Simone Borges Camargo de Oliveira
INTERPRETAÇÕES DA HISTÓRIA DO LUGAR: GOIÂNIA, CASA ERUDITA E CASA
ORDINÁRIA
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INTERPRETAÇÕES DA HISTÓRIA DO LUGAR: GOIÂNIA, CASA ERUDITA E
CASA ORDINÁRIA.
INTERPRETACIONES DE LA HISTORIA DEL LUGAR: GOIÂNIA, VIVENDA
ERUDITA Y VIVIENDA ORDINARIA
INTERPRETATIONS OF THE HISTORY OF THE PLACE: GOIÂNIA, ERUDITE
HOUSE AND ORDINARY HOUSE.
Oliveira, Simone Borges Camargo de
1
Universidade Federal de Goiás, Brasil
simoneborges.arq@gmail.com
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar algumas das questões levantadas pela pesquisa da
minha tese de doutorado, em andamento, do Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal de Goiás Brasil , apresentada no exame de qualificação. Tem como
objeto a leitura de indícios sobre a cidade de Goiânia, projetada nos moldes conceituais de
cidade moderna planejada para ser a capital do Estado de Goiás em 1933, e se fundamenta na
hipótese da cidade como lugar de segregação social e espacial urbana, desde a sua fundação,
mediante o estudo do objeto casa, do “morar ordinário” do “homem comum” e do morar
erudito “qualificado”. Nesse sentido, procuro identificar os diversos grupos sociais os
lugares de ocupação das casas comuns “ordinárias” e das casas eruditas, na cidade segregada
cidade informal e na cidade planejada cidade formal, entre as décadas de 1930 a 1950. A
escrita narrativa percorre o processo de desconstrução da historiografia oficial goianiense,
para re-construir diferentes perspectivas e interpretações dos fragmentos, das imagens do
passado e à luz do presente. Este artigo aborda de forma breve os modelos iniciais de casas
residenciais, destinadas aos funcionários do Governo de Goiás, que adquirem a terminologia
peculiar “Casas-Tipo”; explana sobre as manifestações das linguagens estéticas
arquitetônicas, que representam o morar erudito “qualificado” e as casas dos operários,
expressão do “morar ordinário” do “homem comum”, que coexistem no tempo e no espaço da
construção de Goiânia. Um lugar que pode demonstrar as relações simbólicas e culturais
como lugar de embate, de apagamento da memória cultural patrimonial.
Palavras chave:
Cidade Moderna, Casa Erudita, Casa Ordinária, Usos da Memória, Goiânia.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, Brasil. Linha de
pesquisa: Ideias, saberes e escritas da (e na) história. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8588488977377568. Parte
deste artigo foi apresentado no exame de qualificação do PPGH-UFG Brasil. O trabalho foi realizado com
apoio da bolsa de doutorado, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, n° chamada/
ano: 07/2018 CAPES/FAPEG.
Simone Borges Camargo de Oliveira
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Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar algunas de las preguntas suscitadas por la
investigación de mi tesis doctoral, en curso, del Programa de Posgrado en Historia en la
Universidad Federal de Goiás - Brasil -, presentada en el panel de calificación. Tiene por
objeto la lectura de evidencias sobre la ciudad de Goiânia, proyectada en los moldes
conceptuales de una ciudad moderna proyectada para ser la capital del Estado de Goiás en
1933, y se basa en la hipótesis de la ciudad como lugar de segregación social y espacial, desde
su fundación, a través del estudio de la casa objeto, de la “habitación ordinaria” del “hombre
común” y de la vivienda erudita “cualificada”. En este sentido, trato de identificar los
diferentes grupos sociales - los lugares de ocupación de las casas comunes "ordinarias" y las
viviendas eruditas, en la ciudad segregada - ciudad informal y en la ciudad planificada -
ciudad formal, entre las décadas de 1930 y 1950. La escritura narrativa pasa por el proceso de
deconstrucción de la historiografía oficial de Goiás, para reconstruir diferentes perspectivas e
interpretaciones de los fragmentos, de las imágenes del pasado ya la luz del presente. Este
artículo aborda brevemente los modelos iniciales de viviendas, destinados a los empleados del
Gobierno de Goiás, que adquieren la peculiar terminología “Tipo Casas”; explica sobre las
manifestaciones de los lenguajes estéticos arquitectónicos, que representan el habitar erudito
“calificado” y las viviendas de los trabajadores, expresión de la “habitación ordinaria” del
“hombre común”, que conviven en el tiempo y en el espacio de la construcción de Goiania.
Un lugar que pueda evidenciar relaciones simbólicas y culturales como lugar de choque, de
borrado de la memoria patrimonial cultural.
Palabras clave:
Ciudad Moderna, Vivienda Erudita, Vivienda Común, Usos de la Memoria,
Goiânia.
