Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
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MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA:
FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
MUSEOS DE LA MEMORIA Y LOS DERECHOS HUMANOS EN AMÉRICA
LATINA: FORMAS DE REPRESENTACIÓN DISCURSIVA Y EXPOGRÁFICA
MUSEUMS OF MEMORY AND HUMAN RIGHTS IN LATIN AMERICA: FORMS
OF DISCURSIVE AND EXPOGRAPHIC REPRESENTATION
NOGUEIRA, Carolina Gomes
1
nogueiracarolina1996@gmail.com
FERREIRA, Maria Leticia Mazzucchi
2
leticiamazzucchi@gmail.com
Resumo
O presente artigo pretende discutir as formas de representação discursiva e expográfica dos
direitos humanos em museus de memória e direitos humanos. Para tanto, concentra-se em
analisar duas instituições museológicas vinculados à justiça de transição e a busca pela
memória referente ao período das ditaduras cívico-militares na América Latina. Os museus
analisados são: o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, de Santiago Chile, e o
Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Porto Alegre - Brasil. Buscou-se identificar de
uma maneira ampla e bastante objetiva elementos museográficos e expográficos que aportam
a discursividade e a forma expográfica dos direitos humanos nessas instituições. No entanto
cabe ressaltar que, o objetivo deste artigo não é esmiuçar e analisar todos os elementos que
caracterizam uma instituição museológica, mas sim mostrar que existe um padrão
museográfico, expográfico e estético (Mesnard, 2020) que caracteriza os museus de memória.
Palavras-chave: Memória, Museus, Direitos Humanos, Expografia.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo discutir las formas de representación discursiva y
expográfica de los derechos humanos en los museos de la memoria y los derechos humanos.
Por ello, se enfoca en analizar dos instituciones museológicas vinculadas a la justicia
transicional y la búsqueda de la memoria referentes al período de las dictaduras cívico-
militares en América Latina. Los museos analizados son: el Museo de la Memoria y los
Derechos Humanos, en Santiago Chile, y el Museo de Derechos Humanos del Mercosur,
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMSPC) da
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Bolsista CAPES DS.
2
Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente do
Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural e dos Cursos de Museologia e
Conservação e Restauro da Universidade Federal de Pelotas.
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REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
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Porto Alegre Brasil. Se buscó identificar de manera amplia y muy objetiva elementos
museográficos y expográficos que contribuyen a la discursividad y forma expográfica de los
derechos humanos en estas instituciones. Sin embargo, cabe señalar que el propósito de este
artículo no es escudriñar y analizar todos los elementos que caracterizan a una institución
museológica, sino mostrar que existe un patrón museográfico, expográfico y estético
(Mesnard, 2020) que caracteriza a los museos de la memoria.
Palabras clave: Memoria, Museus, Derechos Humanos, Expografia.
Abstract
This article aims to discuss the forms of discursive and expographic representation of human
rights in museums of memory and human rights. Therefore, it focuses on analyzing two
museological institutions linked to transitional justice and the search for memory referring to
the period of civic-military dictatorships in Latin America. The analyzed museums are: the
Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, in Santiago Chile, and the Mercosur
Human Rights Museum, Porto Alegre Brazil. We sought to identify in a broad and very
objective way museographic and expographic elements that contribute to the discursivity and
expographic form of human rights in these institutions. However, it should be noted that the
purpose of this article is not to scrutinize and analyze all the elements that characterize a
museological institution, but to show that there is a museographic, expographic and aesthetic
pattern (Mesnard, 2020) that characterizes memory museums.
Keywords: Memory, Museums, Human Rights, Expographic.
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Considerações Iniciais
O presente artigo tem como propósito discutir as formas discursivas e expográficas do tema
dos direitos humanos em dois museus de memória e direitos humanos da América Latina
3
. O
primeiro é o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos (MMDH), de Santiago Chile,
plenamente ativo, e uma referência da tipologia no Cone Sul. O segundo, é o Museu dos
Direitos Humanos do Mercosul (MDHM), de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, inativo
desde 2015. Objetivou-se apresentar e discutir o processo de musealização
4
dos direitos
humanos em ambas as instituições, buscando identificar quais foram e o os dispositivos e
estratégias museológicas implementadas para a compreensão do tema gerador nesses museus.
Para tanto nos detemos em compreender o conceito e o universo que cerca os museus de
memória. A categoria memorial museums(Williams, 2007) ou museus de memória é uma
tipologia museológica inaugurada em 1955 com o surgimento do Hiroshima Peace Memorial
Museum (Williams, 2007, p. 9). Embora o seu surgimento esteja datado a partir de 1955, os
museus de memória começam a se proliferar a partir dos anos de 1980 como parte de dois
importantes movimentos: os estudos acerca da sociologia da memória e o processo de
musealização de “sítios autênticos” (Robin, 2014), lugares que sediaram o evento traumático
e que abrigam marcas do sofrimento humano. Os estudos acerca da sociologia da memória
começam a serem desenvolvidos no intuito de entender a memória como uma faculdade
humana (capaz de consolidar a identidade) é um fenômeno social que deriva de certos
contextos factíveis e de cenários, quadros sociais (Halbwachs, 2004). o processo que
desencadeia a musealização, ou a memorialização (Huyssen, 2000) dos “sítios autênticos”
e/ou “lugares quentes” (Barcellini, 2005) é marcado pela “emergência da memória como uma
das preocupações culturais e políticas” (Huyssen, 2000, p. 1), uma tentativa de promover a
reparação simbólica pela memória, e o “nunca más”.
Tendo como premissa promover a “justa memória” (Ricoeur, 2004, p. 68), e a denúncia de
um passado trágico (Ferreira, 2018), os museus de memória são norteados pelo “dever de
memória” (Ricoeur, 2003), “uma reivindicação de uma história criminosa, feita pelas vítimas;
a sua derradeira justificação é esse apelo à justiça que devemos às vítimas" (Ricoeur, 2003,
n.p.) Essa tipologia museológica preserva e transmite “uma dimensão da memória social que
não está ancorada nos objetos (...), mas sim na memória das vítimas e dos sobreviventes”
(Bezerra, 2019, p. 187). Nesse sentido, são instituições que buscam reconstruir
3
Este texto é um recorte da dissertação de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Memória
Social e Patrimônio Cultural (PPGMSPC) da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), intitulada
“Musealização dos Direitos Humanos na América Latina: formas de representação discursiva e expográfica no
Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, de Santiago, Chile”, financiada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES DS), e orientada pela professora Drª Maria Leticia
Mazzucchi Ferreira.
4
A musealização segundo Desvallées e Mairesse (2014, p. 56), “designa o torna-se museu ou, de maneira mais
geral, a transformação de um centro de vida, que pode ser um centro de atividade humana ou um sítio natural,
em algum tipo de museu”.
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expograficamente
5
a experiência do trauma (Ferreira, 2018), ou seja, memórias traumáticas
que, por sua vez, estão associados a um grande trauma cultural (Alexander, 2012), via de
regra marcado pela catástrofe e sofrimento humano.
