública como justificativa para a transferência da capital de Goiás, e
reforça o mito do poder médico e da cura.
A ideia de “progresso – o manto que cobria a Velha Goiás”, seria um dos alicerces para a
nova capital, a “mola mestra da ideologia”, “coroamento” dos ideais expansionistas do
governo Vargas, por meio da Marcha para o Oeste. Nesse sentido, o autor observa que a
criação de Goiânia é vista como uma grande conquista da era Vargas, pois a cidade “seria a
própria antítese de Goiás”; é um significativo reflexo da política varguista e de seus
apoiadores, uma vez que, aliando a ideologia do progresso ao nacionalismo, caminha para a
centralização do poder no país. A cidade de Goiânia passa a ser observada de maneira utópica,
própria do contexto nacional que acabara de vivenciar a “Revolução de 1930”. Assim, tem-se