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Lorena Vargas e Yussef Campos
O CANTEIRO ABERTO COMO ESPAÇO DE LUTO EM LUGARES DE MEMÓRIAS SENSÍVEIS: O
CASO DA MATRIZ DE PIRENÓPOLIS. GOIÁS (BRASIL)
se em cooperação com o salvamento de um pedaço de si, como testemunhou no
Documentário MIS - Canteiro Aberto (Secult). Infelizmente os olhos daquele ilustre
pirenopolino não puderam ver a igreja reinaugurada, embora ele tenha se feito presente até o
último momento: seu velório aconteceu ali, no canteiro aberto da Matriz de Pirenópolis,
reunindo boa parte da população.
No que tange a educação patrimonial promovida pelo canteiro aberto, esta se refletiu não
somente na comunidade, mas também nos profissionais atuantes nas obras. Segundo Sílvio
Cavalcante (2008), o fato de os moradores estarem inseridos em discussões junto aos técnicos,
guiando de certo modo a forma final do edifício a partir de suas memórias, coloca em
discussão a própria infalibilidade do saber especializado. Conforme afirma o autor, a
comunidade se fez presente em todos os passos da restauração da Matriz, desde a contribuição
com a equipe técnica até “sua marcante presença no canteiro, garantida pela implementação
da visitação guiada, com a demostração viva das ações em curso. Outra prova do
envolvimento da comunidade é o fato de ter sido a restauração proposta pela Sociedade de
Amigos de Pirenópolis” (Cavalcante, 2008: p. 107), atuação possibilitada pelo formato aberto.
De fato, as obras receberam 48% dos pirenopolinos, segundo pesquisa realizada por Meira
(2015). Para além da população local, o “Canteiro Aberto” recebeu visitantes de diversas
regiões do país que passaram pela turística cidade entre 2002 e 2006, ano de finalização das
obras, somando aproximadamente 52.000 visitantes.
Outras iniciativas de obras a portas abertas no Brasil, como a da Vila Itororó, em São Paulo,
ou dos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, foram também executadas com respaldo da Lei
Rouanet, que oportunizou investimentos destinados especificamente ao setor cultural por
meio de isenção fiscal. O projeto “Centro Cultural Vila Itororó - Canteiro Aberto”,
inaugurado em 2015, também lançou mão de um acervo histórico museológico
principalmente como iniciativa a longo prazo, buscando impulsionar a história oral dos
habitantes por meio de entrevistas e registros audiovisuais que, somados a registros
iconográficos, constroem um acervo próprio da comunidade, proposta que registra não apenas
as memórias já consolidadas sobre o local como também registra o fato histórico do canteiro
aberto. Além disso, o projeto foi composto por palestras e workshops, realizados junto às
obras, relativas à educação patrimonial; realização de atividades culturais; laboratório para
uma “vida compartilhada”, aberto à discussão sobre a própria Vila, suas necessidades e
potencialidades, a fim de pensar o patrimônio enquanto elemento orgânico e que atenda às
necessidades mais atuais; publicações que documentam a história da Vila Itororó e o processo
de restauro, etc. Dentre as principais questões postas em discussão com a comunidade foi a
necessidade de se “dessacralizar” o patrimônio, tornando-o um espaço de cultura em
movimento, de moradia e de integração a longo prazo. Com a finalização das obras as
atividades permaneceram como parte do Centro Cultural Vila Itororó.
Já a experiência do canteiro aberto nos Arcos da Lapa, realizado em 2010, buscou aproximar
a população à história dos arcos, criados como aqueduto no século XVIII, passando a linha de
bonde no século XIX e chegando a monumento negligenciado no século XXI. Nesse caso, o
canteiro aberto funcionou não como um espaço de vivência do luto de um bem de
reconhecido valor, seja artístico, religioso ou emocional, nem como um espaço de
questionamento da infalibilidade do patrimônio, mas como um mecanismo de sensibilização
de heranças históricas. Além disso, o canteiro aberto ofereceu cursos de restauração para os