Na América Latina os museus de memória e direitos humanos começam a surgir a partir dos
anos 2000 (Carter, 2015), como parte resultante das recomendações das Comissões Nacionais
da Verdade, das políticas de memória referente ao passado ditatorial, e como uma
reivindicação de organismos de direitos humanos e de atores sociais. Os dois museus de
memória que analisaremos neste artigo, surgem como uma demanda das buscas por memória,
verdade e justiça. O Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, nasce com a missão de
“dar visibilidade às violações de direitos humanos cometidas pelo Estado do Chile entre 1973
e 1990; dignificar as vítimas e as suas famílias; e estimular a reflexão e o debate sobre a
importância do respeito a tolerância, para que esses feitos nunca mais se repitam”
6
.
o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, surge como uma iniciativa da Reunião de
Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do MERCOSUL (RAADH), com o
objetivo de ser um memorial para as vítimas que sofreram violações de direitos humanos na
Operação Condor, e com a missão de ser um “espaço destinado a dar visibilidade a integração
contemporânea de nossos países [membros do MERCOSUL], pela via dos direitos
humanos”
7
.
Baseada nessas premissas, o presente artigo busca dar ênfase à análise de duas exposições,
uma de cada instituição. No Museo de la Memoria y los Derechos Humanos optamos por
analisar a exposição permanente. A escolha deve-se ao fato de que essa exposição é a base
para as discussões e ações educativas do museu. no Museu dos Direitos Humanos do
Mercosul, optamos por analisar a exposição “Deus e sua obra na América do Sul: a
experiência dos direitos humanos através dos sentidos”, uma mostra que trabalhou
conceitualmente a história dos direitos humanos através da expressão artística. A escolha
desta exposição deve-se ao fato de que ela inaugurou a instituição, e foi a única que carregou
o tema dos direitos humanos no título.
Museo de la Memoria y los Derechos Humanos
O Museo de la Memoria y los Derechos Humanos (MMDH) foi inaugurado em 11 de janeiro
de 2010 como um museu dedicado a reconstruir pela narrativa composta por objetos, vozes,
imagens e expressões artísticas a experiência da memória traumática associada ao regime
5
Entende-se por expografia, as técnicas ligadas às exposições (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2014). Ver:
DESVALLÉSS, A; MAIRESSE, F. Conceitos-chave de museologia. Tradução: SOARES, B.B; CURY, M. X.
Florianópolis: FCC, 2014.
6
“El Museo de la Memoria y los Derechos Humanos es un espacio destinado a dar visibilidad a las violaciones a
los derechos humanos cometidas por el Estado de Chile entre 1973 y 1990; a dignificar a las víctimas y a sus
família; y a estimular la reflexión y el debate sobre la importancia del respeto y la tolerancia, para que estos
hechos nunca más se repitan”. Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Disponible en:
<https://web.museodelamemoria.cl/sobre-el-museo/>. Acceso em: 07 de março de 2022.
7
Museu dos Direitos Humanos do Mercosul. Disponível em: <https://cultura.rs.gov.br/museu-dos-direitos-
humanos-do-mercosul>. Acesso em: 07 de março de 2022.
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implantado pelo golpe militar liderado por Augusto Pinochet, e de promover uma “cultura dos
direitos humanos” (Duffy, 2007). Como um projeto bicentenário, inaugurado pela ex-
presidente da República do Chile, Michelle Bachelet, o MMDH busca “impulsionar
iniciativas educativas, que convidam ao conhecimento e a reflexão, através de objetos,
documentos e arquivos de diferentes suportes e formatos”
8
, que reconstroem a memória e
promovem o engajamento cívico para a promoção dos direitos humanos e da democracia.
Contudo, as premissas de criação dessa instituição estão nas bases da mensagem presidencial
da ex-presidente da República do Chile, Michelle Bachelet Jeria (2006 a 2010 e de 2014 a
2018). Em seu discurso no Congresso Nacional, Bachelet anunciou a criação de um museu
que iria promover a ética dos direitos humanos e a democracia, um espaço no qual os direitos
humanos seriam trabalhados na perspectiva da educação e do “resgate”
9
da memória
10
. Assim,
a criação do MMDH marca o compromisso ético de Bachelet com sua condição de ex-presa
política e sua condição como chefe de uma nação fraturada pelo peso do passado.
Assim, a Comisión de Asesora Presidencial en Derechos Humanos e o Ministério de Obras
Públicas (MOP) do Chile, anunciaram em 11 de junho de 2007 a abertura de um concurso
internacional
11
, patrocinado pelo Colégio de Arquitetos, para selecionar o projeto
arquitetônico do MMDH. O projeto vencedor foi o da equipe de arquitetos de São Paulo -
Brasil, integrada por Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos Dias.
O projeto vencedor havia conseguido se destacar pela forma arquitetônica centrada em um
bloco aberto e com uma estrutura que alcança uma luminosidade natural. Assim, o projeto
concebido sob a Praça da Memória, tem um corpo de 80 metros de comprimento por 18 de
largura. A sua composição é feita de o, concreto armado e vidro temperado laminado. O
cubo de vidro que parece levitar sobre as fontes de água, está organizado em três pavimentos,
e conta com galerias, auditório, entre outros. Em seu plano museológico o MMDH conta com
sete setores de atuação, um programa que colabora para o pleno funcionamento da instituição.
Regido pela Fundación Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, o MMDH tem por
objetivos de acordo com o artigo 4 da sua Ata de 07 de janeiro de 2010, adquirir, documentar
8
Informações retiradas do website do MMDH. Disponível em: <https://web.museodelamemoria.cl/sobre-el-
museo/>. Acesso em: 07 de março de 2022.
9
A palavra resgate está com aspas porque a ex-presidente a utilizou assim no seu discurso. Contudo, para os
estudiosos do campo da memória, não existe resgate da memória, sobretudo, porque a memória de acordo com
Maurice Halbwachs (1990) é uma construção do presente.
10
“La ética de los derechos humanos y la democracia es el legado que esta generación de chilenos, mi propia
generación, debe dejar a las generaciones futuras. En base a esta convicción, desarrollamos una política de
derechos humanos que se basa principalmente en la educación y en el rescate de la memoria, como forma de
proyectar estos dolorosos hechos al futuro y a las nuevas generaciones, y en la institucionalización de su
protección, respeto y promoción. […] Haremos realidad la creación del Instituto de Derechos Humanos y
fundaremos el primer Museo Nacional de la Memoria”. Biblioteca del Congreso Nacional de Chile. Disponible
en: <https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=recursoslegales/10221.3/10555/5/20070521.pdf>. Acesso
em: 07 de marzo de 2022.
11
Informação retirada do website do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Disponível em:
<https://web.museodelamemoria.cl/sobre-el-museo/>. Acesso em: 08 de março de 2022.