Abstract
This article aims to present some of the questions raised by my doctoral research in progress,
from the Postgraduate Program in History of the Federal University of Goiás Brazil. It has
as goal the reading of evidence about the city of Goiânia, projected in the conceptual molds of
a modern city planned to be the capital of the State of Goiás in 1933, and it is based on the
hypothesis of the city as a place of urban social and spatial segregation, since the its
foundation, through the study of the house object, of the “ordinary dwelling” of the “common
man” and of the “qualified” erudite dwelling. Hence, I try to identify the different social
groups - the places of occupation of the "ordinary" common houses and the erudite houses, in
the segregated city - informal city and in the planned city - formal city, between the 1930s and
1950s. The writing goes through the process of deconstruction of the official historiography
of Goiás, to re-construct different perspectives and interpretations of the fragments, of the
images of the past and in the light of the present. This article briefly discusses the initial
models of residential houses, intended for employees of the Government of Goiás, who
acquire the peculiar terminology “Casas-Tipo”; explains about the manifestations of
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architectural aesthetic languages, which represent the “qualified” erudite living and the
workers’ houses, an expression of the “ordinary living” of the “common man”, which coexist
in time and in the space of the construction of Goiânia. A place that can demonstrate symbolic
and cultural relations as a place of clash, of erasure of the cultural heritage memory.
Keywords:
Modern City, Erudite House, Ordinary House, Uses of Memory, Goiânia.
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Introdução
A cidade é, em si, um lugar de experiência, dentro dela tudo se esconde e se revela, é
território de disputa de fronteiras visíveis e invisíveis. Muito além do dualismo simplista, a
cidade na história e a história da cidade tem, em potência no seu tempo presente, rios
passados e possibilidades de vários futuros. As “experiências” dos habitantes na cidade abrem
inúmeras e significativas experiências, caminhos de pesquisa, de escuta. Além do mais, “a
cidade como um território de dobras” no espaço-tempo é lugar de subjetividade
(subjetivação), complexidade, instabilidade, tensão e incerteza pontos e superfícies
entrelaçadas que se cruzam e voltam a se cruzar, em vórtice.
A tese proposta ao PPGH-UFG, tem como objeto de reflexão a “casa”, a “morada”, o
“habitar” morar ordinário do homem comum e morar erudito “qualificado” na cidade de
Goiânia. O município de Goiânia, está localizado na região Centro Oeste do Brasil, dentro da
mesorregião do estado de Goiás. O recorte temporal está localizado entre as décadas de 1930
e 1950, bem como em alguns estudos de caso até o tempo presente, 2021. O tema é
desenvolvido pelo prisma dos conceitos de moderno e modernidade, investiga os discursos
regionais e nacionais para a mudança da “antiga capital” e a construção da “nova capital” de
Goiás nos moldes da urbanística e arquitetura modernas, as várias relações existentes e
relacionadas ao processo desenvolvimentista da construção da identidade nacional, o golpe de
estado de 1930, a produção e o financiamento de moradias populares na Era Vargas (1930-
1945), até a construção de Brasília, em 1960.
Na “origem” da implementação do projeto urbanístico do arquiteto e urbanista Attilio Corrêa
Lima (1933-1935), para a cidade de Goiânia, se configuraram diferenciações de ordens social
e habitacional que apontam para a segregação espacial urbana. Por este viés, a cidade desde
seu plano diretivo, se ergue também, dessa luta contra a precariedade, dividida, por
desigualdades que perduram até nossos dias. Os discursos da historiografia de Goiânia,
trazem à tona, pontos coincidentes e/ou dissonantes de ideias e disputas pelo lugar (sua posse
e permanência), identificadores ou criadores de identidades locais, identidades produzidas,
forjadas em origens diversas. Apontam para uma multiplicidade de identidades possíveis no
mesmo lugar, ou não lugares. Nesse sentido, o morar erudito e o morar ordinário, são um
encaminhamento ou um recorte em que as moradias são complementares de um mesmo real,
da cidade moderna planejada de Goiânia, como lugar de segregação desde sua fundação.
Este artigo aborda de forma breve os modelos iniciais de casas residenciais, destinadas aos
funcionários do Governo de Goiás, que adquirem a terminologia peculiar “Casas-Tipo”;
explana sobre as manifestações das linguagens estéticas arquitetônicas, que representam o
morar erudito “qualificado” e as casas dos operários, expressão do “morar ordinário” do
“homem comum”, que coexistem no tempo e no espaço da construção de Goiânia. Um lugar
que pode demonstrar as relações simbólicas e culturais como lugar de embate, de apagamento
da memória cultural patrimonial.
Simone Borges Camargo de Oliveira
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Narrativa da História regional
A historiografia goiana e a trajetória do fazer historiográfico se constituem por sua
diversidade e multiplicidade de contornos, no que tange ao processo de espacialização,
territorialização, fluxos econômicos, políticos, demográficos, culturais etc. Por um lado, a
historiografia de Goiás estabelece fronteiras, disputas e consensos que delimitam, mas, por
outro lado, se colocam como lugar de possibilidade de “seu ultrapassamento”, no que tange ao
“caráter” periférico e subalterno, vínculo estabelecido pelas elites estaduais, mas também
evidente na escrita historiográfica (Arrais, et al., 2018:12 a 15). Sobretudo, são atribuídos
outros contextos de significação que recriam o passado à luz do presente, agora não mais pelo
viés fixo da “tradição decadentista”, marcada pelo fim da mineração, ou pela resistência que
aguarda a chegada do moderno, ou, ademais, pela representação da ascensão e redenção rumo
ao progresso na década de 1930, com a construção da nova capital, Goiânia, dotada pelo viés
da nova “identidade moderna para Goiás”.
A narrativa histórica regional trilhou por muito tempo o caminho relacionado ao ciclo do ouro
e de sua decadência, consolidado pela visão eurocêntrica, dos viajantes europeus que por aqui
passaram no século XIX, e a escrita dos historiadores das primeiras décadas do século XX,
que preconizam a espera de um novo ciclo de progresso para o estado de Goiás. A crise
política e o golpe de 1930, atrelado às disputas oligárquicas, aos discursos de progresso
preconizados na Era Vargas, a propaganda da Marcha para Oeste, constroem os ideais
mudancistas, reforçam a imagem da decadência do atraso da cidade de Goiás, o velho, e o
progresso, a modernidade com a mudança e a construção da nova capital.
O historiador, Itami Campos analisa, em um dos seus textos, Mudança da Capital: uma
estratégia de poder (1980), a argumentação do interventor Dr. Pedro Ludovico Teixeira que,
logo ao chegar ao executivo estadual, utiliza seu saber médico como ferramenta de poder.
Nesse sentido, Campos observa que o interventor examina Goiás como um doente em toda a
sua composição, no que diz respeito ao trabalhador rural e às suas condições de vida
miseráveis; ao saneamento urbano e rural; ao que se refere à educação e às profissões; à
economia; à justiça e ao poder público. Além disso, postula de tal maneira a situação
decadente da cidade de Goiás que não se justifica mantê-la como capital do estado de Goiás.
Toda essa argumentação sustenta a estratégia do interventor, que se fundamenta na
problemática da saúde pública como justificativa para a transferência da capital de Goiás, e
reforça o mito do poder médico e da cura.
A ideia de “progresso o manto que cobria a Velha Goiás”, seria um dos alicerces para a
nova capital, a “mola mestra da ideologia”, coroamento” dos ideais expansionistas do
governo Vargas, por meio da Marcha para o Oeste. Nesse sentido, o autor observa que a
criação de Goiânia é vista como uma grande conquista da era Vargas, pois a cidade “seria a
própria antítese de Goiás”; é um significativo reflexo da política varguista e de seus
apoiadores, uma vez que, aliando a ideologia do progresso ao nacionalismo, caminha para a
centralização do poder no país. A cidade de Goiânia passa a ser observada de maneira utópica,
própria do contexto nacional que acabara de vivenciar a “Revolução de 1930”. Assim, tem-se
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a visão de que essa transformação trará uma nova vida e um novo tempo (Chaul, 1999:83 a
85).
Segundo Chaul, no livro A construção de Goiânia e a transferência da capital (1999), a
historiografia oficial praticamente limita sua referência aos construtores da capital goiana
como
sendo a estes nomes: Pedro Ludovico Teixeira, idealizador e fundador de Goiânia; Attilio
Correia Lima e Armando Augusto de Godoy elaboraram o projeto arquitetônico da cidade; os
irmãos Abelardo e Jerônimo Coimbra Bueno foram os construtores da cidade. Na verdade, os
construtores de Goiânia foram mais de quatro mil anônimos que, vindos do interior do estado,
de Minas, de São Paulo e do Nordeste, alojados em ranchos de capim e em casinhas de
madeira, recebendo “vales” no fim do mês, trabalharam duramente e construíram uma cidade
que passou a ser símbolo do dinamismo de um Estado que até então se duvidava existir.
Na visão de Chaul (1999), a cidade de Goiânia teve sua construção baseada na exploração da
penúria do operário, que era a forma de se obter mais lucro com a construção, além de fazer
com que esse trabalho se tornasse para ele uma prisão, que não teria outra opção de renda
devido à miséria. Nesse contexto, a Superintendência de Obras recebeu aproximadamente
quatro mil trabalhadores, número que varia de acordo com a oferta financeira do estado. Além
disso, o autor ressalta que essa situação de exploração levou à realização de algumas greves e
agitações entre os anos de 1935 e 1936 (Chaul, 1999:113).
A cidade
A cidade de Goiânia teve entre 1933 a 1938 três planos urbanísticos. O primeiro plano de
1933-1935 do arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima, o segundo plano de 1936 do
engenheiro Armando Augusto de Godoy e o terceiro plano, Decreto-lei 90-a, de 1938,
realizado pela empresa Coimbra Bueno.
Para a realização do plano urbanístico da nova capital, o interventor Pedro Ludovico Teixeira,
primeiramente, convida Alfred Agache, no entanto, Agache não realiza o plano da nova
capital de Goiás. Nesse sentido, em 1932, o interventor convida o arquiteto e urbanista Attilio
Corrêa Lima para realizar a concepção do projeto da cidade e, em 1933, Attilio é contratado.
As diretrizes norteadoras da proposição para Goiânia refletem a formação técnica ligada ao
urbanismo moderno racional. O traçado utiliza o princípio de zoneamento (zoning), com
grandes vias de circulação, e prevê parques lineares e áreas verdes como reservas ambientais
(Oliveira, 2016:43).
O primeiro plano urbano de 1933-1935 (Figura 1), é dividido por cinco setores, parques
lineares e áreas verdes, como reservas ambientais (Bosque dos Buritis, jardins nas avenidas
principais e ruas), Aeródromo, Estação Ferroviária e menção a Campinas. O zoneamento
define as atividades e funções de todos os setores e subsetores. O Setor Central apresenta
traçado radiocêntrico, de onde irradiam as Avenidas: Goiás (antiga Avenida Pedro Ludovico),
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Tocantins e Araguaia. O setor é destinado ao Centro Cívico, às atividades administrativas,
comerciais, de serviços e residenciais (Casas-tipo), para funcionários do governo e população
de “classes A e B”
2
.