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e difundir objetos que reivindicam a dignidade e a memória das vítimas de violação de
direitos humanos; difundir iniciativas que reivindicam a dignidade da memória das vítimas, a
reflexão e a aprendizagem sobre o trauma cultural, bem como promover uma cultura de
respeito aos direitos humanos acionando valores como a tolerância, diversidade, solidariedade
e respeito; desenvolver materiais informativos que possam fomentar a cidadania e apoiar o
conhecimento sobre o museu; e potencializar a instituição como um recurso educativo de
direitos humanos, incentivando e assessorando pesquisas de direitos humanos.
12
De tal forma, o MMDH nasce como uma instituição museológica que tem como visão "ser um
espaço que contribui para a cultura dos direitos humanos e dos valores democráticos
tornando-se a base ética compartilhada”
13
no Chile e na América Latina. O projeto
expográfico busca reconstruir expograficamente a experiência do que sucedeu no país os anos
de 1973 a 1990, e promover o respeito aos direitos humanos e a democracia, tendo como
valor fundamental, o respeito “a capacidade de alcançar do próprio valor e dos direitos
humanos e da sociedade” e a tolerância “a capacidade de ouvir e aceitar o outro”
14
tal
como ele é.
Discurso e expografia dos direitos humanos no MMDH
O Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, quando foi inaugurado, surgiu com um
programa de exposições elaborado por uma equipe técnica especializada e interdisciplinar,
composta por museólogos, historiadores, arquitetos, arquivistas, educadores, entre outros. O
programa de exposições apresenta duas rotas: uma diacrônica, e outra sincrônica (Jara, 2015).
A rota diacrônica conta a história da ditadura militar no Chile, e também traz uma abordagem
relacionando os seguintes conceitos chave: ditadura, autoritarismo e totalitarismo; e a rota
sincrônica, faz um percurso no movimento de defesa dos direitos humanos no Chile, trazendo
como palavras-chave a Carta de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU), a questão das violações de direitos humanos, e a atuação dos organismos de direitos
humanos. Assim, na rota diacrônica, os objetivos (para fins de aprendizagem) são:
a) Identificar los aspectos centrales de los sistemas políticos no
democráticos, tratando de entender la experiencia dictatorial que vivió Chile
entre 1973 y 1990;
b) Evaluar la experiencia del régimen dictatorial chileno bajo dos claves
de lectura: totalitarismo y autoritarismo;
c) Valorar la relevancia de una ciudadanía activa en el ejercicio del poder
político en el sistema democrático.
12
Acta Fundación Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Foi disponibilizada por correio eletrônico
pela chefa de colecções e investigação do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, Maria Luisa Ortiz, em
21 de janeiro de 2021 às 17h31min.
13
Informação retirada do website do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Disponível em:
<https://web.museodelamemoria.cl/sobre-el-museo/>. Acesso em: 08 de março de 2022.
14
Informação retirada do website do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos Disponível em:
<https://web.museodelamemoria.cl/sobre-el-museo/>. Acesso em: 08 de março de 2022.
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MMDH a, 2014, p. 11
15
.
Nessa perspectiva, a rota diacrônica, é abordada nos dois pavimentos em que a exposição
permanente está alocada, começando pelo primeiro pavimento através das salas: 11 de
septiembre de 1973, Fin del Estado de Derecho: una nueva institucionalidad, Condenación
Internacional: la dictadura ultrapasa las fronteras, Represión y Tortura, El dolor de los
niños e Artesanado de prisión; indo em direção ao segundo piso, no qual estão as salas: Lucha
por la libertad, Retorno a la esperanza y fin a la dictadura, Demanda por verdad y justicia e
Ausencia y memoria. Essas salas caracterizam a história da ditadura militar do General
Augusto Pinochet, entre os anos de 1973 e 1990, um processo marcado pelo isolacionismo e
pela política antissocialista que, acabou por instaurar um intenso sistema de repressão que,
utilizava da força e da violência para conter aqueles que eram contrários às políticas do
governo autoritário.
Já na rota sincrónica, os objetivos (para fins de aprendizagem) são:
a) Identificar las organizaciones de derechos humanos articuladas en Chile
entre 1973 y 1990;
b) Caracterizar el movimiento de defensa de los derechos humanos en Chile en el
periodo de 1973 y 1990;
MMDH a, 2014, p. 11.
Essa rota consiste em identificar as distintas experiências de violações de direitos
humanos durante a ditadura militar do Chile e no mundo, mas também, em conhecer como se
formaram os organismos como o Sistema Internacional de Direitos Humanos, as Comissões
Nacionais da Verdade, os movimentos e as lutas pela manutenção da dignidade da pessoa
humana, e as experiências de cidadãos que fizeram parte desses processos. Todo esse
conteúdo é disponibilizado na parte externa do museu e no hall de entrada. Na parte externa
encontra-se disposto num muro o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. no
hall de entrada, são abordados quatro temas que remetem aos direitos humanos: Las
violaciones de los derechos humanos como problema mundial; Las Comisiones de la Verdad
como instancias del Estados comprometidos con la búsqueda de la verdad en países en que
estuvieron involucrados en hechos de violencia política y crímenes de lesa humanidad; Los
informes de las Comisiones Valech y Rettig; Memoriales en Chile.
Portanto, a expografia dos direitos humanos na exposição permanente é constituída por dois
vetores: o primeiro é a memória política, que diz respeito as ditaduras latino-americanas que
ficaram conhecidas como intensos regimes autoritários marcados pela constante violação de
direitos humanos, sendo a ditadura militar no Chile marcada como um período violento de
perseguição e tortura. De acordo com os informes das quatro Comissões da Verdade do Chile,
foram contabilizadas inúmeras violações de direitos humanos, 3.550 denúncias das quais
2.296 foram comprovadas, na Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación (Informe
15
Guía Temática y Metodológica - Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Disponível em:
<https://web.museodelamemoria.cl/wp-content/files_mf/1455902679GuiaTematicayMetodologica_web.pdf>.
Acesso em: 10 de março de 2022.
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Rettig); 1.200 denúncias das quais 899 foram consideradas como casos qualificados de
violações de direitos humanos, na Comisíon Nacional de Reparación y Reconciliación;
35.000 depoimentos de pessoas que foram presos políticos e sofreram tortura entre 11 de
setembro de 1973 a 10 de março de 1990, na Comisión Nacional sobre Prisión Política y
Tortura; e 32.453 declarações das quais 633 correspondem a casos de detidos, desparecidos e
executados políticos, na Comisión Asesora para Calificación de Detenidos, Desaparecidos y
Ejecutados Políticos y Víctimas de Prisión Política y Tortura.
A expografia dos direitos humanos está tanto nas entrelinhas da narrativa da memória política
do Chile, quanto na sua base de sustentação, um museu de direitos humanos. Assim, o
discurso e a expografia dos direitos humanos no MMDH, é construído através de três esferas:
memórias subterrâneas (Pollak, 1989); história; e expressão artística. A memória como uma
forma equivalente ao impedimento do silêncio e esquecimento; a história como um recurso
documental que atesta a veracidade do que é representado; e a expressão artística como a
linguagem que busca a combinação entre as duas primeiras, para dar ao visitante a
possibilidade de incursão em um universo originalmente marcado pelo indizível. Na imagem
a seguir (Figura 1), o leitor pode observar uma das quatorze salas de exposição permanente,
na sala intitulada “Memorais do Chile”, e visualizar a combinação das três esferas: a memória
sendo representada através dos memoriais,
sítios de consciência que são resultado de um
trabalho coletivo de familiares, vítimas e organismos de direitos humanos; a história com
objetivo de documentar e contar sobre o conflito; e a expressão artística a fotografia como
suporte para externalizar tais formas de memorialização e resistência (Nogueira , 2022).
Figura 1:
Memoriais do Chile Museo de la Memoria y los Derechos Humanos.
Fonte: Abraço Cultural. Disponível em: <https://www.abracocultural.com.br/memoria-e-dh-na-america-latina/>.
Acesso em: 22 de janeiro de 2022.
De tal forma, a memória e a história são combinadas através de uma expressão artística. Isto
é, a da singularidade memória, a essência do fato histórico, e a subjetividade do artística,
acabam resultando em um fruto estético performativo que ajuda o visitante a compreender o
evento traumático, e a decodificar o tema dos direitos humanos, que em princípio é uma teoria
moral e não possui correspondência em certa materialidade. Assim, a expressão artística
torna-se a forma narrativa de representação dos direitos humanos. Neste caso, a arte como
forma narrativa dos direitos humanos no MMDH está sendo representada em nível
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MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
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semiótico
16
, através de imagens, sobretudo, fotografias que remetem ao evento traumático. A
fotografia “como grafia de memórias dispersas” (Bezerra, 2019, p. 160), sugere uma
interpretação sobre os direitos humanos, por exemplo, no hall de entrada do MMDH, o
visitante se depara com a sala Las violaciones de los derechos humanos como problema
mundial, um ambiente que é composto por expografia na qual tem-se um mapa-múndi,
constituído a partir de fotografias de situações que remetem a violação dos direitos humanos.
Portanto, a imagem como um “instante de verdade e mônada que surge onde falha o
pensamento” (Didi-Huberman, 2012, p. 49), é a forma encontrada para denunciar a violência,
tema que circunscreve os direitos humanos.
Figura 2: Mapa Mundi Museo de la Memoria y los Derechos Humanos.
Fonte: Nós no Chile. Disponível em: <https://nosnochile.com.br/museu-da-memoria-e-dos-direitos-humanos-
santiago-do-chile/>. Acesso em: 22 de janeiro de 2022.
A arte como forma narrativa, é utilizada expograficamente no MMDH para denunciar a
violência, mas sobretudo, decodificar metaforicamente os temas que abrangem os direitos
humanos. Assim como a memória é associativa, a arte é um exercício de percepção. Outro
exemplo que o MMDH oferece para a nossa compreensão, é a obra La geometría de la
concienciade Alfredo Jaar
17
, criada exclusivamente para o MMDH a convite da Dirección
de Arquitectura del Ministerio de Obras Públicas de Chile, com o objetivo de ampliar a
narrativa da memória, faz parte da exposição permanente da instituição. Assim, o trabalho
criado por Jaar, está localizado no espaço subterrâneo do museu, criando um espaço diferente
que, segundo o MMDH, oferece um tipo de experiência multissensorial, pois ocorre entre luz
e escuridão, convidando o visitante a pensar metaforicamente no desaparecimento e na
memória. Composta por 500 silhuetas que aparecem com a luz e desaparecem sem a mesma, a
obra tem como propósito evocar a presença dos detidos, desaparecidos ou mortos. Além
16
Sabe-se que a semiótica é o estudo dos signos. Nesse sentido, a expressão está sendo utilizada no texto para
denominar elementos que aportam para o tema dos direitos humanos. Por exemplo, a fotografia em preto e
branco de um rosto humano em um museu de memória representa o desaparecimento ou a morte de uma pessoa.
A sociedade aprende a decodificar esse signo. Contudo, na ausência da fotografia, a dificuldade para repensar o
indizível é enorme, por isso, a expressão artística (de uma maneira geral) é utilizada.
17
Alfredo Jaar é um artista, arquiteto e cineasta chileno, que vive e trabalha em Nova York. Seu trabalho tem
sido mostrado extensivamente em todo o mundo. Participou das Bienais de Veneza (1986, 2007, 2009, 2013),
São Paulo (1987, 1989, 2010, 2021) e da Documenta em Kassel (1987, 2002). Informação disponível em:
<https://alfredojaar.net/>. Acesso em: 14 de março de 2022.
Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
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REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
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disso, a obra tem o compromisso ético com a memória, pois a partir dela é possível promover
o engajamento cívico, bem como a “cultura dos direitos humanos” (Duffy, 2001; Carter,
2015).
Figura 3:
La geometría de la conciencia” de Alfredo Jaar.
Fonte:<https://www.designboom.com/architecture/the-geometry-of-conscience-memorial-by-alfredo-jaar/>.
Acesso em: 22 de janeiro de 2022.
Nesse sentido, o discurso e a expografia dos direitos humanos no MMDH são construídos a
partir da memória e da história, mas é potencializado pela expressão artística, pois a arte tem
o poder de sensibilizar
18
. Essa relação (arte, memória/história e direitos humanos) pode ser
abordada a partir do poder de sensibilização da arte. Contudo, cabe ressaltar que o processo de
sensibilização deriva da igual capacidade interpretação do sujeito que observa, isto é, o
MMDH coloca a arte como uma subjetividade, objetiva e dialógica (Sartre, 2015) na
exposição permanente, mas cabe ao visitante colher a informação, fazer o exercício da
percepção e interpretar.
Museu dos Direitos Humanos do Mercosul
Entre os anos de 2014 e 2015 o Brasil teve uma experiência expográfica em Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, que trouxe o tema da memória traumática associada à operação Condor e que
buscou, em seus eixos teóricos, promover os direitos humanos. A experiência do Museu dos
Direitos Humanos do Mercosul (MDHM) chamou a atenção pela sua abordagem expográfica,
que privilegiou a expressão artística para externalizar os direitos humanos, tornando-se um
museu de arte contemporânea
19
que trazia, dentre outros temas, a questão dos direitos
humanos.
18
Cabe ressaltar que a palavra sensibilizar, está sendo utilizada no sentido de suscitar uma reação, seja ela uma
estranheza, uma provocação, um incômodo racional. Ou seja, a palavra não está sendo somente utilizada apenas
para delimitar o campo emocional, o pathos o acometimento, mas também para dizer que é através do ato de
sensibilização que pode ser um impacto, um despertar ou uma provocação que faz com o visitante volte a sua
atenção para a temática.
19
Entende-se por arte contemporânea nos museus de memória como algo que está articulado à ética que
fundamenta as ões de transmissão memorial e nos permite captar e transmitir dimensões não contempladas
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MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
114
Este museu foi concebido em novembro de 2011 por ocasião da XX Reunião de Altas
Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do MERCOSUL e Estados Associados
(RAADH) ocorrida em Montevideo na qual ficou decidido, em resposta às demandas por
„memória, verdade e justiça‟, que se criaria um memorial sobre “as violações de direitos
humanos e as vítimas da Operação Condor e outros episódios de coordenação repressiva
ilegal no continente sul-americano”
20
na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
O memorial a ser criado deveria considerar, segundo o Anexo VII da XX RAADH, as
seguintes normas:
A) Que a política de Direitos Humanos é uma política substantiva dos Estados
membros do Mercosul, nos seus mais variados aspectos.