Para quem se destina à cidade moderna, hierarquizada e higienizada, neste sentido, é o
primeiro setor a receber infraestrutura urbana. Como parte do traçado do Setor Central, a
Avenida Anhanguera, local de comércio, é o principal eixo de comunicação que corta a
cidade de leste a oeste.
Figura 01: Plano Diretor de Goiânia, autoria de Attilio Corrêa Lima, 1933-1935.
Fonte: Attilio Corrêa Lima, 1937; Tania Daher, 2003:134.
Representação esquemática da imagem: Simone B.C. de Oliveira, 2020.
O Setor Norte, de traçado mais regular, abriga a Zona Industrial, as “moradias operárias”,
modelo (casa popular) para a “população de classe C”, que possuem parcelas fundiárias
menores em relação ao Setor Central. Logo abaixo desta zona está localizada a área destinada
à Estação Ferroviária. O Setor Norte fica abaixo da Avenida Paranaíba, destinada a um
zoneamento misto de serviços comércio e residências , via de distribuição e circulação, um
2
“Classe A, a que detém os maiores recursos econômicos e é formada por grandes empresários, profissionais
liberais, grandes comerciantes e fazendeiros, sem excluir a classe dos políticos. A classe B é formada pela classe
média de pequenos comerciantes, funcionários públicos bem situados e profissionais liberais sem grandes
recursos financeiros. A classe C é formada pelos empregados do comércio, operários e profissionais do nível
médio. A classe D é formada pela população desempregada, sem registro de trabalho, sem formação profissional,
que sobrevive do trabalho ocasional e não tem praticamente nenhuma assistência do poder público.” (Daher,
2003: 260).
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divisor de atividades, mas também um marco urbano” de segregação social. Durante muito
tempo, o Setor Norte foi conhecido como Bairro Popular e depois foi incorporado ao Núcleo
Pioneiro Central da cidade.
O Setor Sul tem um traçado regular destinado a habitações. A Zona Leste é delimitada pelas
margens do Córrego do Botafogo e a Zona Oeste, pelo Bosque dos Buritis e Córrego Capim
Puba, área reservada para habitação. É no Setor Leste que as primeiras casas de Goiânia são
construídas, às margens do Córrego Botafogo. São casas comuns “ordinárias”, edificadas
pelos trabalhadores imigrantes de todas as partes do país, que chegam em busca de novas
oportunidades de vida.
À margem do plano moderno de Attilio, a partir de 1934, se ergue a cidade informal, onde os
ranchos, barracões e casebres são construídos com técnicas vernaculares (populares), do
período colonial brasileiro, de taipa e de tijolos de adobe, cobertas com palha de buriti, capim
e telhas de barro. O lugar não possui a nima infraestrutura urbana e a locação das
habitações é feita ao longo das margens do Córrego Botafogo, de forma gregária e aleatória.
“Em novembro de 1934, o Interventor Federal em Goiás, Pedro
Ludovico, aprovou a proposta da empresa Coimbra Bueno & Pena
Chaves Ltda. Para assumir a direção geral das obras. O objeto do
contrato era o mesmo estabelecido no segundo contrato com a firma
P. Antunes Ribeiro & Cia., de Corrêa Lima. Os Coimbra Bueno
tiveram interesse em afastar Attilio Corrêa Lima da execução das
obras, uma vez que eles planejavam toma-la para a sua gerência com
fins políticos e financeiros.”
Diniz, 2007:184
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Figura 2 - Plano de Goiânia, autoria Armando Augusto de Godoy. 1936
Fonte: FGV/ CPDOC, 492 Arquivo: Gustavo Capanema.
Representação esquemática da imagem: Simone B.C. de Oliveira, 2020.
Logo em 1935, o Interventor Dr. Pedro Ludovico Teixeira, “rompe” o contrato com Attilio e
os irmãos Coimbra Bueno convidam, em 1936, o engenheiro Armando Augusto de Godoy
para reformulação do plano da cidade (Figura 2). Nesse sentido, o discurso oficial era
“vender” a nova capital, Goiânia, como cidade moderna, lugar atrativo, “bom” para se viver,
lugar de constituir família e ter progresso de vida, uma grande oportunidade. Várias
propagandas são realizadas nos jornais de São Paulo, difundindo esta estratégia.
Segundo Daher (2003:164), Godoy desenha o novo projeto circundando o espaço urbano por
um cinturão verde vale ressaltar que esta proposta foi feita anteriormente por Attilio, mas
com outros objetivos. Modifica completamente o Setor Sul, cria a Praça do Cruzeiro, como
um segundo centro da cidade, de onde se irradiam quatro avenidas. O plano concebido foi
orientado pelo conceito de cidade-jardim. Conservou o traçado do Setor Norte e do Setor
Central, modifica e acrescenta alguns usos e funções do plano de Attilio.
O terceiro plano de urbanização de Goiânia (Figura 3), Decreto-lei 90-a, de 1938, foi
realizado pelos irmãos engenheiros Jerônimo Coimbra Bueno e Abelardo Coimbra Bueno,
proprietários da empresa Coimbra Bueno & Cia Ltda. Sua característica geral conserva a
divisão setorial e o plano radial proposto Attilio; incorpora o projeto modificado do Setor Sul
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de Godoy, acrescenta o Setor Coimbra como expansão de Campinas e muda usos das quadras
em alguns setores.