B) Que o Direito à Verdade e à Memória são um dever dos Estados não apenas
com as vítimas, mas também com suas próprias populações, nos termos da
Resolução 2005/66 da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas.
C) Que as ações repressivas ilegais coordenadas entre os diferentes países no
continente deixou um legado de violações que ainda não é conhecido em sua
totalidade pelos povos da região
ANEXO VII/ XX RAADH, 2011.
Em setembro de 2012 na XXII Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos,
Chancelarias do Mercosul e Estados Associados, a PPTB apresentou uma proposta sobre um
Grupo cnico
21
que iria obter dados e informações de arquivos sobre as ações coordenadas
de repressão ilegal no Cone Sul, em particular a Operação Condor (XXII RAADH, 2012). A
iniciativa do Memorial, deveria contemplar as vítimas da Operação Condor de todos os países
membros do Mercosul e Estados Associados, além disso, o memorial também atuaria como
um “centro de documentação para abrigar arquivos em base digital e espaços para a promoção
de atividades de educação e cultura em direitos humanos” (XXII RAADH, 2012, item 9).
Em 15 de julho de 2014 através do Decreto N.º 51.647 (publicado no DOE n.º 134, de 16 de
julho de 2014) criou-se o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, vinculado à Secretaria
da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, tendo como principais objetivos conforme o
artigo 2. º: coletar, documentar e divulgar coleções relativas à história e a cultura dos direitos
humanos no âmbito do MERCOSUL; organizar e promover atividades que auxiliem na
construção do entendimento histórico de violações de direitos humanos no âmbito do
pelos dispositivos memoriais tradicionais(BORGES, 2019, n.p). No âmbito dos museus de memória, “a arte
contemporânea é posta em ação para propor um deslocamento do olhar passivo, receptor de uma mensagem
unívoca sobre o que é memorável, para um olhar que carece de reflexão” (BORGES, 2019, p. 42).
20
Ítem “5.2. Propuestas de políticas regionales de verdad y memoria sobre la Operación Cóndor. Debate sobre el
documento de trabajo presentado por el IPPDH” da XX Reunión de Altas Autoridades en Derechos Humanos y
Cancillerías del Mercosur y Estados Asociados. Mercosur/RAADDHH/Acta n. 02/11.
21
Ver Anexo VI Estabelecimento, em la Órbita de la Comisión Permanente de Memoria, Verdad y Justicia de la
RAADDHH, de un Grupo Técnico de Obtención de Datos, Información y Relevamiento de Archivos de las
Coordinaciones Represivas del Cono Sur y de la Operación Cóndor. O relato sobre o Grupo Técnico da
Operação Condor pode ser conferido também na Ata da IV Reunião Extraordinária de Altas Autoridades em
Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados, no item 3.c. p. 4.
Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
115
MERCOSUL; formar exposições que integrem diversas linguagem da história e das artes para
desenvolvimento da cultura dos direitos humanos; desenvolver ações educativas que possam
fazer com que o público reflita sobre a temática dos direitos humanos; e realizar pesquisas
voltada para o tema dos direitos humanos.
22
A princípio conforme o decreto de criação, essa instituição teria as características basilares de
um museu conforme a definição do ICOM, “uma instituição permanente sem fins lucrativos,
ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva,
investiga, comunica e expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade” (ICOM,
2015). Todavia, havia pontos fundamentais que iriam diferenciar o MDHM da instituição
tradicional museológica, a começar pela sua tipologia. Assim, o MDHM não seria apenas um
guardião da memória, seria um referencial para o futuro, um ponto de discussão e reflexão
para o exercício da memória política na América Latina (Santos, 2020). A instituição foi
criada a partir da reivindicação que a América Latina fez (e faz) pela memória política, se
estabelecendo como uma experiência museológica que “inovou tanto pelo seu caráter
transnacional quanto pelo seu acervo e pela sua visão de direitos humanos, tornando-se
prontamente referência na temática” (Floriano, 2014: 3). Entretanto, em 1 de novembro de
2019 através do Decreto N.º 54851 (CCXIII), Norma Estadual, Rio Grande do Sul (publicado
no DOE em 04 de novembro de 2019) o governador do Rio Grande do Sul, revoga o Decreto
N.º 51.647, de 15 de julho de 2015, que criou o MDHM.
O MDHM estava localizado no antigo Prédio dos Correios e Telégrafos na Praça da
Alfândega, no centro de Porto Alegre. O Prédio da Alfândega foi construído entre 1910 e
1913, projetado pelo arquiteto alemão Theo Wiederspahn e construído por Rudolf Ahrons.
Em 1980
23
, o edifício foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN). Em 1998 passou por um criterioso processo de restauração, para posteriormente
abrigar o Memorial do Rio Grande do Sul e o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Com
localização geográfica privilegiada por estar na fronteira entre Argentina, Brasil e Uruguai, o
Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, integrava um corredor cultural excepcional
estando ao lado do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e do Santander Cultural e,
a pouco metros da Pinacoteca de Porto Alegre, do Centro Cultural Érico Veríssimo, do Museu
de Comunicação Hipólito José da Costa e da Casa de Cultura Mário Quintana.
Discurso e expografia dos direitos humanos no MDHM
O Museu dos Direitos Humanos do Mercosul (MDHM), conforme explica o ex-diretor,
Márcio Tavares dos Santos, nasceu como um espaço transacional com o propósito de
demonstrar o compromisso do MERCOSUL com a democracia e os direitos humanos, tendo
por objetivo:
Evidenciar que os direitos humanos são um uma construção histórica, oriunda da
luta social, e que sua manutenção como um projeto coletivo depende do fato de que
22
Decreto N.º 51.647 (publicado no DOE n.º 134, de 16 de julho de 2014).
23
Número do processo: 1036-T-1980. Livro do Tombo Histórico: Inscrito em 01/1981. Livro do Tombo de
Belas Artes: Inscrito em 01/1981.
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MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
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a sociedade tome o conceito para si. Desse modo, pretendemos apresentar histórias e
memórias que corporifiquem as violações aos direitos humanos originadas pela
Operação Condor a coordenação dos aparatos repressivos das ditaduras do Cone
Sul , bem como abrir espaço para as histórias de mulheres, negros, indígenas, da
comunidade LGBT que, a partir da democratização da região, tiveram um novo
espaço para lutar por seus direitos
Santos, 2014, n.p.