“Altera o traçado das Zonas Comercial e de Diversão da região
central da nova capital. Com a redução dessas zonas,
consequentemente foram acrescidos 535 lotes residenciais. [...]
eliminadas as áreas do Parque Paineira, reduzidas as extensões do
Bosque dos Buritis, onde áreas públicas foram loteadas.
.Diniz, 2007:199
Figura 03 Plano de urbanização de Goiânia, Decreto 90-A, de 1938, Setor Sul modificado e Setor Coimbra
como expansão de Campinas. Fonte: Alvares, 1942; Daher, 2003:200. Representação esquemática da imagem:
Simone B.C. de Oliveira, 2021.
Segundo Daher (2003:259 a 261), os planos diretores de Attilio, Godoy e dos Irmãos Coimbra
Bueno, bem como a forma de planejamento político-administrativo, foram responsáveis pelo
tipo de ocupação da cidade. A classe A e B no Setor Central, Sul e Oeste a classe C nas
proximidades da Zona Industrial, e a classe D, às margens do Córrego Botafogo e Capim
Puba, local que não aparece como ocupação em nenhum dos projetos.
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Os primeiras edificações eruditas e ordinárias
Os primeiros edifícios de arquitetura erudita, construídos na cidade pela firma Coimbra Bueno
& Cia, são destinados a abrigar repartições da administração pública, estabelecimentos
comerciais e as casas tipo funcionários modelo especiais e algumas casas modelo para
operário “casas operárias“.
Os edifícios públicos e comerciais, são localizados no Setor Central, como o Palácio do
Governo, na Praça Cívica (Figura 4); Grande Hotel, na Avenida Goiás (Figura 5); Prefeitura
de Goiânia, na Avenida Anhanguera esquina com a Avenida Araguaia (Figura 7); Correios e
Telégrafos, na Rua 03 esquina com a Avenida Araguaia (Figura 7), seguem a corrente estética
do art déco, utilizada em quase todo o território brasileiro entre 1930 e 1940.
As casas tipo funcionários modelo especiais (Casas-tipo)
3
, se localizam na quadra da Rua 20
no Setor Central, (Figura 6). As “casas eruditas”, modelo especiais e as casas dos grupos
sociais mais abastados, que Daher classifica como as classes A e B, são projetadas de acordo
com imagem e narrativas das casas que circulavam nas revistas da época, como no final da
Revista Acrópole, em que se apresentavam projetos-modelo. A maioria em linguagem
arquitetônica eclética
4
como: o neocolonial, o normando, missões e o bungallow, mas
também casas com elementos estéticos do art déco. Era uma maneira de “ensinar” o usuário a
se adaptar aos novos modos do morar moderno funcionalista, principalmente no que se refere
às práticas relacionadas à saúde, que transformam a concepção espacial e funcional da casa.
Algumas casas modelo para operário “casas operárias”, (Figura 10) são construídas, abaixo da
Avenida Paranaíba, na Rua 71, no Bairro Popular-Setor Norte. Possuem um dou dois
dormitórios, sala, banheiro cozinha e varanda.
3
“Foram construídas 10 casas-tipo, de preços variáveis para servirem de modelos às construções residenciais de
Goiânia. Naturalmente para servirem de modelo, tiveram um acabamento acima do nível médio de construções
estimável para a cidade e incomparavelmente acima de quaisquer construções do Estado. [...]. Seria inteiramente
absurdo tomar-se como termo de comparação para se estabelecer o nível higiênico e arquitetônico das
construções daqui, os prédios construídos até então no Estado. [...].” (Monteiro, 1938:469).
4
O ecletismo propriamente dito manifestava-se em dois partidos principais. Os chamados ecletismo tipológico
ou Historicismo Tipológico, na terminologia de Luciano Patetta e ecletismo sintético. O primeiro correspondia
à eleição entre os vários estilos da melhor solução para cada tipologia de edifício, já o segundo, combinava
elementos de vários estilos em um único edifício, visando o aperfeiçoamento destes mesmos estilos. (Alencar,
2010:17 a 18).
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Figura 4 Praça Cívica, Palácio do Governo, 1937.
Fonte: Acervo da Biblioteca da Secretaria de Planejamento,
Prefeitura de Goiânia.
Figura 5 Grande Hotel, 1939.
Fonte: Acervo da Biblioteca da Secretaria de Planejamento,
Prefeitura de Goiânia.
Figura 6 Vista Aérea do Primeiro Grupo de
Casas para Funcionários Tipo Especiais,
Rua 20, década de 1930. Fonte: Acervo MIS | GO.
Figura 8 Vista Aérea do Traçado Urbano de Goiânia,
década de 1930. Foto: Autor Desconhecido.
Fonte: Acervo MIS|GO 02747-036. Representação
esquemática da imagem: Simone B.C. de Oliveira.
Figura 7 Em primeiro plano, sede da Prefeitura,
(Av. Anhanguera esq. Av. Araguaia).
Ao fundo, Edifício Agência dos Correios e
Telégrafos (rua 3 esq. com Av. Araguaia).
Foto: Eduardo Bilemjian. Fonte: Acervo MUZA|GO.
Figura 9 Casas e casebres nas Margens
do Córrego Botafogo, década de 1930.
Foto: Alois Feichtenberger.
Fonte: Acervo MIS | GO. AF1705(2).
Figura 10 Casas Tipo Populares,
rua 71, Bairro Popular, Setor Norte,
década de 1930. Fonte: Acervo
Biblioteca da Secretaria de
Planejamento, Prefeitura de Goiânia.
Figura 11 Casas de madeira. Em
último plano, casa sede provisória
da Prefeitura, década de 1930.
Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Acervo MIS|GO
MIS00967.
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INTERPRETAÇÕES DA HISTÓRIA DO LUGAR: GOIÂNIA, CASA ERUDITA E CASA
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Enquanto as edificações definitivas destinadas às sedes de governo e funcionários mais
“ilustres” estavam em construção, para os funcionários mais graduados são construídas às
pressas, nas margens do Córrego Botafogo, em Goiânia 1933/1936, seis casas de madeira
(Figura 11), para abrigar a sede provisória da Prefeitura de Goiânia, a Secretaria Geral, o
escritório dos Coimbra Bueno e os alojamentos provisórios, para funcionários mais
graduados, como o arquiteto Attilio Corrêa Lima. Para os funcionários menos graduados são
construídos alguns poucos alojamentos conjuntos.
A grande parte da população migrante operária constrói casas comuns, “casas ordinárias”, a
partir de técnicas e saberes populares, vernaculares. Ranchos, casas de taipa, adobe e tábua,
cobertas de palha e/ou telha cerâmica, construídas na década de 1930, nas margens do
Córrego Botafogo (Figura 9), pelos primeiros habitantes da cidade de Goiânia. Nesse sentido
a pesquisa considera que são as primeiras casas a serem erguidas na capital de Goiás.
“[...] os primeiros habitantes de fato fizeram suas casas de pau-a-
pique e palha às margens do córrego Botafogo, fonte de água
potável. [...]. Nesse primeiro momento de ocupação, havia [...] uma
identificação da paisagem aí observada com o mundo rural.”
Lima Filho, et al., 2007:249 a 250
“[...] situado ás nascentes do córrego Botafôgo, em cujas margens
foram surgindo, aqui e ali, as primeiras habitações dos operários,
casinhas de tábuas, ranchos cobertos de sapé. “A preocupação
maxima, na ocasião, foi de conseguir alojamêntos ao operariado:
Figura 12 Vista Panorâmica, margem Córrego do Botafogo.
Goiânia - GO. Foto: Autor Desconhecido.
Fonte: Acervo MIS | GO. MPL340.
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ranchos de capim, casinhas de madeira, barracões de depositas, e
tudo o mais foi improvisado, com a incentivação das obras.”
(Alves, 1942:70 a 97)
Importante notar na que todas essas edificações citadas acima estão sendo edificadas ao
mesmo tempo em locais diferentes, e em situações, formas, materiais, e tipos de edificações
distintos que localizam o grupo social a que pertencem dentro do território, na cidade formal e
informal; território de disputa de fronteiras visíveis e invisíveis (Figura 8).
Afinal, o que são as “casas-tipo”?
A narrativa da historiografia da arquitetura da cidade de Goiânia refere-se às primeiras
residências “eruditas” edificadas na cidade, com a expressão ou termo, “casas-tipo”. O que
seriam as casas-tipo? De onde vem esta terminologia? “Casas-tipo” é uma tipologia
arquitetônica?
Como pressuposto teórico, início a pesquisa pelo conceito arquitetônico de “tipo” “O tipo
arquitetônico é o princípio que regula as modificações e a chave para a legibilidade do
público, pois é por ele que se imprime o “caráter distintivo” aos edifícios.” (Pereira, 2010:68).
Desse modo, a tipologia da casa é identificada pelo seu tipo e por suas características,
programas, atributos formais e tipologias.
Nos livros escritos sobre a construção de Goiânia especialmente em Monteiro (1938), Alvares
(1942) e em alguns documentos, listagens que denominam os tipos de casas a serem
construídas na década de trinta. O padrão de lote, definido inicialmente por Attilio com “área
mínima de 360 metros quadrados e uma testada nunca inferior a 12 metros” (Monteiro, 1938:
146), além do programa de especificação e descrição de materiais de construção, método
construtivo, etc.
As primeiras referências encontradas, pela pesquisa, sobre a edificação de casas para a nova
capital não mencionam o termo “casas-tipo”, como demostrado na entrevista concedida pelo
interventor Pedro Ludovico Teixeira ao jornal Diário da Noite, em de novembro de 1932,
intitulada: “O Estado de Goiás construirá em 1933 a sua nova capital”, “Antes de tudo, é
preciso notar que vamos iniciar uma obra modesta.” (Monteiro, 1938: 30).
A referência às “casas-tipo” está no relatório do contrato de 15 de novembro de 1935, da
Diretoria da Fazenda do Estado de Goiás. Logo no início do texto há menção ao termo.
A primeira referência às “casas-tipo” está no relatório do contrato de 15 de novembro de
1935, da Diretoria da Fazenda do Estado de Goiás. Logo no início do texto menção ao
termo.
Simone Borges Camargo de Oliveira
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“Estando adiantados os serviços de construção do palácio, secretaria
geral, e hotel, cuidou o governo de construir casas-tipo para
funcionários. [...] assina o Snr. Atilio Corrêa Lima, socio da firma P.
Antunes Ribeiro e Comp., para construcção de dez casas-tipo,
destinadas a residencia de funcionarios do Estado, na nova capital,
em construção.”