A intenção do MDHM, conforme defende Santos (2014), era a de gerar no público um
impacto sensorial que aguçasse o desejo de buscar informações sobre o passado traumático
(Santos, 2014). Logo, o museu transitaria entre a necessidade de transmitir o conhecimento e
de transformá-lo em um compartilhamento de sensações e de produção de empatia ao objeto
representado (Santos, 2014). Nesse sentido, como aponta o ex-diretor, o museu tinha consigo
o desafio de construir espaços de significação relativos aos direitos humanos e suas
transgressões, decodificáveis através das obras de arte visual. Tal efeito de identificação e
empatia seria obtido através das diferentes leituras e expressões de artistas sobre um tema
gerador que poderia se desdobrar em inúmeros outros, considerando o exposto por Santos que
na América Latina falar do tema dos direitos humanos requer uma “abordagem histórica das
explorações econômicas e sociais, somada ao exercício de dominação que o processo de
colonização dos corpos e das subjetividades impôs, os quais foram igualmente motores do
autoritarismo, e são do preconceito étnico, de gênero e da homofobia no Cone Sul” (Santos,
2014).
Em seu período de existência o MDHM apresentou sete exposições
24
, dessas destacamos três
que versaram sobre o tema dos direitos humanos fazendo abordagens políticas e artísticas,
foram elas: “´Conceito urbano: Xadalu, das ruas ao museu”, uma exposição que trouxe a
condição indígena do artista, e abordou o valor social da sua arte política nas ruas; “Os novos
brasileiros: as imigrações alemãs no Rio Grande do Sul”, uma mostra que expôs a trajetória
dos imigrantes alemães através de documentos e obras de arte, reforçando a questão
migratória e contribuição desses povos para o Estado do Rio Grande do Sul; “Deus e sua obra
na América do Sul: a experiência dos direitos humanos através dos sentidos”, uma exposição
que buscou historicizar o conceito de direitos humanos através da produção artística latino-
americana.
O MDHM foi inaugurado na Semana da Democracia, realizada entre os dias 1 e 5 de abril de
2014, com a exposição “Deus e sua obra na América do Sul: a experiência dos direitos
humanos através dos sentidos”, uma mostra que contou com obras de arte, fotografias, vídeos,
pinturas, esculturas, instalações e documentos de 145 artistas dos seguintes países: Argentina,
Brasil, Chile, Equador e Uruguai. A exposição tinha por objetivo “debater a compreensão dos
direitos humanos na contemporaneidade, historicizando o processo de construção do conceito
24
São elas: The beautiful game: o reino da camisa canarinho; Futurama: inovações da juventude; Arte + Arte:
visões da liberdade; Horizontes (in)prováveis da paisagem; Os novos brasileiros: as imigrações alemãs no Rio
Grande do Sul; Deus e sua obra na América do Sul: a experiência dos direitos humanos através dos sentidos;
Conceito urbano: Xadalu, das ruas ao museu.
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117
de direitos humanos no continente sul-americano através da expressão artística combinada
com uma narrativa histórica”
25
.
Para Fidelis (2014), a exposição “Deus e sua obra na América do Sul: a experiência dos
direitos humanos através dos sentidos ao utilizar a dimensão criativa da experiência divina
de Deus como criador e artista. Segundo Fidelis (2014, p. 94) a exposição resgatou reflexões
profundas a respeito de um sistema que organiza objetos não de acordo com uma
taxonomia específica, mas também de acordo com novas possibilidades de avançar em
diversas vias de construção curatorial”. A opção por uma arte fortemente conceitual que
transcende os limites da narrativa direta foi, conforme afirma Fidelis, uma intervenção que,
combinando diversas linguagens como esculturas, videoinstalações, pintura, gravura, buscou
demonstrar que:
A afirmação dos direitos humanos é resultado de um longo e árduo processo
histórico. Através da construção de novos registros estéticos e históricos, foi
possível elaborar uma genealogia não-linear e não-evolucionista da idéia de direitos
humanos em nosso continente.
26
O tema da tortura, por exemplo, irrompe numa perspectiva sincrônica, remetendo aos
processos políticos que instauraram regimes totalitários no Cone Sul, mas igualmente
diacrônico, através da abertura de uma grande ocular ao que se apresenta na iconografia
cristã, matriz memorial presente no pensamento ocidental. Na imagem a seguir (figura 4), o
leitor pode observar uma escultura de metal que compôs a exposição, e que estaria
representando o Cristo crucificado. A crucificação era um método de pena de morte da Roma
antiga, no qual o prisioneiro após ser açoitado, é pregado e pendurado em uma viga e/ou cruz
de madeira, podendo sair do castigo somente após a sua morte. Durante o período vigente das
ditaduras cívico-militares no Cone Sul, uma das práticas de tortura mais dolorosas e que
deixava o preso político também em suspensão era o pau-de-arara
27
. Esse método fazia com
que os presos tivessem fortes dores nas articulações e nos músculos, além de dores de cabeça
e traumas psicológicos. Os métodos de tortura devem ser representados com ética, deve
sempre haver um limite na representação do sofrimento humano,
sobretudo, na representação
das vítimas. Por este motivo, a expressão artística é utilizada como meio subjetivo na
exposição. O respeito ao reconhecimento da fidelidade do sujeito às próprias volições
(Rodríguez, 2018, p. 718) deve levar em consideração a prerrogativa de que a vítima é um
semelhante e, portanto, o mítico pode nos ajudar a atingir essa compreensão.
25
Informação disponível em: <http://www.mdhm.rs.gov.br/conteudo/1013/deus-e-sua-obra-no-sul-da-america>.
Acesso em: 31 de agosto de 2021.
26
Informações retiradas do website do MDHM. Disponível em: <https://cultura.rs.gov.br/deus-e-sua-obra-no-
sul-da-america>. Acesso em: 10 de março de 2022.
27
O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho,
sendo o „conjunto‟ colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 cm.
do solo”. Informação disponível em: <https://www.museudeimagens.com.br/pau-de-arara-ditadura-militar/>.
Acesso em: maio de 2022.
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Figura 4 - Exposição “Deus e sua obra na América do Sul”.
Fonte:
<https://cultura.rs.gov.br/galeria-de-imagens-601ad18cd5c3b>. Acesso em: 03 de janeiro de 2022.
Para o MDHM, essa abordagem (arte e direitos humanos) iria construir um campo de
legibilidade acerca do desenvolvimento da ideia de direitos humanos na América Latina, além
de abrir espaço para novas possibilidades, sentidos e sensibilidade sobre esta temática. A
partir dessa perspectiva, a exposição trouxe eixos estruturantes como a relação entre arte,
memória e direitos humanos, sobretudo, na forma como uniu arte e memória, em uma
possível metáfora que, conforme defende Orlandi (2005), oferece para o visitante “uma visão
multifacetada da história dos direitos humanos no mundo e no sul das Américas, permitindo
que este pudesse entender as mutações no conteúdo do conceito ao longo da história”
28
, isto é,
compreender a violação dos direitos humanos na Roma antiga e no período da ditadura
militar, através de um suporte subjetivo.