Monteiro, 1938:130
Quadro 1 Quadro-síntese: “casa tipo” para funcionários e operários
PROGRAMA ARQUITETÔNICO
1 pavimento.
Casas Funcionário 3Q
3 dormitórios, 2 salas, 1 banheiro, copa, cozinha e varanda; com grandes áreas e varandas
tomando toda a frente do edifício. (Monteiro, 1938:472)
2 pavimentos.
Casas Funcionário 4Q
4 dormitórios, 2 salas, 2 dois banheiros, um para família e outro para empregados, copa,
cozinha, varanda e terraço. Sede do Palácio Provisório. (Monteiro, 1938:472)
2 pavimentos.
Casas Funcionário 3Q
3 dormitórios, 2 salas, 1 banheiro, cozinha, varanda e dispensa.
Com uma grande garagem; 2 quartos, 1 sala, 1 banheiro para empregados, garagem em
dois pavimentos e no mesmo estilo do edifício. Residência do Governador. (Monteiro,
1938:472)
1 pavimento.
Casas Funcionário 3Q
3 dormitórios, 2 salas, 1 banheiro, copa, cozinha e varanda; com grandes áreas e varandas
tomando toda a frente do edifício. (Monteiro, 1938:472)
2 pavimentos.
Casas Funcionário 4Q
4 dormitórios, 2 salas, 2 dois banheiros, um para família e outro para empregados, copa,
cozinha, varanda e terraço. (Monteiro, 1938, p. 472)
2 pavimentos.
Casas Funcionário 5Q
5 dormitórios, 2 salas, copa, cozinha, banheiro, uma garagem. Apartamento de
empregados anexo, 1 quarto com guarda-roupa embutido e 1 banheiro. Escritório Central
da Superintendência de Obras de Goiânia. (Monteiro, 1938:472 a 473)
1 pavimento.
Simone Borges Camargo de Oliveira
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Casa Operária 2Q
2 dormitórios, 1 sala, 1 banheiro, cozinha e varanda. (Monteiro, 1938:472)
1 pavimento.
Casa Operária 2Q
2 dormitórios, 1 sala, 1 banheiro, cozinha e varanda. (Monteiro, 1938:472)
1 pavimento.
Casas Funcionário 4Q
4 dormitórios, 2 salas, biblioteca, copa, cozinha, 1 banheiro, quarto de empregados, 1
banheiro de empregado e garagem num só bloco destacado com quarto de chofer anexo.
(Monteiro, 1938:472 a 473)
1 pavimento.
Casas Funcionário 2Q
2 dormitórios, 2 salas, 2 dois banheiros, um para família e outro para empregados,
cozinha e varanda. (Monteiro, 1938:472)
Fonte: Livro Como nasceu Goiânia, de Ofélia Socrates do Nascimento, 1938.
A palavra tipo, designada no relatório do contrato de 15 de novembro de 1935, da Diretoria da
Fazenda do Estado de Goiás em Monteiro (1938) e Alves (1942), refere-se a um modelo a ser
seguido e não a uma nova tipologia, específica criada para as edificações eruditas, a serem
construídas na nova capital.
A questão decisiva se coloca quando examino as várias revistas em voga na época, como a
Acrópole e Casa, as quais trazem modelos de residências a serem repetidas. Nela se inscrevem
desenhos de como deve-se construir, de que maneira, um modelo a ser repetido, que o próprio
relatório traz.
Nesse contexto, ao considerar as fontes documentais estudadas, as palavras casas e tipo, que
formam a designação casas-tipo, é utilizada como termos do léxico em uso da ngua
portuguesa. Assim, na escrita dos documentos, utiliza-se o termo casas-tipos, como poderia
ter utilizado o termo modelo ou grupo de casas A, B, C, D, etc., ou casas 1, 2 ou 3, etc. As
fontes documentais pesquisadas até o momento, entre as décadas de 1930 até 2021, não
apontam, até o atual contexto, para nenhum documento que se vale do termo casas-tipo, como
designação de uma tipologia arquitetônica específica, criada na construção de Goiânia, mas
sim, para nomear modelos de casas distintas e que se diferenciam.
Considerações finais
A narrativa sobre o morar é “determinada”, em muitos casos, pelas diferenças
socioeconômicas dos vários grupos sociais. O “lugar” e a localização das moradias no
território da cidade de Goiânia (Figura 8), impactam as formas, o programa arquitetônico e os
tipos de casas em sua materialidade. Segundo Moraes (2003:15), a organização do espaço
urbano da capital, propiciou a formação de duas cidades, a cidade dos planos urbanos onde
Simone Borges Camargo de Oliveira
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reside os grupos sociais de maior poder aquisitivo e a cidade periférica lugar de morada para
as classes sociais menos favorecidas.
A cidade como lugar de múltiplas imagens cotidianas e o “lugar social” do discurso das várias
narrativas, norteiam a pesquisa em busca do seu objeto: o habitar, o morar ordinário e o morar
erudito.
“[...] refere à combinação de um lugar social, de práticas
"científicas" e de uma escrita. Essa análise das premissas, das quais o
discurso não fala, permitirá dar contornos precisos às leis silenciosas
que organizam o espaço produzido como texto. A escrita histórica se
constrói em função de uma instituição cuja organização parece
inverter: com efeito, obedece a regras próprias que exigem ser
examinadas por elas mesmas.”