Em entrevista com ex-diretor do MDHM, perguntou-se o porquê de o MDHM utilizar a arte
como um recurso expográfico para falar do tema da memória traumática e dos direitos
humanos, Márcio Tavares dos Santos respondeu que:
Como vetor organizativo de projetos expositivos tinha por objetivo dar conta de dois
elementos: I) a decisão de não se estabelecer uma exposição permanente pela
própria característica do Museu, e assim trabalhar com um programa de exposições
temporárias; II) Por não existir um acervo objetual que pudesse dar conta dessa
narrativa. Então a arte se transformou em uma plataforma que possibilita estabelecer
debates, confrontos e oferecer sem uma perspectiva instrumentalizadora, mas
também com muita liberdade de desenvolvimento pelos artistas, narrativas
alternativas, uma polissemia de vozes e o poder de construir uma multiplicidade de
abordagens.
29
Conforme o ex-diretor explica na entrevista, a “arte se transformou em um vetor de reflexão
que convidava o público a ter uma abordagem diferenciada a respeito do tema. O público
28
Informações retiradas do website do MDHM. Disponível em: <https://cultura.rs.gov.br/deus-e-sua-obra-no-
sul-da-america>. Acesso em: 10 de março de 2022.
29
Entrevista com Márcio Tavares dos Santos, realizada através da plataforma Google Meet, no dia 15 de abril de
2020.
Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
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poderia ter uma certa liberdade para construir um raciocínio”. Nesse sentido, o Museu
trabalhava com as memórias da ditadura militar no Cone Sul, mas associava a luta em prol
dos direitos humanos para que a partir disso, pensar em outros temas que abarcam os direitos
humanos e o processo de democratização.
Aproximações e distanciamentos
Para fins de aproximação entre os dois universos aqui apresentados, vemos que ambas as
instituições trabalham sob a perspectiva da memória, da história e da expressão artística. O
Museo de la Memoria y los Derechos Humanos construiu a sua narrativa expográfica e
discursiva sobre os direitos humanos através de duas rotas: a diacrônica e a sincrônica. Assim,
podemos projetar que a expografia e a discursividade dos direitos humanos no MMDH foi
pensada para que o público atingisse uma dupla compreensão do tema do gerador: a positiva e
a negativa. A positiva baseada no conhecimento dos direitos humanos e de toda a deontologia
internacional, passando pelas Comissões Nacionais da Verdade e pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos. É a partir dessa compreensão e da importância desses direitos para a
vida em sociedade, que o público é introduzido a versão negativa que seria a violação desses
mesmos direitos, sua negação ou mesmo a supressão nas sociedades contemporâneas.
De tal forma, a exposição permanente dedicada às violações sistemáticas de direitos humanos
perpetradas durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), busca fazer essa
reconstrução utilizando diferentes suportes museográficos, entre eles, documentos,
fotografias, obras de arte e material audiovisual. O uso de recursos tecnológicos como os que
promovem a interação visitante-exposição acompanhado de um modelo de mediação baseado
no método de Kuhlthau (1993), no qual se prioriza uma mediação cognitiva, afetiva e física -
uma museologia sensorial
30
- , busca não apenas produzir uma imersão imaginada num tempo
que se distancia do presente pelo vetor histórico, mas que dele se aproxima pela inserção de
elementos da violência, do medo, das violações constantes de direitos humanos que se
reproduzem nos cenários latino-americanos em particular. Nesse sentido, a relação visitante-
exposição-museu encontra na expressão artística o seu maior recurso, indo da forma
arquitetônica eleita
31
, até os recursos de externalização escolhidos pela instituição.
30
A museologia sensorial concentra a sua museografia e expografia nos sentidos. É uma técnica pensada para
que o visitante possa imergir em uma experiência. A museologia sensorial está presente nos museus de memória,
rementendo as experiências que passaram as vítimas.
31
“La “barra” y el “zócalo”. La primera, elevada, se plantea como manifestación de la historia, los sucesos, el
vivir de la memoria abierta en ambos extremos, como quien deja la vida pasar […] La barra se constituye como
espacio museológico específico mientras el zócalo alberga al espacio museográfico y también a actos o eventos,
que en el subsuelo completan el programa usual de un museo al incorporar salas de cine arte y espacios para
cursos sobre Derechos Humanos, cultura y territorio chilenos. La oposición entre el cuerpo masivo y pesado del
zócalo y la barra rea hace eco de uno de los planteamientos del museo: a través del programa, un subsuelo
productivo genera conocimientos y relaciones que son integradas en el bosque suspendido, donde una memoria
de fragmentos va depositándose en el intento por reconstruir, lentamente, los valores de la idiosincrasia de una
nación”. (FIGUEROA; FEHR; DÍAS, 2012, p. 28).
Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
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Figura 5 Fachada Frontal Museo de la Memoria y los Derechos Humanos.
Fonte:
<https://laventanaciudadana.cl/un-pais-sin-museo-de-la-memoria-es-un-enfermo-de-demencia-senil/>.
Acesso em: 03 de janeiro de 2022.
Nessa combinação de celebrar a memória e promover a reparação simbólica, a arte instaura a
imagem daquilo que de maneira genérica, seria o ideal a ser alcançado. Assim, o MMDH
posto como uma intervenção e uma forma de rememoração na geografia do território chileno
(Zein, 2010), posiciona-se na Praça da Memória, como um novo quadro social da memória
(Halbwachs, 2004), um espaço no qual a redenção pela memória está posta através da história
e da expressão artística.
Por outro lado, o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, construiu a sua narrativa
expográfica sobre os direitos humanos combinando arte contemporânea, memória e história.
Em uma síntese de diversos suportes artísticos elaborou a sua exposição de inauguração com
uma ampla abordagem do conceito de direitos humanos. Como dito anteriormente, a relação
entre arte e direitos humanos é sugerida, ela está presente nas mais diversas manifestações
entre arte e memória. Como uma relação sugerida, e por depender da percepção do público,
essa conexão nem sempre é visível. Primeiro porque os direitos humanos são uma teoria
moral e, por isso, não possuem materialidade; segundo porque essa relação depende de um
contexto factível, seja o de violação ou de afirmação desses direitos (
Nogueira, 2022
). Quer
dizer, mesmo quando são representados através da arte, os direitos humanos precisam de um
contexto para serem entendidos, ainda que a arte seja uma expressão e não tem nenhuma
obrigação de ser inteligível. Ainda assim, a expressão artística foi o suporte mais utilizado
para compreensão dos direitos humanos neste museu de memória, devido a sua faceta de
sensibilização (
Nogueira, 2022
).
O MDHM tratou com diferentes abordagens o tema dos direitos humanos na
contemporaneidade. De acordo com o Santos (2020), o museu, tendo como modelo
referencial o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, vislumbrou um novo modelo
expográfico para falar de uma forma abstrata e intensamente subjetiva, mas de uma maneira
objetiva, dialógica (Sartre, 2015) e passível de compreendida, sobre os valores que norteiam o
conceito de direitos humanos de acordo com a Carta da ONU.
Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
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Figura 6 - Exposição “Deus e sua obra na América do Sul”.
Fonte:
<https://cultura.rs.gov.br/galeria-de-imagens>. Acesso em: 03 de janeiro de 2022.