Certeau, 1982:65
Os contornos delineados por estas leis silenciosas da operação historiográfica, estão imersos
na modernidade. A modernidade “moderniza” a cultura e a sociedade, determinando as
formas e os lugares de viver, produzindo, assim, outros significados particulares e individuais.
A linguagem “comum” da “vida cotidiana”, do “homem ordinário”, na modernidade, está
estruturada em hipóteses, suposições e conjecturas, que sustentam as falas argumentativas ao
analisar fatos e situações cotidianas, a partir de indícios, e sinais, comuns. (Ide, 2000:141),
importantes como elos entre presente-passado-futuro.
Referências
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Dissertação, PROARQ, Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Rio de Janeiro,
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Simone Borges Camargo de Oliveira
INTERPRETAÇÕES DA HISTÓRIA DO LUGAR: GOIÂNIA, CASA ERUDITA E CASA
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Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/2901 . Acesso em: 15 mai. 2015.
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Simone Borges Camargo de Oliveira
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Simone Borges Camargo de Oliveira
DOUTORANDA no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade
Federal de Goiás (UFG) 2018. MESTRE pelo Programa de Pós-Graduação Projeto e Cidade
UFG-GO (2016), Título: Eurico Calixto de Godoi na Formação da Arquitetura Moderna em
Goiânia. ESPECIALISTA em Filosofia, Cultura Memória e Linguagem pela PUC-GO
(1998), Título: O Ser a Coisa e a Obra - Origem da Obra de Arte em Heidegger.
GRADUAÇÃO: Filosofia PUC-GO(1997) e Arquitetura e Urbanismo PUC-GO(1991).
Pesquisadora na UFRGS: Arquitetura, Derrida e aproximações(2016-Atual). Pesquisadora na
FAFICH-UFMG: Perspectiva Pictorum: as arquiteturas ilusórias nos tetos pintados no Mundo
Português séculos XVII e XVIII, (2006-Atual). Integrante do projeto (2021-Atual-UFMG):
Profissionais Brasileiros do Campo da Conservação e Restauração de Bens Culturais:
Inventário dos Centros De Saberes Tradicionais do Brasil. Integrante do projeto (2021-
UFMG): Seminário Ibero-americano Arquitetura e Doc. Pesquisadora na FAV-UFG:
Reconstruindo documentações: narrativas e caminhos do projeto moderno em Goiânia(2015-
2021). Participou da organização: GOYAZ 2001 + 20: patrimônio mundial, qual
humanidade? (2021-FCS-UFG). Participou voluntária: Ação educativa patrimonial Deriva do
Bem, FAV-UFG(2017-2021). É associada do Comitê Científico de Documentação do
ICOMOS Brasil, e do ICOMOS Brasil DOC; é associada do DOCOMOMO Brasil; é
associada do Instituto de Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Goiás
IBAPE/GO, matrícula IBAPE-GO 152; é associada da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação ANPARQ e representante no Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio
Cultural Brasileiro - Goiás; é associada da Associação Nacional de História-ANPUH. É
Arquiteta e Urbanista com registro no CAU-BR, possui 32 anos de exercício e experiência
profissional em escritório próprio. Tem dezenas de projetos registrados no CREA-GO e
CAU-BR. Foi Gerente de Fiscalização e Manutenção de Obras do Patrimônio Cultural, da
Superintendência de Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico, da Secretaria de Estado
Secretaria de Estado de Cultura, SECULT-GO Estado de Goiás(2019-2020). Foi professora
da Pós-Graduação da RTG e PUC-GO, no curso de Auditoria, Avaliações, Patologias e
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Perícias em Arquitetura e Engenharia (2018/01). Foi professora substituta na FAV-
UFG(2016-2017), nos cursos: Arquitetura e Urbanismo, Eng. Civil, Eng. Elétrica, Eng. Física
e Design de Ambientes. Foi professora do Dep. de Artes e Arquitetura da PUC-GO(1999 a
2013) nos cursos: Arquitetura e Urbanismo, Design, Publicidade e Propaganda. Atua nas
linhas de pesquisa: ideias, saberes e escritas da (e na) história; história da cidade; história da
arquitetura e patrimônio histórico artístico e cultural; história de Goiânia e arquitetura
moderna; restauro, conservação e requalificação de edifícios históricos; avaliações, patologias
e perícias em arquitetura. Possui experiência profissional nas áreas de Planejamento e
Projetos da Edificação em: Arquitetura e Urbanismo; Conservação e Requalificação de
Edifícios Históricos; Arquitetura de Interiores; Design de Ambientes; Design de Produto e
Design Gráfico; projeto de edifícios residenciais, edifícios corporativos, comerciais, projetos
urbanos e planejamento de empreendimentos sustentáveis; projetos em áreas de patrimônio
histórico; mapas de danos de edifícios históricos; projetos de acessibilidade do edifício e das
cidades de acordo com as normas da ABNT; adequação e compatibilização de projetos a NBR
15575; estudo de marketing em arquitetura; estudo e análise ergonomia do sistema de
trabalho em ambientes comerciais, hospitalares e hoteleiros; vistorias técnicas; arquitetura e
design de interiores e de produtos. Participou de mostras municipais e regionais na área de
arquitetura e design. Realiza eventos e ações de pesquisa e extensão com publicações nas
áreas de: Arquitetura e Urbanismo; História; Patrimônio Histórico Cultural; Educação
Patrimonial; Filosofia; Design; áreas afins e correlatas.