A exposição “Deus e sua obra na América do Sul”, performou através da expressão artística
uma faceta dos direitos humanos. Nesse sentido, poderíamos pensar que o reconhecimento
da imagem, seja ela pictórica, fotográfica ou de outro suporte, indica uma realidade de
violação de direitos humanos que, está fundamentada nas percepções do sujeito observador,
ainda que nenhuma delas seja similar ao que é retratado (Nogueira, 2022, p. 144).
Entretanto, é a capacidade interpretativa do sujeito observador, que, por sua vez, está
formatada a partir de estruturas memoriais, morais e éticas (Nogueira, 2022, p. 144), que
permitirá atingir tais compreensões. Um sujeito sem referência pode estar fadado a não
compreensão desses elementos. No entanto, a expressão artística é um elemento facilitador e,
por este motivo, é utilizada como recurso expográfico nos museus de memória, pois ela
sensibiliza e auxilia no processo de compreensão e, por isso, “é possível dizer que uma
passagem da sensibilização à empatia e desta para uma crítica ao que nos cerca, o que
poderia, portanto, comprovar a eficácia do uso de tais recursos” (Nogueira, 2022, p. 144).
Considerações Finais
A expografia dos direitos humanos ao longo dos séculos XX e XXI assumiu diferentes
formas. No começo do século XX ela estava inserida na geografia urbana e era retratada
através de monumentos e memoriais de guerra. Essas formas de comemoração surgem para
expressar a dor do luto (Winter, 1995), eram a rendição estética do sofrimento descomunal
causado pela guerra (Winter, 1995), mas também traziam rudimentos de uma esperança. Esses
monumentos e memoriais de guerra se adaptaram ao tempo, evoluindo para o que seria na
contemporaneidade os museus de memória que atualmente atuam no sentido do devoir de
mémoire”, tal como confere Paul Ricoeur (2004), são a reivindicação de uma vida perdida,
sobretudo, porque se são narradores significativos do sofrimento humano e da luta em prol do
direito à vida e a liberdade, direitos que fundamentam a existência humana.
Os museus de memória enquanto instituições contemporâneas dedicadas a reconstruir
discursivamente a experiência do trauma, buscam representar aquilo que chamamos de
expografia do não vivido”, trazendo como componente narrativo a memória traumática, as
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MUSEUS DE MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA: FORMAS DE
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violações de direitos humanos e o engajamento político em prol desses mesmos direitos.
Contudo, ainda um grande debate sobre como representar a dignidade humana ou a sua
supressão? É correto expor os cabelos das judias em Auschwitz? É correto transformar o lugar
da barbárie em um lugar fictício (Didi-Huberman, 2013)? Como representar todo esse
sofrimento sem ferir as vítimas? Sem glorificar os algozes?
A expressão artística surge nesse limiar, como uma das tentativas de buscar responder o que
fazer com as memórias do sofrimento humano.
De tal forma, a expressão artística no campo
dos museus de memória é muitas vezes utilizada para traduzir o inimaginável (
Didi-
Huberman
, 2012), promover a reparação simbólica pela memória e garantir a não repetição.
Como cita o filosofo da arte, a expressão artística nos museus de memória emerge na dobra
do desaparecimento da irrepresentatividade do testemunho (
Didi-Huberman
, 2012), surge
como algo real, pois transcende, está além das palavras.
Logo, a expressão artística tornou-se
a alternativa possível para se opor a repetição do evento traumático. Surge como a
possibilidade de se fazer algo com o sofrimento, de externalizá-lo, de reconstruir elos
perdidos e incitar a memória. Como vimos nos dois casos que apresentamos neste texto, tanto
o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos quanto no Museu dos Direitos Humanos do
Mercosul, ambos utilizaram desse aporte para que o público através do exercício da percepção
pudesse imaginar aquilo que é irrepresentável, ou seja, a tortura, o medo, o trauma e a dor.
Assim, a expografia dos direitos humanos vai se constituindo em duplo sentido, no discurso
museológico de amas as instituições e nas formas de representação artística. Contudo, cabe
ressaltar que os direitos humanos são uma teoria moral, e a sua expografia é sugerida, isto é, a
interpretação desses direitos a partir de uma perspectiva da arte (que é subjetiva) demanda o
exercício da percepção. Com isso, o que as autoras querem dizer é que, existem metáforas
para a compreensão dos direitos humanos através da arte, isto é, imagens (signos) que evocam
os direitos humanos, mas que são factíveis dentro de um contexto, por exemplo, a
representação de um pau-de-arara evoca a tortura, que é uma grave violação de direitos
humanos. Nem sempre o expectador, vai decodificar essas informações, mas é o papel de um
museu de memória torna-las acessível ao público.
Por fim, a expressão artística potencializa as percepções, indagações e transformações. Além
disso, torna visível as diversas facetas dos direitos humanos como, por exemplo, o direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal, além de motivar o exercício da cidadania.
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Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
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Carolina Gomes Nogueira
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural
(PPGMSPC) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Bolsista CAPES/DS. Mestra em
Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas. Museóloga
egressa pela mesma Universidade. É membro do Núcleo de Estudos sobre Memória e
Patrimônio em Lugares de Sofrimento (NEMPLuS - https://wp.ufpel.edu.br/nemplus/) -
UFPel, cujo objetivo é discutir a patrimonialização de locais que sediaram eventos
traumáticos. Pesquisa os seguintes temas: museus de memória; formas discursivas e
expográficas de representação dos direitos humanos; expografia do sofrimento humano. Tem
interesse nos seguintes campos: museologia, memória, museus de memória, turismo, arte e
direitos humanos.
Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
Professora Titular da Universidade Federal de Pelotas, UFPEL. Docente permanente no
Programa de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) em Memória Social e Patrimônio Cultural
Carolina Gomes Nogueira y Maria Leticia Mazzucchi Ferreira
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REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E EXPOGRÁFICA
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da UFPEL. Foi membro da comissão de implantação do Curso de Bacharelado em
Museologia, atuando como Coordenadora desse curso entre 2006-2008.Presidente da
Comissão de implantação do Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens
Culturais Móveis. Foi pesquisadora do Inventário Nacional de Referências Culturais:
Tradição doceira pelotense, promovido pelo IPHAN, Monumenta e UNESCO. Coordenou,
entre 2009-2012, o projeto CAFP-CAPES"Instituições, legislação, territórios e comunidades:
perspectivas sobre o patrimônio material e imaterial no Brasil e Argentina", envolvendo a
UFPEL e a Universidade de Buenos Aires. Coordenou, pelo lado brasileiro, o projeto de
cooperação com o Laboratoire d'Anthropologie et de Psychologie Cognitives et Sociales, da
Universidade de Nice, França, participando de projeto de investigação internacional
financiado pela ANR (Agence Nationale de la Recherche) coordenado pelo antropólogo Joel
Candau. Pós-Doutorado na Universidade Paris IV, entre 2018-19 e no LAHIC-EHESS, entre
2009-2010, ambos na França. Atua como docente e pesquisadora na área de Patrimônio,
principalmente nos seguintes temas: regimes memoriais, memórias traumáticas, museus de
memória, patrimônios difíceis, patrimônio industrial.